quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Conto popular em cordel remete a clássico da literatura


Belisfronte era o meu conto popular favorito. Conheci-o narrado por Luzia Josefina, minha avó. Traz, no enredo, motivos do conto mítico de Apuleio, Eros e Psiquê, do Asno de Ouro (séc. II a.C.). Escrevi uma versão em cordel, em 2005, mas perdi o manuscrito. Reescrevi a mesma história, conservando algumas estrofes já decoradas. Esta foi a versão publicada na Editora Luzeiro, em 2006. O conto pópular Belisfronte, recontado por meu pai, Valdi Fernandes Farias, integra a obra Contos Folclóricos Brasileiros (Paulus, 2010).

Trecho:

Peço às deusas que habitam
O Reino da Poesia
Que venham em meu auxílio
Dando-me sabedoria,
Para versar uma história
De fé, encanto e magia.

Onde a Fortuna sorri
A quem é merecedor,
Por isso narro este drama
Sobre um moço de valor:
A História de Belisfronte,
O Filho do Pescador.

Em um longínquo país
Habitava um camponês
Ao lado de sua esposa –
Os seus filhos eram três:
Eram pobres ao extremo,
Não tinham voz e nem vez.

Aquele pobre campônio
Sempre viveu do roçado,
Mas agora o que plantava
Não dava mais resultado;
Como se a Providência
Lhe houvesse abandonado.

Isto porque a semente
Que na terra ele lançava
Em forma de alimento
Ela jamais retornava
E a fome, cruel flagelo,
Toda a família assolava.

O velho então resolveu
Tornar-se um pescador,
A profissão de São Pedro,
Discípulo do Salvador,
Pensando em pôr fim àquele
Quadro desalentador.

E, assim, foi para o rio,
Munido de rede e anzol.
Disse: - Peixe nunca falta,
Faça chuva ou faça sol,
Os ribeiros estão cheios,
Do crepúsculo ao arrebol.

Pacientemente, o velho
Lá ficava todo o dia,
Até que o manto da noite
Aquele vale envolvia,
Mas, para surpresa dele,
Nenhuma piaba havia.

Pouco a pouco o desespero
Ia a esperança minando,
Com o aguilhão da miséria
O pobre velho açoitando.
Ele, então, olhou o Empíreo
E assim foi suplicando:

- Oh, Deus, Pai da humanidade,
Olhai este penitente
A quem a Sorte mesquinha
Mostra-se indiferente!
Enviai um lenitivo
Para meu tormento, urgente!

Pois minha família sofre,
Tendo a fome por algoz!
Senhor, daí da amplidão,
Compadecei-vos de nós!
Quando ele disse aquilo,
No rio, ouviu-se uma voz.

A voz surgida do rio
Disse ao pescador assim:
- Os teus dias de tormento
Já stão chegando ao fim,
Porém teu filho mais velho
Tu deves trazer pra mim.

Portanto, bom pescador
Joga a tarrafa ligeiro,
Pois em troca do teu filho
Dar-te-ei peixe e dinheiro.
O velho então concordou,
No auge do desespero.

Jogou a tarrafa na água
E ela voltou lotada
De peixes os mais diversos
De água doce e salgada;
E dinheiro pra tornar
Qualquer família abastada.

Com a carga abençoada,
O velho seguiu com pressa,
Dizendo: - Um tempo de paz
E bonança hoje começa...
E, até chegar a casa,
Não se lembrou da promessa.

A sua família, então,
Quase morre de alegria,
Sempre acostumada a vê-lo
Voltar de rede vazia.
Foi preparado um banquete,
Digno duma monarquia!

(...)

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