quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Ode a um menestrel


A Elomar Figueira Mello, meu conterrâneo de Sudoeste baiano, o reino mítico do Sertão, com cercas de quiabentos e serras encantadas, dedico esta estrofe em martelo:

A grandeza ancestral de Elomar
Das barrancas do Rio Gavião
Mostra a voz do matuto do sertão
Através da cultura popular.
Esta voz muito tem a ensinar
A letrados de bom vocabulário;
Ela vem evolvida em relicário,
Evocando, em sonho, o Medievo.
Com certeza, é um canto bem longevo,
Envolvido na luz do imaginário.

Marco Haurélio

Os Três Conselhos Sagrados



Em 2005, me enfronhei pelo sertão da Bahia com o fito de recolher e anotar manifestações da oralidade, em especial o conto popular. Tive a sorte de conhecer, na cidade de Brumado, D. Maria Rosa Froes, de 89 anos, grande contadora de histórias. Foi a partir da versão narrada por ela que criei o presente romance. A atmosfera mística é minha maior contribuição ao enredo original. Ambientei a história em Bom Jesus dos Meira (antigo nome de Brumado) em homenagem à narradora. A primeira edição saiu com o selo da Fundação Cultural do Estado da Bahia (FUNCEB), que, até 2006, realizava um concurso de cordel de âmbito nacional. Os Três Conselhos Sagrados, inscrito no concurso, ficou em segundo lugar. A edição seguinte, com capa do poeta Arievaldo Viana, foi publicada pela Luzeiro.

No livro Contos e Fábulas do Nossa Folclore, que sairá em breve com o selo da Nova Alexandria, no qual reproduzo o conto em prosa, há uma pequena nota reveladora da origem e da área de difusão da história:

"De indiscutível origem oriental, Os Três Conselhos Sagrados é o mesmo conto que Sílvio Romero coligiu em Sergipe. O nosso exemplar assumiu ares de história real ao ser deslocado para o contexto da migração nordestina para o centro-sul, em especial, São Paulo. O conto em questão rompe em parte com a tradição fatalista, pois condiciona a felicidade ou o infortúnio às escolhas do protagonista. Com rara felicidade, Manoel D’Almeida Filho recriou em um romance de cordel, Os Três Conselhos da Sorte, a primeira parte do conto. O longo percurso feito a pé, da Bahia a São Paulo, pelo protagonista, resume a trajetória de muitos sampauleiros, como eram chamados, no alto sertão, os paus de arara. Teófilo Braga divulgou uma versão colhida no Porto. Gonçalo Fernandes Trancoso deu a lume Os três conselhos, de 1575, na obra basilar Histórias de Proveito e Exemplo. Na Sicília, Pitré anotou I Tri Rigordi nas Fiabe Novelle e raccontti popolari Siciliani. A história é encontrável, ainda, nas Gesta romanorum, no Conde Lucanor, de D. Juan Manoel, e no Patrañuelo (1566), de Timoneda.

Trecho do cordel:

No teatro da existência
Os dramas são encenados
E nós somos os autores
Dos palcos mais variados,
Como na pungente história
Dos Três Conselhos Sagrados.

Descreverei neste enredo
O drama de um retirante
Que deixou sua família
Devido à seca incessante,
Indo procurar recurso
Em uma terra distante.

Esta história aconteceu
Num tempo bem recuado,
Quando o Nordeste se achou
Pela seca maltratado,
O que forçou as pessoas
A migrar para outro estado.

Foi em Bom Jesus dos Meira,
No interior da Bahia,
Que o senhor Sebastião
Com sua esposa vivia –
A sua sobrevivência
Ele na roça colhia.

Mas aquele foi um ano
De um verão escabroso,
O Norte foi atingido
Por um calor horroroso,
E a Morte correu a terra,
Num furor impiedoso.

Justamente neste ano
De sofrimento e agonia,
Naquela pobre choupana
Um inocente nascia,
O primeiro do casal
Sebastião e Maria.

Eles, casados de pouco,
Vendo o amor coroado,
Ficaram muito felizes
Pelo filho ter chegado,
Mas Tião falou: - Agora
Devo trabalhar dobrado.

Neste ano plantou milho
Mandioca, andu, feijão,
Plantou arroz na baixada,
Esperando a produção,
Mas o Céu não mandou chuva –-
Perdeu toda plantação.

Do pouco gado que tinha
Não ficou viva uma rês,
Os bodes, qu’eram mais fortes,
Foram até o fim do mês,
Bastião, desesperado,
Quase perde a lucidez.

Tendo perdido a lavoura
E morrido a criação,
Ele chamou a mulher
E lhe disse: - Coração,
Vou-me embora pra São Paulo
Procurar colocação.

A mulher, toda chorosa,
Disse: - Meu bem, inda é cedo.
Você indo pra São Paulo,
Irá viver no degredo.
Lembre-se que nem levamos
À pia o nosso Alfredo.

Ele disse: - Minha prenda,
Nossa vida é uma estrada
E o Destino nos obriga
A fazer a caminhada –
No final, a recompensa
Aos que lutam é ofertada.

Mesmo aquele que não luta
Nunca arranjará recurso
E nós somos andarilhos
De um incerto percurso
E o rio chamado VIDA
Nunca interrompe seu curso.

A mulher inda lhe disse:
- Mas e se algum empecilho
Surgir nesta caminhada,
Obstruindo seu trilho,
Me deixando em viuvez
E na orfandade seu filho?

Porém nada o demoveu
E o homem se preparou,
Com uns trapos numa trouxa
No outro dia viajou.
Com o coração partido,
Sequer para trás olhou.

Fez todo percurso a pé,
Parando pra descansar,
Por caminhos tortuosos,
Recomeçava a andar,
Consumindo muito tempo
Para ao destino chegar.

(...)
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