quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Conto de exemplo em cordel reúne os dois grandes pícaros dos contos luso-brasileiros




O Encontro de João Grilo com Pedro Malazarte sairá no início de 2012 pela Editora Nova Alexandria. Terá, ainda, uma versão em folheto com o selo da Tupynanquim. Com ilustrações de Klévisson Viana, a obra é inspirada no conto popular universal A Roupa Nova do Rei, que, além da versão literária de Hans Christian Andersen, aparece no Conde Lucanor, de D. Juan Manuel, publicado, na Espanha, em 1335. Câmara Cascudo apresenta, nos seus Contos Tradicionais do Brasil, uma versão bastante resumida. Em todos aos registros, uma constatação: a crítica à hipocrisia dos bajuladores dos donos do poder. No conto de Andersen, é uma criança o denunciante da patranha armada pelos alfaiates e endossada pela corte.  No conto espanhol, é um negro (mouro) quem põe a nu a velhacaria do séquito real.

A versão que fiz em cordel apresenta uma primeira parte ambientada no Nordeste, narra o encontro dos dois pícaros e a sua viagem em busca de outras terras onde pudessem achar um "pato" para depenar. Encontram o rei D. Fernando I, a própria vaidade encarnada. O conto, tradicional ou literário, A Roupa Nova Do Rei, consta, portanto, do rol das histórias de exemplo, e não pode ser arrolado entre os contos jocosos (ou humorísticos). Embora, aqui e ali, haja um elemento cômico, é o caráter exemplar que predomina na história.

Abaixo, um trecho do cordel:

As histórias de Cordel
São lidas em toda parte,
Umas falam de João Grilo,
Que fez da astúcia uma arte,
E por isso é comparado
Com o Pedro Malazarte.

As façanhas destes dois
Correm por todo o sertão
Em folhetos populares,
De grande circulação,
Pois é função do Cordel
Preservar a tradição.

João Grilo, considerado
O maior dos estradeiros,
Usou sua inteligência
Para enganar fazendeiros,
Comerciantes, gatunos,
Coronéis e cangaceiros.

Malazarte, nem se fala:
Era o rei das presepadas.
Suas historias ainda
São muito rememoradas;
Pelos poetas do povo
Foram imortalizadas.

O destino porém quis
Que estes dois espertalhões
Se encontrassem no Recife,
Em difíceis condições,
Pois não era próprio deles
Guardar suas provisões.

Malazarte aproximou-se
 Do colega com estilo:
— Meu distinto cavalheiro,
Você não é o João Grilo?
João respondeu: — Não, senhor.
O meu nome é Petronilo.

—Petronilo o quê, sujeito! —
Exclamou o Malazarte. —
Se você não for João Grilo,
Sou o soldado Ricarte!
Uma cabeça tão grande
Não se vê em toda parte.

João retrucou: — E você,
Eu desconfio que seja,
O famoso Malazarte,
Que nunca enjeitou peleja
E já foi muito cantado
Pela musa sertaneja.

Malazarte disse ao Grilo:
— É uma satisfação
Conhecer o amarelo
Mais famoso do sertão.
— O prazer é todo seu —
Respondeu, mangando, João.

Os dois, então, se abraçaram
E se tornaram amigos,
Pois, sozinhos, passariam
Por infindáveis perigos,
E, juntos, superariam
Os maiores inimigos.

Como os dois já eram muito
Conhecidos no Nordeste,
João convidou Malazarte,
Dizendo: — Cabra da peste,
Vou lhe fazer um convite,
Que na verdade é um teste.

Vamos para outro país
Onde a sorte nos ajude.
Desses que só aparecem
Em filmes de Hollywood.
Malazarte disse: — Vamos...
Aqui já fiz o que pude.

O navio os conduziu
Para um distante país.
João Grilo pensou: “Aqui
Na certa, serei feliz”.
Já Pedro disse: — Aqui vou
Fazer o que nunca fiz.

Assim que em terra pisaram,
Procuraram um barbeiro.
Este disse para os dois:
Vejo que vêm do estrangeiro.
E não sabem das manias
De D. Fernando Primeiro?

— Dom Fernando? Quem é esse? —
Perguntou João, curioso.
— É o nosso imperador,
Um sujeito presunçoso.
Não existe nesse mundo
Ser humano mais vaidoso.

— É mesmo? — perguntou Pedro,
Mostrando-se interessado.
O barbeiro respondeu,
De modo bem educado:
— Nosso rei acha que o mundo
Só para ele foi criado.

Vive se pavoneando,
Por todos é bajulado.
Sempre recebe elogios,
Por ninguém é criticado.
João Grilo falou: — Eu quero
Conhecer esse danado!

E, chamando Pedro à parte,
Disse com convicção:
— Vamos atrás desse rei
Aplicar-lhe uma lição.
Malazarte respondeu:
— Só se for agora, João!

(...)