sábado, 21 de maio de 2011

Clássico do Cordel em quadrinhos


Uma das obras-primas da literatura de cordel, Batalha de Oliveiros com Ferrabrás, de Leandro Gomes de Barros, ganhou uma versão em quadrinhos assinada por Klévisson Viana e Eduardo Oliveira. A boa nova veio do blog Acorda Cordel, de Arievaldo Viana. A HQ da dupla conquistou o prêmio Luiz Sá de Quadrinhos, promovido pela SECULT-CE.

Abaixo, reproduzo o texto da Apresentação, que tenho a honra de assinar:

A versão em quadrinhos do clássico cordel brasileiro,  A Batalha de Oliveiros com Ferrabrás, é especial por vários motivos. Primeiro porque une o talento do fundador da literatura de cordel no Brasil, Leandro Gomes de Barros, ao dos consagrados ilustradores Klévisson Viana, também poeta e editor, e Eduardo Azevedo. Segundo porque apresenta às novas gerações, em um formato mais do que atraente, um dos melhores textos poéticos daquele que, no cordel, foi cognominado o Primeiro sem Segundo. Os demais motivos estão explicitados nos próximos parágrafos.

Leandro Gomes de Barros, ao reescrever em versos episódios significativos da História de Carlos Magno e dos Doze pares de França, inaugurou, na poesia popular, o gênero épico. Composta em décimas de sete sílabas, A Batalha de Oliveiros com Ferrabrás e a continuação A Prisão de Oliveiros têm um ancestral remoto: a canção de gesta francesa do século XII, chamada Fierabras. Pertence, como a anterior Canção de Rolando, ao chamado Ciclo Carolíngio. Nela, pela primeira vez aparece Ferrabrás filho do emir Balan (o almirante Balão do romance leandrino), governante da Espanha muçulmana. Na Espanha, surgiu, com título ampliado, uma tradução de 1525: Historia del Emperador Carlomagno y de los Doce Pares de Francia: e de la  Cruda Batallha que Hubo Oliveiros con Ferrabrás, Rey de Alexandria, Hijo del Grande Almirante  Balán. A tradução portuguesa, levada a cabo por Jerônimo Moreira de Carvalho, a mesma que circularia pelos sertões do Brasil por mais de dois séculos, é de 1728.
A velha canção de gesta narra como, liderando as hordas da Turquia, Ferrabrás e seu pai saqueiam Roma e se apropriam de relíquias da Igreja de São Pedro: a coroa de espinhos de Cristo, os cravos e uma inscrição da Cruz, além do óleo usado para untar o corpo de Nosso Senhor. Este episódio aparece no folheto de Leandro, narrado por um dos guerreiros franceses, Ricarte da Normandia, com a ação deslocada para Jerusalém:
Aquele foi quem entrou
Dentro de Jerusalém.
Não respeitando ninguém,
Até apóstolos matou,
No templo sagrado achou
Bálsamo que Deus foi ungido,
Coisas que tinham servido
Na paixão do Redentor,
A coroa do Senhor,
Tudo ele tem conduzido.
Carlos Magno e seus paladinos dão combate aos invasores, mas não impedem a destruição da cidade. De volta à Península Ibérica Ferrabrás, gigante bravateador, desafia os paladinos franceses para um duelo singular. Diante da recusa destes, Carlos Magno se enfurece e ofende o maior dos heróis da França, seu  sobrinho Roldão. Oliveiros, companheiro de todas as horas de Roldão, mesmo ferido, apresenta-se para o combate. A princípio faz passar-se por Guarim, seu escudeiro, mas Ferrabrás, desconfiado, descobre tratar-se de um nobre e, durante a batalha, mais de uma vez, mostra-se cortês, de acordo com as leis da cavalaria. Notando o estado em que se encontrava o oponente, Ferrabrás oferece-lhe um bálsamo capaz de curar todas as feridas, mas Oliveiros, orgulhoso, recusa. Só aceita servir-se de bálsamo, quando o toma pela espada.
A Batalha na cultura popular

Nas cavalhadas, uma das mais belas manifestações da cultura popular brasileira, resta, diluída, a lembrança dos embates entre mouros (turcos) e cristãos. Em Serra do Ramalho, na Bahia, na véspera de São João, ocorre uma encenação a céu aberto, que reconta a saga do imperador cristão Carlos Magno em guerra com o almirante Balão. Esta modalidade é a cavalhada teatral, que mescla a encenação à demonstração de habilidades dos cavaleiros, lembrando as justas (torneios medievais). Em outras cidades do Brasil, a exemplo de Divinópolis, Goiás, a cavalhada é atração turística. Durante a encenação, os paladinos cristãos, trajados de azul, combatem os mouros, que vestem encarnado. Geralmente, o auto é encerrado com a conversão dos mouros ao Cristianismo.

O Sonho de Nossa Senhora - recolhido por Frei Chico

Frei Chico em foto de Celso de Moraes
Enviei, no mês de maio, ao grande estudioso do folclore mineiro, Frei Chico, um e-mail, saudando a publicação, anunciada para este ano, de um Dicionário de Religiosidade Popular. Em resposta, Frei Chico enviou-me o verbete do referido dicionário que traz a difundida oração. A recolha foi feita em Carinhanha, Bahia, município vizinho a Serra do Ramalho, onde residi por muito tempo e onde meus pais vivem até hoje.

Caríssimo Marco, paz e bem!

O interior da Bahia e o Vale do Jequitinhonha têm muito em comum na religiosidade popular. A oração do Sonho de Nossa Senhora veio de Portugal.

Mando-lhe um verbete do meu Dicionário da Religiosidade Popular que deve ser publicado ainda este ano. Há nele também inúmeras citações de poetas de cordel.

É muito importante que a religiosidade popular seja conhecida e respeitada nas igrejas.

Vai aqui um forte abraço, Vamos em frente, a hora é oportuna, é preciso mostrar a cultura e a cara do povo.

Abraço de frei Chico, franciscano.

SONHO DE NOSSA SENHORA

Oração popular, na qual Maria conversa com Jesus sobre seu sofrimento. O sonho de Nossa Senhora é rezado para vencer o medo ou por devoção. Têm diferentes versões. Em Carinhanha (BA), por exemplo:

"Mãe minha, o que está fazendo? Está dormindo ou está acordada? Acordada estava, estava considerando como tu foi cravado na cruz, a cabeça coroada de espinhos, a boca atormentada com fel e vinagre, os pés cravados com cravos aligados. Sim, minha Senhora, tudo isto é verdade. Quem esta oração rezar duas vezes no dia: da má morte não morrerá e no inferno não entrará."

(Inf.: Rufino de Brito, abril de 1983)

Da mesma região, há outra que termina assim:

"Quem esta oração souber
e rezar duas vezes ao dia
de manhã e de noite
da má morte não morrerá,
morrerá em sua cama ungido
sacramentado e confessado.
Antes da morte, nove dias,
virá Nossa Senhora dizendo:
Filho, confessa seus pecados
que tem pra confessar
sou a Virgem Nossa Senhora
que vim pra ti buscar
para o paraíso da glória. Amém."

No folheto "Sonho de Nossa Senhora e a Pedra Cristalina", o poeta José Costa Leite fez uma versão rimada:

"Quem quiser aprender o sonho
da Virgem Nossa Senhora
se encoste a seu bento manto
de Salomão, sem demora
onde Jesus se encostou
e suspirou que acordou
o anjo Gabriel na hora.

A Virgem disse: em meu sonho
eu vi a lua gemer
e vi o sol suspirar
estrelas no Céu correr
o tempo ficar nublado
o passaredo calado
e o oceano ferver.

Vi o meu Filho Jesus
de corda tão enquerido
e coroado de espinhos
sendo espancado e ferido
levando a cruz nas ladeiras
do Horto das Oliveiras
quase morto, esbaforido.

Jesus disse: minha mãe,
um sonho tão lindo assim
são as vontades de Deus
eu não posso achar ruim
meu Pai mandou me avisar
que ninguém poderá chegar
ao Pai senão por Mim.

Quem este sonho souber
e não ensiná-lo será
castigado vários dias
e dobradas penas terá
quem ouvir e não aprender
sua alma irá sofrer
e muito se arrependerá.

Eu ofereço este sonho
ao Senhor daquela cruz
que nos livre do inferno
para sempre, amém, Jesus.
Só Jesus nos salvará
e nos iluminará
com sua divina luz.

O Sonho de Nossa Senhora
aquele que ouvir ler
e aprender direitinho
muito feliz há de ser.
Mas aquele que zombar
amaldiçoado será
durante enquanto viver."


Frei Chico, nascido na Holanda e batizado Francisco van der Poel, é frade franciscano. Mora no Brasil desde 1967. Trabalhou no Vale do Jequitinhonha(MG) durante dez anos. Fiquei também 16 anos na Colônia de Santa Isabel, em Betim (MG). Hoje vive em Ribeirão das Neves, no mesmo estado.

Para saber mais, visite o site Religiosidade Popular.