segunda-feira, 20 de junho de 2011

Trecho do cordel A Idade do Diabo

Xilo da capa: Nireuda

A Idade do Diabo é a versão em cordel de um conto popular do ciclo do ogre (ou demônio) estúpido, segundo o catálogo internacional ATU. Foi escrito em 2005 e inaugurou um novo ciclo na Editora Luzeiro, que passou a publicar, também, folhetos no formato tradicional do Nordeste (11X15cm). A nota abaixo foi extraída do livro Contos e fábulas do Brasil, no qual reproduzo a versão em prosa, recolhida em Igaporã, Bahia.

Com muitas reviravoltas e a prevalência da esperteza feminina, A Idade do Diabo lembra o motivo da ajuda sobrenatural condicionada. Uma diferença: não é o nome do ajudante (como no conto de Grimm, Rumpelstilzkin, AT500) que deve ser adivinhado, mas a sua idade, o que livrará o protagonista do castigo. É vasto na literatura de cordel o ciclo de histórias em que o Diabo figura como oponente derrotado pela malícia feminina.

O texto de abertura apresenta ao leitor o protagonista Antônio e sua malfadada ideia:

Neste mundo de meu Deus
Que ninguém se fie por brabo,
Pois pode topar um dia
Frente a frente com o Diabo,
E pode descobrir
Onde a porca torce o rabo.

Num distante lugarejo,
No estado da Bahia,
cerca de oitenta anos,
Um pobre homem vivia
Com uma velha criada,
Lhe fazendo companhia.

nome dele era Antônio,
O da criada era Ana,
Num povoado distante
Tinha ele uma choupana,
vivia com a velha,
Cumprindo a sina tirana.

Por viver na penúria,
Ele ficou desgostoso
E disse: — Se nesta casa
Aparecesse o Tinhoso
Para comprar minha alma,
Tudo seria gozo!

Mal acabou de falar,
À sua porta bateu
Um estranho cavalheiro
Quando Antônio o atendeu
Sentiu um forte arrepio,
Todo o corpo estremeceu.

O tal sujeito trajava
A veste da escuridão,
Na boca tinha um charuto
E uma bengala na mão
Do corpo todo exalava
O cheiro da maldição.

estou às suas ordens,
Disse o sujeito a Antônio.
Este logo percebeu
Que aquele feio quelônio,
Fedendo a chifre queimado,
Devia ser o demônio.

Tornou falar o capeta:
— Vim aqui lhe ofertar
Riqueza para o senhor
Não ter mais que trabalhar
Mas daqui a cinco anos
Sua alma venho buscar.

Refazendo-se do susto,
Antônio disse: — Rapaz,
Aceito a sua proposta,
Porque pra mim tanto faz
Ir pro céu ou pro inferno,
Porque nunca tive paz.

O Diabo então furou
O braço do desgraçado
E o sangue que escorreu
Ele aparou com cuidado
Disse: — Negócio comigo
É no contrato assinado.

Embebeu no sangue a pena,
Deu para Antônio assinar
E disse: — Fique tranqüilo,
Sua vida vai mudar,
Mas daqui a cinco anos,
A conta venho cobrar.

Dizendo isto, foi embora,
Montado num alazão,
Que saiu em disparada,
Fazendo tremer o chão,
Dentro duma labareda
Antônio disse: — É o cão!...

Então a sorte do cabra
Mudou da noite pro dia:
Quanto mais ele gastava
Mais dinheiro aparecia;
Disse: — Adeus tempo ruim!
Agora é mordomia.

Quem foi pobre como Jó,
passando privação,
Agora era bem mais rico
Do que o rei Salomão!
Perto dele o Tio Patinhas
É um reles pobretão.

Pra quem vivia no angu,
Era de se admirar,
Pois sua comida agora
Era um tal de caviar,
Que mandava vir de longe
Para se vangloriar.

Tinha  fazendas e fábricas
No Brasil e no estrangeiro,
E costumava acender
O charuto com dinheiro,
Se esquecendo do trato
Que fez com o catimbozeiro.

Os anos foram passando
Sem Antônio se lembrar
Que quem lhe deu a riqueza
Havia de retornar
E os seus dias de glória
Teriam de terminar.

Um dia, estava deitado
Alguém na porta bateu.
Ele perguntou quem era.
De fora, a voz respondeu:
Não se lembra mais de mim?
Sou seu amigo Asmodeu.

Naquele momento, Antônio
Foi perdendo a esperança,
Pois os fatos do passado
Voltaram à sua lembrança
E disse consigo mesmo:
Agora é que vem lambança!”

Quando ele abriu a porta,
O excomungado entrou
Dizendo: — Amigo, prepare-se,
A sua hora chegou! ...
Antônio, ao ouvir aquilo,
Logo se desesperou.

(...)

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***
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Marteladas de Nando Poeta

MANISFESTO DO CORDEL
NOS DEZ PÉS DO CAVALO PAULISTANO

Quem plantou a semente do cordel?
Na cidade que acolhe todo mundo
Em São Paulo de um coração profundo
Que abrigou o poeta menestrel
Num recanto que tem sabor de mel
Floresceu a poesia ano a ano
Que edifica o viver do ser humano
Com a coragem e o vigor do retirante
Fez os versos brotarem num instante
Nos dez pés do cavalo paulistano.

É a grande cidade nordestina
Que abraçou a cultura do migrante
E com ela ficou irradiante
Descobriu que o poeta era uma mina
Uma fonte de água cristalina
Que seus versos envenenam o tirano
E alimentam seu povo soberano
Escrevendo a história em poesia
De conflito, de amor e harmonia
Nos dez pés do cavalo paulistano.

Nessa terra o poeta cordelista
Propagou sua arte em todo canto
De alegria, de luta e de pranto
No folheto a poesia romancista
Numa critica segura sempre a vista
Entoou na defesa de um plano
Dos humildes, que vive no engano
De um povo sofrido é o porta-voz
Dos que lutam pra derrotar algoz
Nos dez pés do cavalo paulistano.

O planeta aqui se concentrando
Em diversidade de culturas
Fazendo elevar-se nas alturas
Onde um mundo que foi se edificando
E a riqueza de um povo germinando
Seja Árabe, Espanhol e italiano
Japoneses, o chinês e o africano
Nessa Sampa que é comospolita
A nação nordestina vem na lista
Nos dez pés do cavalo paulistano.

O cordel no sudeste brasileiro
Sempre teve uma forte seleção
É São Paulo seu grande matulão
Do Antonio Teodoro, o garimpeiro
Do Amaro Quaresma, o folheteiro
E de Franklim Maxado, o baiano
Jotabarros que é pernambucano
Manuel de Almeida, o editor
Na Luzeiro o cordel é fina flor
Nos dez pés do cavalo paulistano.

Esse grande elenco fez a trilha
Espalhou na cidade a semente
Se plantou o cordel em cada mente
Que a estrela até hoje sempre brilha
Construindo mais essa maravilha
E no mundo literário é um vulcano
Tem a força bravia do oceano
O cordel faz em Sampa o movimento
Que propaga ligeiro como o vento
Nos dez pés do cavalo paulistano.

São Paulo hoje em dia é a arena
De uma turma que leva o cordel
Sem fronteira e da arte é fiel
Que entrou nesse mundo abrindo a cena
Florescendo de forma tão serena
De uma muda do chão paraibano
Hoje voa bem alto ganha, plano
E na casa da Semana da Arte
O cordel já é forte baluarte
Nos dez pés do cavalo paulistano.

Na cidade o poeta peregrina
Declamando as histórias de seu povo
Transformando o antigo em algo novo
Levantando esse mundo da ruína
Nos seus versos habita a proteína
Caravana do Cordel nesse mundano
É movimento que tem grande tutano
E em São Paulo esse time acende a chama
E o amante da arte nele aclama
Nos dez pés do cavalo paulistano.