quinta-feira, 21 de junho de 2012

O outro lado da História

Em dez pés de martelo alagoano

Zumbi. Óleo de Antônio Parreiras























Inda guardo no arquivo da memória
O engodo dos livros escolares 
Que do herói imbatível de Palmares 
Defraudou a grandeza meritória, 
Vou mostrar o outro lado da história 
Com o brado de um povo soberano, 
Que jamais se curvou a tal engano, 
Semeado na classe dominante. 
O meu verso é navalha bem cortante 
Nos dez pés de martelo alagoano. 
 

Me recordo do príncipe altaneiro 
Dando o grito da tal independência, 
Que depois virou uma indecência, 
Alugando o Brasil ao estrangeiro. 
No meu livro, vi D. Pedro primeiro 
Retratado num gesto sobre-humano, 
Pra depois converter-se num tirano, 
Assassino cruel, escravocrata 
Defensor do castigo e da chibata 
Nos dez pés de martelo alagoano. 
 

No meu livro escolar não encontrei 
Nada acerca de Antônio Conselheiro,            
Que bradou contra o jugo traiçoeiro, 
Embutido na vil letra da Lei – 
Esperando o retorno do seu rei 
Pra pôr fim ao sofrimento humano, 
Bastião, o guerreiro lusitano, 
Da estirpe de Aquiles e Roldão, 
Transformai este mar em um sertão 
Nos dez pés de martelo alagoano. 
 

Enfrentando o raio e a procela, 
Desbravando o mar desconhecido, 
Transportando um povo embrutecido, 
Vai surgindo bonita caravela, 
Com a morte sinistra, dentro dela, 
Atracou neste solo Americano, 
Invadido por um tropel insano, 
Que irão se chamar descobridores, 
Urubus imitando beija-flores 
Nos dez pés de martelo alagoano. 
 

No meu livro, eu vi em outra parte 
Os valentes e fortes bandeirantes, 
Corajosos e bravos viajantes, 
Descendentes do deus romano Marte - 
Mas agora eu digo com minha arte: 
A mentira causou enorme dano; 
Foram eles um grupo desumano; 
De ladrões, covardes, homicidas. 
Eu os chamo “bandidos, genocidas” 
Nos dez pés de martelo alagoano. 
 

Admiro Castro Alves, o poeta 
Que lutou contra a vil escravidão, 
Tiradentes, emblema da nação, 
Que morreu sem trair a sua meta, 
Conselheiro, pra nós, é um profeta 
Expressando seu verbo soberano, 
Chico Mendes, o grande ser humano, 
Defensor da floresta e da vida. 
Peço a Deus que a todos dê guarida 
Nos dez pés de martelo alagoano.
(Musicado pelo poeta e intérprete João Gomes de Sá)
Nota: Gênero tradicional da cantoria de viola, aproveitado excepcionalmente pela literatura de cordel, o martelo alagoano tem esquema de rima A B B A A C C D D C. Na música popular, foi reaproveitado pelo cantor e compositor pernambucano Alceu valença. A faixa "Martelo alagoano", que faz parte do antológico álbum Cavalo de pau, traz estrofes como a abaixo reproduzida, que homenageia os grandes nomes da cantoria de viola do Nordeste:

Da cidade de Campina e do Monteiro
De Passira Panelas e Ingazeira
São José do Egito Capoeira
é viola é ganzá e é pandeiro
Salve Dimas e Pinto do Monteiro
Lourival trocadilho sobre-humano
Vitorino o teu verso tem bom plano
Oliveira Castanha e Beija-Flor
e Mocinha de Passira é um condor
nos dez pés de martelo alagoano.