sexta-feira, 15 de março de 2013

Das Mil e Uma Noites para o Cordel



Saiu, com o selo da Editora Giramundo, mais uma contribuição deste aprendiz de bardo: A História dos Dois Homens que Sonharam, com ilustrações de Bira Dantas.

Trecho inicial:

Peguei caneta e papel
E as Musas me visitaram.
Mesmo sem eu lhes pedir,
No meu ouvido sopraram
A maravilhosa História
Dos dois homens que sonharam.

Meu estro então viajou
Para as terras do Oriente,
Visitou duas nações
Seguidoras do Crescente, 
E das Mil e uma noites
Eu narro um drama pungente.

Mohamed era um bom homem,
Possuidor de riqueza,
Mas, mesmo assim, jamais foi
De perversa natureza.
Por só fazer caridade,
Conheceu cedo a pobreza.

Na bela Cairo, no Egito,
Este honesto mercador
Herdou uma casa que era
Um verdadeiro primor,
O único bem que restara,
Segundo o historiador.

No fundo havia um jardim
Com um relógio de sol.
Adiante uma figueira,
Onde, após o arrebol,
Vinha cantar, prazenteiro,
O maestro Rouxinol.

E, mais à frente, uma fonte
De remota antiguidade,
Porque diziam que era
Bem mais velha que a cidade.
E agora fazia parte
De sua propriedade.

Mohamed, apesar de tudo,
Não se queixava da sorte,
Dizia: — A vida é difícil,
Mas é melhor do que a morte!
E logo arranjou trabalho
Por ser inda moço e forte.

Todo serviço braçal
Fazia sem reclamar,
Acreditando que a vida
Poderia melhorar
E que a boa sorte iria
Sua casa visitar.

E uma noite, bem cansado
De seu labor enfadonho,
Deitou-se sob a figueira,
Com o semblante tristonho.
Logo o sono o envolveu
E, com ele, veio um sonho.

(...)

A História dos dois homens que sonharam integra um dos grandes monumentos literários da humanidade: o livro das Mil e uma noites. As fontes mais remotas para esta obra-prima, da qual existe um manuscrito no século IX, podem ser rastreadas no folclore indiano, árabe, egípcio e persa. A coletânea abrange contos, lendas, anedotas, apólogos, romances de viagem, sempre envolvidos por uma atmosfera mágica. Massudi, um historiador do século XI, afirma que o manuscrito era uma tradução de um original persa, Hezar Afsaneh, que significa Mil histórias. As versões mais modernas são baseadas no que se convencionou chamar de ramo sírio, surgido entre os séculos XIII e XIV. Foi com base em um manuscrito em três volumes, proveniente da Síria, que o orientalista Antoine Galland traduziu para o francês o livro das Mil e uma noites, entre 1704 e 1717. 

(...)

Como nem todas as traduções das Mil e uma noites trazem este conto, li-o pela primeira vez numa antologia organizada pelo grande escritor argentino Jorge Luis Borges (1899-1986), o Livro dos sonhos, onde estão compilados textos de diferentes autores, povos e épocas. A história gira em torno de um sonho sobre um tesouro localizado em uma terra distante. O homem que sonhou faz uma peregrinação em busca da tal terra e, lá, encontra outro homem que teve um sonho semelhante. Em 2010, publiquei no livro Contos folclóricos brasileiros, no qual reuni histórias da tradição oral baiana, uma versão recolhida em Canindé, Ceará, pelo cordelista Arievaldo Viana, chamada O tesouro do matuto. Era, ambientado no Nordeste, o mesmo conto que Borges reproduzira e que, segundo o pesquisador português Paulo Correia, remonta ao século XIII, na Pérsia, país que, como vimos, forneceu o modelo para o livro das Mil e uma noites. O conto original, ampliado pelo escritor Paulo Coelho, inspirou o romance O alquimista. É classificado pelos estudiosos do conto de tradição oral como “O tesouro ao pé da porta”.