quinta-feira, 25 de abril de 2013

Cordel no Memorial


O Memorial da América Latina conta, desde o dia 13 de abril, com uma banca de folhetos sob a responsabilidade dos cordelistas João Gomes de Sá e Varneci Nascimento. A iniciativa visa facilitar o acesso de alunos, professores e leitores ao cordel e faz parte da nova política do Memorial, que premia, assim, a diversidade cultural. Todos os sábados e domingos, a dupla estará expondo cordéis de autores clássicos e contemporâneos, além de livros e xilogravuras (assinadas por João Gomes de Sá).

Um canto que lava a alma


Postei, há algum tempo no Facebook, o texto abaixo com um trecho de um bendito cantado por D. Jesuína Pereira Magalhães, de Igaporã, Bahia, nascida em 1915.


Estava Senhora
Na beira do rio
Lavando os paninhos
Do seu bento filho.

Maria lavava,
José estendia,
O menino chorava
Do fri que sentia.

As duas quadras fazem parte de um conto que a informante chamou 'O Menino Governador do Mundo' e se insere no conjunto de narrativas apócrifas enfocando a fuga da sagrada família para o Egito. Obviamente, o interlúdio poético é uma contaminação do texto em prosa, que lhe serve de moldura.



Meu amigo José Joaquim Dias Marques, do Centro de Estudos Ataíde Oliveira (CEAO), da Universidade do Algarve, Faro, Portugal, generosamente, enviou-me a versão abaixo, que compartilho com os leitores deste espaço:


"Marco Haurélio, aqui fica uma versão portuguesa inédita dessa oração, bastante mais comprida do que as nossas versões habituais (que costumam ser curtas como a versão da Bahia que tu gravaste e ter, no máximo, três quadras).

Segundo explicou a informante, este texto era cantado durante a recitação do terço, provavelmente numa das pausas que marcam a separação entre os vários mistérios. Esta versão tem de especialmente interessante as séries de quadras paralelísticas. Foi recolhida por uma aluna minha.

Está Nossa Senhora
À beira do rio
Lavando os paninhos
Do seu bendito filho.

A Virgem lavava,
S. José estendia
E o menino chorava
Do frio que fazia.

Calai, meu menino,
Calai, meu amor,
Que essas tuas chagas
Me partem com dor.

Os filhos dos homens
Em bons travesseiros;
Meu Deus, meu menino
Em cama de madeiros!

Os filhos dos homens
Em berço dourado;
Meu Deus, meu menino,
Em palhas deitado!

Olhais para o céu,
Verás estar Maria,
Cercada de anjos,
Com tanta alegria.

Olhais para o céu,
Verás estar José,
Cercado de anjos,
E Maria ao pé.

Olhais para o céu,
Verás uma cruz,
Cercada de rosas,
E o Menino Jesus.

Informante: Cesaltina Peleja, 71 anos, natural de Clarines, concelho de Alcoutim, distrito de Faro.
Recolha de Cristina Martins, aluna da Universidade do Algarve, em 18/12/2004."




Acima, a cantora e compositora paraibana Socorro Lira, uma das mais belas vozes da música brasileira, interpreta o bendito, que é  também acalanto, Senhora Santana, gravado no álbum Intersecção: a Linha e o Ponto, que repete alguns versos das versões acima reproduzidas.

Senhora Santana 
Ao redor do mundo, 
Aonde ela passava, 
deixava uma fonte 

Quando os anjos passam, 
Bebem água dela. 
Oh que água tão doce, 
Oh Senhora tão bela! 

Encontrei Maria 
Na beira do rio 
Lavando os paninhos 
Do seu bento filho. 

Maria lavava, 
José estendia. 
O menino chorava 
Do fri que sentia 

Os filhos dos homens 
Em berço dourado, 
E tu, meu menino, 
em palhas deitado. 

Calai, meu menino, 
Calai, meu amor, 
Que a faca que corta 
Não dá tai sem dor.