sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

Cordel canta Dorival Caymmi


Graças a Juliana Gobbe, poeta, ativista e agitadora cultural, o centenário de Caymmi não passou em branco no meio cordelístico. Cinco autores de cordel foram convidados para participar de um projeto que, entre outras coisas, incluí a criação de um livro digital sobre o cantor e compositor baiano, nascido em 1914. O livro, lançado em um evento em homenagem ao músico, ocorrido em Atibaia (SP), no dia 12 de dezembro, foi apresentado pelo celebrado escritor e jornalista Audálio Dantas, idealizador da memorável exposição 100 Anos de Cordel, de 2001.

Abaixo, alguns trechos do livro que contou com projeto gráfico de Daniel Caribé. A versão completa pode ser acessada AQUI.

Acontece que eu (também) sou baiano
Autor: Marco Haurélio

Eu, que nasci na Bahia,
Não sei de onde você é,
Mas o que sei é que sou
Devoto de São José,
E no mês de março sempre
Mostro ao mundo minha fé.

Mas a minha devoção
Em mais de uma crença está,
Pois, a dois de fevereiro,
Preparo meu samburá
E me mostro agradecido
À rainha Iemanjá.

E quando a minha jangada
Ia bem longe do cais,
Deixava meu bem-querer,
Entre lamentos e ais,
Pois quem vai para o alto mar
Pode até não voltar mais.

O fato é que eu retornava,
Pois era essa minha sina,
Mas muitos por lá ficaram,
Sem ver mais Amaralina,
E terminaram no leito
Verde-azul de Janaína.

Já fui à Maracangalha,
Com Anália e até sem ela,
Trajando uniforme branco
Com uma flor na lapela,
Porém sempre retornava
Aos braços da minha bela.

(...)

Assim nasceu João Valentão
Autor: João Gomes de Sá

Diziam as boas línguas
Que ele era homem um decente,
Trabalhador responsável,
Até muito paciente.
Conhecido na Ribeira
Por jogar bem capoeira
Junto com a sua gente.

Seu trabalho era nas docas,
Carregando caminhão,
Com fardos de mercadorias:
— Café, cacau e feijão.
No dia a dia, na lida,
Andava feliz da vida
Com sua profissão.

Desde cedo, inda menino,
Aprendera a dedilhar
Um violão que ganhou
Do seu avô Ribamar.
E nos finais de semana
Entornava sua “cana”
E desabava a cantar.

E daí foi só um pulo,
Tornou-se compositor;
Compôs verso e fez canção —
Era um boêmio-cantor.
Foi nos botecos do porto
Que descobriu seu conforto,
O seu verdadeiro amor.

(...)

Dorival Caymmi, eterno ‘Canoeiro’
Autor: Moreira de Acopiara

No meu tempo de menino
O meu prazer era tanto!...
Mamãe me contava histórias
De pescaria e de espanto,
Mas na hora de dormir
Sempre tinha um acalanto.

Eram muitas as canções
Que ela sabia cantar:
‘Marina’, ‘Maracangalha’,
‘É doce morrer no mar’,
‘Meu eu’, ‘Boi da cara preta’
E outras canções de ninar.

‘Saudade de Itapoã’
Ela cantava também,
Assim como ‘Anjo da noite’,
‘O que é que a baiana tem?’,
‘O vento’, ‘Só louco’... ‘O mar’
Ela interpretava bem.

E ainda cantarolava
‘Suíte dos pescadores’.
Cantando assim, minha mãe
Aplacava minhas dores.
Com ‘Samba da minha terra’
Me mostrava novas cores.

Tudo isso ela cantava
Do modo mais natural.
Gostava de outras canções,
Mas nutria especial
Paixão pelas melodias
Do baiano Dorival.

(...)

Vatapá na MPB
Autor: Pedro Monteiro

Sobre Dorival Caymmi
Em versos quero narrar
A sua chegada ao mundo
Feito canção de ninar.
Como uma dádiva de amor,
A bela São Salvador
Viu esse filho chegar.

A Divina Providência,
Nessa expressão de alegria,
Harmonizando a cantata,
Composta com maestria,
Consultou o calendário
E o pôs num lindo cenário
Na capital da Bahia.

A música na sua vida,
Adensada ano a ano,
Das cordas de um bandolim,
Aos teclados de um piano,
Do violão, baluarte,
Abraçado pela arte
No seio cotidiano.

Ouvindo muitas cantigas
E contos que vêm do povo,
Num desenrolar de curvas,
Em busca de um tempo novo,
Ele deixou Salvador,
Era um jovem sonhador
Quebrando a casca do ovo!

Pegou o Ita no Norte
E foi pra o Rio morar.
Buscando espaço no rádio,
Aprimorou o seu cantar;
Vencendo muitas barreiras,
Com suas canções praieiras,
Fazendo louvor ao mar!

(...)

365 igrejas
Autor: Arievaldo Vianna

Todo baiano é devoto
Reza o dito popular
Num sagrado sincretismo
Aonde pode juntar
Santos da Igreja Cristã
Com Oxum, Ogum, Nanã
Para os reverenciar.

E desse modo, a rezar
Dos mais distantes recantos
Vai compondo as orações
Seus louvores e seus cantos
Repletos de poesia
Pois afinal, a Bahia
Adora todos os santos.

Mestre Dorival Caymmi         
Notável compositor
Cantou a faina praieira
E os encantos do amor
Nessas canções e pelejas
Falou também das Igrejas
Que existem em São Salvador.

São trezentos e sessenta
E cinco, que alegria,
As igrejas que existem
No Estado da Bahia
Tem igreja em todo canto
Uma para cada santo
E um santo pra cada dia.

(...)

Cordel é tema de exposição na Casa de Rui Barbosa

LiteraturaCordel

Divulgação

Está em cartaz no Museu Casa de Rui Barbosa até 1º de fevereiro a exposição "Folhetos de cordel portugueses: coleção Arnaldo Saraiva". Com origem na literatura popular ibérica, mais especificamente lusitana, o cordel brasileiro sempre inspirou manifestações eruditas da cultura brasileira, na literatura, no cinema, nas artes plásticas.
 
A exposição da Fundação Casa de Rui Barbosa, entidade vinculada ao Ministério da Cultura, apresenta a continuidade secular que liga o folheto de cordel português ao nordestino. A mostra permite observar,  no cordel do Nordeste brasileiro, a manutenção, por períodos de tempo muito vastos, de ciclos temáticos, bem como o compartilhamento, no aspecto plástico dos folhetos, da arte da xilogravura e das artes tipográficas entre Portugal e Brasil – bem como da litografia, da fotogravura, chegando mesmo, nos dois lados do Atlântico, a uma idêntica reprodução de stills de filmes norte-americanos. Isso fica ainda mais claro na exibição de mais de uma centena de folhetos, que cobrem mais de três séculos e meio da literatura de cordel em Portugal.
 
O material exposto pertence ao professor Arnaldo Saraiva, catedrático de Literatura da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, crítico, poeta, tradutor, sócio-correspondente da Academia Brasileira de Letras e um dos maiores conhecedores e divulgadores da cultura brasileira em Portugal e outros países. Saraiva reuniu a mais vasta coleção particular que se conhece de folhetos de cordel portugueses, com exemplares impressos desde primórdios do século XVII até a extinção dessa forma de expressão em Portugal, na segunda metade do século XX, muitos deles exemplares únicos. Sua coleção de folhetos brasileiros, por sua vez, reúne igualmente milhares de exemplares. 
 
A Casa de Rui Barbosa, centro dos estudos de literatura popular oral e impressa – com grande destaque para os folhetos de cordel – dá nova oportunidade a brasileiros e visitantes no país de conhecer a mostra já exibida, com grande sucesso, na Biblioteca Municipal Almeida Garrett, no Porto, em Portugal, em 2006; no Museu de Arte Popular do Recife, em 2011; e na Biblioteca Nacional de Portugal, em Lisboa, em 2013.
 

Serviço

De 11 de dezembro de 2014 a 1º de fevereiro de 2015
Museu Casa de Rui Barbosa
Horário de funcionamento:
Visitação de terça a sexta-feira,10h às 18h.
Sábados, domingos e feriados, 14h às 18h.
Toda última terça-feira do mês, o Museu fica aberto para visitação das 10h às 20h
(última entrada: 45 minutos antes do fechamento)
Informações: 21 3289 8686
Curadoria:Alexei Bueno
Patrocínio: Fundo Nacional de Cultura/Ministério da Cultura
 
 
Assessoria de Comunicação Social do Ministério da Cultura
Com informações da Fundação Casa de Rui Barbosa


Leia mais sobre esse assunto em matéria do jornal O Globo, assinada por Maurício Meireles.