sexta-feira, 2 de novembro de 2018

O nome do defunto



Anúbis protege e cuida do defunto. 

Em Totem e Tabu, Sigmund Freud estuda várias crendices e interdições de povos em diferentes estágios civilizatórios, uma delas relativa à morte e ao medo de, ao pronunciar o nome de pessoas mortas, invocar ou atrair sobre si uma maldição. Escreveu ele: “Um dos costumes mais estranhos e singulares, ligados ao tabu dos motos, entre os primitivos, é a proibição de pronunciar o ‘nome’ do defunto”.

A crença se faz presente entre povos de todos os quadrantes e foi registrada entre polinésios, hindus, mongóis, ainos, tuaregues e indígenas de toda a América. Os massai da África, por exemplo, costumavam mudar os nomes dos falecidos, assim como alguns povos nativos da Austrália. O luto e a observância de algumas regras presentes nos ritos fúnebres, que tangem ao apaziguamento do espírito teriam a ver, em parte, com o horror despertado pelas mudanças observáveis nos cadáveres. Luís da Câmara Cascudo (sempre ele!), no ensaio Anúbis, dedica um tópico à superstição ligada ao nome do morto e as trágicas consequências dele advindas: “O nome pertence ao morto e participa de sua substância. É inseparável. Chamá-lo, pronunciando-o em voz perceptível, é evoca-lo, sugerindo-lhe a presença imediata, quase irresistível pela magia poderosa do nome”.

O medo dos demônios, segundo Wundt, derivaria do medo original das almas dos mortos. Os que morrem de causa violenta, ou mediante operações mágicas, tornam-se espíritos vingativos, demônios, enfim. (cf. Wetermarck). Certo é que, nos sertões de outrora, evitava-se pronunciar os nomes de entidades demoníacas, substituindo-os por apelativos. Nomen numen, diriam os supersticiosos romanos. Evitava-se, de igual modo, pronunciar-se o nome de quem dorme o sono eterno, substituindo-o por “finado”, “falecido”, “defunto”. A devoção às santas almas do Purgatório, vivas no medo e na reverência dos penitentes, é mais antiga que a própria concepção de Purgatório, popularizada por Dante, e as alimentadeiras de almas dos termos do São Francisco atualizam, simplesmente, as oferendas votivas às almas dos mortos que povoam os nossos sonhos e pesadelos desde que o mundo é mundo.

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