sexta-feira, 9 de agosto de 2019

Vassilissa, de Ivan Bilibin. 


Marco Haurélio volta à Casa Tombada para o segundo módulo do curso Conto Popular: Viagem de Retorno ao País da Infância. Abaixo, um resumo das temáticas que serão abordadas a cada encontro. 

1.      Sobrevivências mitológicas e ritualísticas nos contos populares
O russo Vladímir Propp vislumbrou nos contos maravilhosos informações acerca de ritos e mitos há muito desaparecidos, numa perspectiva histórica que não fecha os olhos às mudanças e aos estágios pelos quais passam as narrativas populares, mesmo as nascidas em tempos arcaicos. Com base no clássico estudo Raízes históricas do conto maravilhoso, revisitaremos alguns ritos de passagem e voaremos ao Reino dos Confins, o reino do Vai-Não-Torna das histórias brasileiras. Passaremos, ainda, alguns dias – e noites! – na cabana da ogra, ou na casa do Bicho de Sete Cabeças, do Rei do Frio, e mergulharemos no poço de Dona Holle, símbolo do rito de passagem da infância para a idade adulta.

2.      Cordel: a poesia bárdica do Brasil
A literatura de cordel do Nordeste, com suas obras mais importantes e sua filiação à poesia épica e às canções de gesta, é o tema deste encontro. Por que o Brasil se tornou o maior celeiro da poesia popular em todo o mundo? A simbologia do Pavão Misterioso, emblema maior do cordel nordestino e o mais universal dos romances rimados. Quais são os livros do povo e por que são assim chamados?  Marco Haurélio, poeta e pesquisador da Literatura de Cordel, apresenta as obras fundamentais, os cordéis fundadores, os autores e autoras que fazem do cordel brasileiro a mais importante expressão da poesia popular em todo o mundo.

3.      Luzia Teresa: muita história pra contar
Definida pelo folclorista Altimar Pimentel como a maior contadora de “estórias” de que se tem notícia, a paraibana de Guarabira, Luzia Teresa dos Santos (1909-1983) era um fenômeno. Dos 242 contos coletados pelo Núcleo de Pesquisa e Documentação da Cultura Popular da Universidade Federal da Paraíba, apenas sendo 146 foram registrados em três volumes, intitulados Estórias de Luzia Teresa, e publicados pela Editora Thesaurus, de Brasília.

4.      De Ródope a Maria Borralheira: as metamorfoses da Cinderela
Cinderela (ATU 510A) é, sem dúvidas, o conto popular mais difundido no mundo. Charles Perrault, com sua Cendrillon, e os Grimm, com Auschenputtell, difundiram as versões mais conhecidas da história. É a Gata Borralheira na tradição oral de Portugal, Maria Borralheira nas coletâneas brasileiras, a história se filia a uma antiga lenda registrada pelo grego Heródoto, o Pai da História, cinco séculos antes de Cristo. Maria Borralheira nos contos brasileiros, aparece desde a coletânea de Silvio Romero, no fim do século XIX, e, mais recentemente, em um livro que reúne 20 versões baianas, Cinderela nos entrelaces da tradição, base da dissertação de mestrado da professora Edil Costa.

5.      É o Cão! O motivo do demônio logrado nos contos populares e no cordel
No Índice de motivos dos contos populares, o Sistema ATU, os contos do Ogro (Diabo) estúpido vão do nº 1000 ao 1199, incluindo contratos de trabalho, pactos, apostas improváveis e burlas maldosas. No Brasil, uma estranha convergência transforma o gigante, adversário do herói picaresco, em fazendeiro nas facécias protagonizadas por Pedro Malasartes. Há, entre vários povos, a premissa de que os espíritos podem servir aos seres humanos, por obrigação ou gratidão. Esta é a premissa dos contos em que há um pacto, consciente ou não, com o espírito do submundo. Câmara Cascudo, na introdução ao seu livro Contos Tradicionais do Brasil, assim se refere ao Ciclo do demônio logrado:   Nos contos em que aparece o Diabo este perde infalivelmente. A Morte, ao contrário, vence. Debalde o homem procura enganar, utilizando todos os recursos da inteligência, o pagamento fatal da dívida”.

6.      O medo e o mal nos contos de fadas
Todos nós sentimos medo. Medo da morte, da vida, do diabo, de Deus e dos deuses, de fantasmas, de bruxas. Medo das encruzilhadas, das árvores amaldiçoadas, dos animais predadores. Medo da noite e do que ela oculta. Medo dos outros e de nós mesmos. Em muitos contos e lendas, o medo dá o mote. O medo está ligado ao mal, mas este é mais um problema metafísico, interpretado e reinterpretado ao longo dos tempos. Nos contos de fadas, heróis e heroínas precisam superar o seu medo para iniciar sua jornada, que culmina na derrota do mal (ou de um de seus agentes). 


O PROFESSOR

Marco Haurélio teve contato com as tradições orais ainda na infância, passada no sertão baiano, entre os mestres e mestras da narração oral. Sua principal referência é a avó paterna Luzia Josefina de Farias (1910-1983), de quem escutou mais de cem histórias, várias delas hoje publicadas em livros que são referências no assunto, a exemplo de Contos e fábulas do Brasil e Contos folclóricos brasileiros. Escritor, pesquisador da cultura espontânea, cordelista e estudioso da poesia popular, é, ainda, autor de livros para crianças e jovens, vários deles premiados. No campo dos estudos etnográficos, recolheu, divulgou e classificou centenas de contos, dezenas de lendas, além de cantigas e romances, estes últimos ainda inéditos. Autor de Vozes da tradição (IMEPH, 2018), Lá detrás daquela serra (Peirópolis, 2013), O noivo defunto e outros contos de mal-assombro (Nova Alexandria, 2ª edição, 2019), Tristão e Isolda em cordel (SESI-SP Editora, 2018), dentre outros, ministra cursos e oficinas sobre o cordel e a cultura popular brasileira.



SUGESTÕES DE LEITURA

ALCOFORADO, Doralice. Belas e feras baianas: um estudo do conto popular. Salvador: Fundação Pedro Calmon, 2008
AMARAL, Amadeu. Tradições populares. São Paulo: Hucitec, 1976. ARAUJO, Alceu Maynard. Cultura popular brasileira. 3ª ed. São Paulo: Martins
Fontes, 2007.
BRANDÃO, Théo. Seis contos populares do Brasil. Maceió: MEC-SEC-Funarte, Instituto Nacional do Folclore, ufal, 1982.
CALVINO, Ítalo. Fábulas italianas. Tradução de Nilson Moulin. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
CARDIGOS, Isabel; CORREIA, Paulo. Catálogo dos Contos Tradicionais Portugueses (Com as versões análogas dos países lusófonos). CEAO da Universidade do Algarve / Edições Afrontamento: Portugal, 2015.
CASCUDO, Luís da Câmara. Contos tradicionais do Brasil. 13. ed. São Paulo:
Global, 2004.
COELHO, Adolfo. Contos populares portugueses. Portugal: Compendium, 1996.
COSTA, Edil. Cinderela nos entrelaces da tradição. Salvador: Fundação Cultural, EGBA, 1998.
GOMES, Lindolfo. Contos populares brasileiros. 3. ed. São Paulo: Melhoramentos, 1965.
GUIMARÃES, Ruth. Calidoscópio: a saga de Pedro Malasartes. São José dos Campos: JAC Editora, 2006.
_____________. Os filhos do medo. Porto Alegre: Editora Globo, 1950.
HAURÉLIO, Marco. Contos e fábulas do Brasil. Classificação e notas: Paulo Correia. São Paulo: Nova Alexandria, 2011.
_____________. Contos folclóricos brasileiros. Classificação e notas: Paulo Correia. São Paulo: Paulus, 2010.
_____________. O príncipe Teiú e outros contos brasileiros. São Paulo: Aquariana, 2012.
_____________. Vozes da tradição. Fortaleza: IMEPH, 2018.
HAURÉLIO, Marco, Wilson Marques. Contos e Lendas da Terra do Sol. São Paulo: Paulus, 2019.
NASCIMENTO, Bráulio do. Estudos sobre o conto popular. São Paulo: Terceira Margem, 2009.
2006.
PIMENTEL, Altimar. Estórias de Luzia Teresa (Três volumes). Brasília: Thesaurus, 1995.
_____________. Estórias do Diabo. Brasília: Thesaurus, 1995.
PROPP, Vladimir. As raízes históricas do conto maravilhoso. 2. ed. Tradução de Rosemary Costhek Abílio. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
ROMERO, Sílvio. Contos populares do Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia, São Paulo: Edusp, 1985.
XIDIEH, Oswaldo Elias. Narrativas pias populares. São Paulo: Instituto de Estudos Brasileiros – USP, 1967.

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