quinta-feira, 31 de outubro de 2019

As origens do Halloween (por Sir James Frazer)


"Snap-Apple Night", quadro pintado pelo artista irlandês Daniel Maclise em 1833,  inspira-se em uma festa de Halloween de que ele participou em Blarney, na Irlanda, em 1832. 

As festas dos fogos na Europa


(Excerto)

Entre os antepassados pagãos dos povos europeus, a festa dos fogos mais generalizada e popular do ano era a grande comemoração da véspera do Solsticio de Verão, ou do dia do Solsticio, à qual correspondia a festa dos fogos do Solsticio de Inverno. Entre os povos celtas de Land's End, na Cornualha, por outro lado, as principais festas dos fogos eram as do 1.° de Maio ou de Beltane, e do Halloween. Essas duas datas marcam a época em que os pastores levam o gado para pastar e em que, com a aproximação do inverno, levam-no novamente de volta para os currais.A divisão celta do ano em duas metades marcadas pelo início de maio e pelo início de novembro data assim de urna época na qual os celtas eram principalmente um povo pastoril que, para sua subsistência, dependia de seus rebanhos, e na qual, por essa razão, as grandes épocas do ano eram os dias nos quais o gado partia de suas fazendas no princípio do verão e aqueles em que para elas voltava novamente no princípio do inverno. Mesmo na Europa central, distante da região hoje ocupada pelos celtas, uma divisão semelhante do ano pode ser claramente reconhecida pela grande popularidade tanto do 1.° de Maio e de sua véspera (a Noite de Walpurgis) como da festa de Todos os Santos, em princípios de novembro, que, sob um tênue disfarce cristão, oculta uma antiga festa pagã dos mortos. Podemos, portanto, conjeturar que, por toda parte na Europa, a divisão celeste do ano de acordo com os solstícios era precedida do que podemos chamar de uma divisão terrestre do ano de acordo com o início do verão e o início do inverno.

Seja como for, as duas grandes festas celtas comemoradas em 1.° de maio e 1.° de novembro ou, para sermos mais precisos, as vésperas desses dois dias assemelham-se muito no modo de celebração e nas superstições a elas associadas; pelo caráter arcaico de que ambas se revestem, traem uma origem remota e exclusivamente pagã. A festa do 1.° de Maio ou de Beltane, como os celtas a chamam, que servia para marcar o início do verão, já foi descrita. Resta-nos fazer uma descrição da festa correspondente do Hallowe'en, que anunciava a chegada do inverno. Das duas festas, o Halloween talvez fosse a mais importante, já que os celtas parecem ter datado o início do ano a partir dela, e não a partir da festa de Beltane. Na ilha de Man, um dos redutos em que a língua e o folclore celtas mais resistiram ao sítio dos invasores saxões, o 1.° de novembro (calendário antigo) era considerado como o dia do Ano-Novo, até épocas recentes. Assim, os mascarados de Man costumavam sair às ruas na festa de Hallowe'en (calendário antigo) cantando, na linguagem de Man, uma espécie de canção de Hogmanay (Ano-Novo) que começava assim:

"Hoje é a noite do Ano-Novo, Hogunnaa!" Um dos informantes de Sir John Rhys, um velho de setenta e sete anos da ilha de Man, "havia sido empregado de fazenda desde os dezesseis anos até os vinte e seis, com o mesmo patrão, perto de Regaby, na paróquia de Andreas, e lembra-se de que seu patrão e um vizinho próximo discutiram a expressão dia do Ano-Novo aplicada ao 1º de novembro e explicaram aos jovens que sempre fora assim antigamente. De fato, parecia-lhe bastante natural que assim fosse, já que todos os contratos de ocupação de terra terminam naquela época e todos os empregados começam o seu serviço também nessa época".

Não só entre os celtas, mas também por toda a Europa, o Hallowe'en, a noite que marca a transição do outono para o inverno, parece ter sido, antigamente, a época do ano em que as almas dos mortos revisitavam seus velhos lares para se aquecerem junto ao fogo e se reconfortarem com as homenagens que lhes eram prestadas, na cozinha e na sala, pelos seus afetuosos parentes. Talvez fosse natural ocorrer-lhes que a aproximação do inverno trazia as pobres almas famintas e trêmulas dos campos nus e das florestas sem folhas para o abrigo das casas e o calor de suas lareiras familiares.

Mas não eram apenas as almas dos mortos que deviam pairar, invisíveis, no dia "em que o outono ao inverno entrega o pálido ano". As bruxas então esmeravam-se em seus atos malignos, algumas cruzando os ares em suas vassouras, outras galopando pelas estradas montadas em gatos que, naquela noite, se transformavam em cavalos negros como o carvão. Também as fadas andavam à solta, e duendes de todos os tipos vagavam livremente.

Nas regiões celtas, o Hallowe'en parece ter sido a grande época do ano para se prever o futuro. Todos os tipos de adivinhações eram postos em prática naquela noite. Lemos que Dathi, rei da Irlanda no século V, estando no monte dos Druidas (Cnoc-nan-druad), no condado de Sligo, durante a festa de Halloween, mandou que seu druida lhe previsse o futuro, entre aquele dia e o próximo dia de Halloween. O druida passou a noite no alto de uma colina e, na manhã seguinte, fez uma previsão ao rei que se tornou realidade. No País de Gales a festa do Halloween era a mais estranha de todas as Teir Nos Ysbrydion, ou Três Noites dos Espíritos, quando o vento, "soprando sobre os pés dos cadáveres", levava suspiros às casas dos que deviam morrer naquele ano. Acreditava-se que, se, naquela noite, alguém saísse até uma encruzilhada e escutasse o vento, ficaria sabendo das coisas mais importantes que deveriam acontecer nos próximos doze meses.

O Solstício de Inverno, que os antigos fixavam erroneamente no dia 25 de dezembro, era celebrado na Antiguidade como o Aniversário do Sol, e luzes ou fogueiras festivas eram acesas nessa alegre ocasião. Nossa festa do Natal é apenas a continuação, sob um nome cristão, dessa velha festividade solar, pois as autoridades eclesiásticas julgaram conveniente, por volta do final do século III ou do princípio do século IV, transferir arbitrariamente a natividade de Cristo de 6 de janeiro para 25 de dezembro, com a finalidade de desviar para o seu Senhor o culto que os pagãos haviam dedicado até então ao Sol.

Na cristandade moderna, a antiga festa dos fogos do inverno parece sobreviver, ou ter sobrevivido até anos recentes, no velho costume da acha do Natal (Yule log), como era chamada na Inglaterra. O costume era conhecido na Europa, mas parece ter florescido especialmente na Inglaterra, na França e entre os eslavos do sul — pelo menos, as descrições mais completas nos vêm daí. A acha de Natal era a contrapartida, de inverno, da fogueira do Solsticio de Verão, acesa dentro de casa e não ao ar livre, devido ao frio e ao tempo inclemente da estação.

In: O Ramo de Ouro, edição de Mary Douglas, tradução de Valtensir Dutra. São Paulo: Círculo do  Livro, págs. 214-221.

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