quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Onde encontrar cordel em São Paulo



Apesar de São Paulo ser a cidade onde se localiza a Editora Luzeiro, a mais antiga do gênero em atividade no Brasil, ainda há grande dificuldade entre aqueles que buscam adquirir folhetos de cordel.

Parte desta dificuldade foi sanada por um migrante nordestino: o paraibano Severino Silva (foto), que se tornou, há cerca de um ano, agente da editora.

Severino trabalha com um catálogo de clássicos que incluem O Pavão Misterioso, A Chegada de Lampião no Inferno, Coco Verde e Melancia, Os Três Conselhos da Sorte, João Soldado, O Romance da Princesa do Reino do Mar Sem Fim, entre outros. E títulos de minha autoria, como Presepadas de Chicó e Astúcias de João Grilo, Os Três Conselhos Sagrados e O Herói da Montanha Negra.

Abaixo, uma relação dos locais onde é possível achar os clássicos e as novidades do catálogo Luzeiro, inclusive por encomenda:

1. Banca Praça Ramos (centro)
2. Banca Pato (Praça da Sé)
3. Banca DPX (Praça Ramos de Azevedo)
4. Banca das Apostilas (Pátio do Colégio, ao lado da Praça da Sé)
5. Banca São Bento (Rua Barão de Itapetininga, Centro)
6. Banca Viaduto do Chá (Centro)
7. Banca Deus é Luz do Meu Caminho (Estação Guilhermina Esperança do Metrô)
8. Banca Corredor Praça Dom José Gaspar, 106
9. Banca São Francisco (Viaduto do Chá)
10. Banca JC (Rua Fortuna de Minas, Jd. Santa Maria)
11. Banca Maktub (Largo da Concórdia, Brás)
12. Banca General Carneiro (altura do nº. 167, Centro)
13. Banca Emília (Praça Dom José Gaspar, Av. São Luís, Centro)
14. Banca Viana (Largo da Concórdia, ao lado da estação de trem do Brás)
15. Banca Dom José Gaspar (Centro)
16. Banca Antônio Prado (Praça Antônio Prado, Centro)
17. Banca Guilhermina Esperança (Metrô Guilhermina Esperança)
18. Banca Barão (Barão de Itapetininga, República)
19. Banca Mário de Andrade (Centro, ao lado da Praça dom José Gaspar)
20. Sebo José de Alencar (Rua Quintino Bocaiuva, 285, Centro)

Pedidos: Severino Silva (11) 98298 8723


terça-feira, 22 de dezembro de 2009

As Várias Faces do Cordel

por: Marco Haurélio


Entre abril e maio de 2001, uma mostra no SESC Pompeia, em São Paulo, com curadoria do escritor Audálio Dantas, celebrou os cem anos da Literatura de Cordel brasileira. Poetas, ilustradores, editores e repentistas se revezaram em apresentações, exposições e oficinas. Tudo certo, não fosse um detalhe: a literatura de cordel brasileira, em 2001, certamente já havia ultrapassado um século de existência. O que, evidentemente, não ofuscou o brilho do evento, nem diminuiu a importância da iniciativa. A dificuldade em se apontar o marco inicial se deve em parte à escassez de referência bibliográfica do período. Sílvio Romero, pioneiro dos estudos etnográficos e historiador literário, já fazia uso do termo “literatura de cordel" em Estudos sobre a poesia popular, de 1885. Por outro lado, Romero não destaca nenhum poeta em particular, o que leva a crer que estas publicações incipientes ainda não haviam atingido o padrão que imortalizaria o gênero na memória popular e na cultura brasileira.

O grande pioneiro

A travessia fatalmente seria feita. E, num Nordeste com forte cheiro de Idade Média, dominado pelo misticismo e por crenças impregnadas do atavismo da gesta carolíngia, o povo teve em Leandro Gomes de Barros, paraibano radicado no velho Recife, seu grande menestrel. Leandro começou a escrever por volta de 1893, e não parou mais. São dele alguns dos maiores clássicos do gênero: Juvenal e o dragão, O Cachorro dos Mortos, História da Donzela Teodora etc. A partir da gesta de Carlos Magno e dos Doze Pares de França, Leandro escreveu A Batalha de Oliveiros com Ferrabrás e A Prisão de Oliveiros. Obras que já ultrapassaram com folga a casa dos milhões de exemplares vendidos, e são reeditadas há mais de cem anos, ininterruptamente.

Alicerçada na tradição oral, a História do Boi Misterioso
de Leandro Gomes de Barros, é um dos romances fundadores
 da literatura de cordel brasileira.
Mário de Andrade se inspirou em um cordel satírico de Leandro, A Vida de Cancão de Fogo e o seu Testamento, na estruturação da personagem compósita Macunaíma, que batiza uma das obras basilares da literatura brasileira. A esse respeito depõe o criador de Pauliceia Desvairada:

Um Leandro, um Athayde nordestinos, compram no primeiro sebo uma gramática, uma geografia, ou um jornal do dia, compõem com isso um jornal de sabença, ou um romance trágico de amor, vivido no Recife. Isso é o Macunaíma e esses sou eu.

O Athayde a quem se refere Mário de Andrade é o poeta e editor João Martins de Athayde, autor de História do Valente Vilela, romance sobre um cangaceiro perverso que um dia deixa a vida de crimes para se dedicar à ascese purificadora, tornando-se um místico. A história traz elementos da tenebrosa lenda medieval de Roberto do Diabo. O cangaceiro Vilela, personagem sem autenticação da história, arquétipo cristão de culpa e redenção, reaparecerá transfigurado em A Hora e a Vez de Augusto Matraga, um dos contos antológicos de Sagarana, de Guimarães Rosa.

Clássicos do cordel

Com Leandro Gomes de Barros surgiu, também, a figura do editor de cordel que escrevia, publicava e distribuía a sua produção. Com a morte de Leandro, Athayde adquiriu junto à viúva do grande poeta, D. Venustiniana, os direitos de publicação de boa parte de sua obra. Essa iniciativa foi em parte benéfica para o cordel, porque Athayde, a partir do Recife, profissionalizou a distribuição dos folhetos, adquiriu outras obras e, indiretamente, gerou dezenas de empregos, através dos muitos revendedores e agentes espalhados por feiras, mercados e pontos estratégicos, como estações de trem e portas de igrejas. Por outro lado, o editor Athayde simplesmente ignorava a autoria dos folhetos de cordel de sua propriedade e assinava todos em seu nome, inclusive os de Leandro. Essa atitude questionável dificultou a futuros pesquisadores a identificação da autoria de vários poetas.

Areda, fotografado por Maria Alice Amorim
No rastro de Athayde e Leandro surgiram outros poetas, como Francisco Sales Areda (1916-1995), autor de O Homem da Vaca e o Poder da Fortuna, folheto de grande sucesso que chamou a atenção do teatrólogo Ariano Suassuna, que o adaptou para o teatro. Areda é autor, ainda, d’O romance de João Besta e a Jia da Lagoa. Neste folheto, o autor definiu o papel do poeta popular, dando a entender que ele é, também, garimpeiro do inconsciente coletivo:


O poeta é um repórter
Das ocultas tradições, 
Revelador de segredos, 
Guiado por gênios bons, 
Pintor dos dramas poéticos 
Em todas composições.

Contudo, foi num folheto de gracejo que Suassuna encontrou o personagem-símbolo de sua dramaturgia. As Proezas de João Grilo (ver trecho abaixo), estória escrita em 1932 por João Ferreira de Lima, trazia como protagonista o célebre amarelinho oriundo dos contos populares portugueses, que, no processo de aculturação, ganhou características idênticas às de outro famoso espertalhão de origem ibérica: Pedro Malazarte. Esse mesmo João Grilo será reaproveitado no Auto da Compadecida, transformado em filme em 2000 por Guel Arraes, com Mateus Nachtergaele (João Grilo) e Selton Melo (Chicó) nos papéis principais.



João Grilo foi um cristão 
que nasceu antes do dia,  
criou-se sem formosura  
mas tinha sabedoria,  
e morreu depois da hora 
pelas artes que fazia.  
(...) 
Na noite que João nasceu,  
houve um eclipse na lua,  
e detonou um vulcão,  
que ainda continua.  
Naquela noite correu 
um lobisomem na rua.  
(...)

Entretanto, a Compadecida se baseia em três folhetos distintos, dois deles escritos por Leandro. O primeiro é O Cavalo que Defecava Dinheiro, que mostra como um finório consegue lograr um duque invejoso convencendo-o de que um cavalo é realmente capaz de obrar (sem trocadilho) o prodígio do título. Obviamente quem assistiu à peça ou à uma de suas versões para o cinema, sabe que o cavalo foi transmutado num gato, por motivos mais que compreensíveis. O outro poema de Leandro reaproveitado por Suassuna é O Dinheiro (O Testamento do Cachorro), onde aparecem as figuras do padre e do bispo. A autoria de Leandro é inquestionável, embora a origem dos motivos que compõem a estória seja mais difícil de rastrear. O próprio Ariano reconhece essa dificuldade quando afirma: “- a história do testamento do cachorro, que aparece no Auto da Compadecida, é um conto popular de origem moura e passado, com os árabes, do Norte da África para a Península Ibérica, de onde emigrou para o Nordeste”.

Além destes dois poemas de caráter marcadamente cômico, o Auto propriamente dito – a última parte – tem por base o folheto O Castigo da Soberba, de autoria desconhecida. A estória tem a marcante presença do imaginário medieval que impregna a obra de Gil Vicente, outra evidente fonte de Suassuna. Maria (Nossa Senhora) é a advogada. Jesus o Juiz, e o Diabo o acusador. É a Nossa Senhora – a “advogada nossa” da oração Salve Rainha – que a alma recorre, em vista da iminente condenação. Evocada em nome de seu bendito filho, ela responde à súplica da alma. No final, após ouvir acusação e defesa, Jesus – no folheto também chamado Manuel – decide pela salvação da alma. O Diabo (Cão), vencido, chama os seus comandados. A estrofe abaixo reproduzida, com a última fala do tinhoso, está bem próxima do desfecho do Auto da Compadecida:


Vamos todos nós embora
Que o causo não é o primeiro, 
E o pior é que também 
Não será o derradeiro... 
Home que a mulher domina
Não pode ser justiceiro.

Os três folhetos, diga-se de passagem, foram coligidos por Leonardo Mota no livro Violeiros do Norte. Indiretamente, este pesquisador cearense, ao reunir as três obras em seu precioso estudo, apontou o caminho que Ariano Suassuna deveria seguir, mesmo apoiando-se em outras tradições populares – especialmente o Bumba-meu-boi, onde os personagens Mateus e Bastião cumprem um papel semelhante ao de João Grilo e Chicó na Compadecida.

João Grilo marcou presença em outros folhetos de cordel, com destaque para O Professor Sabe-Tudo e as Respostas de João Grilo (de Klévisson Viana), A Professora Indecente e as Respostas de João Grilo (de Arievaldo Viana) e Presepadas de Chicó e Astúcias de João Grilo (de Marco Haurélio). O sucesso do Auto da Compadecida no cinema parece ter motivado o diretor Moacyr Góes a filmar O Homem que desafiou o Diabo (2007), baseado no livro As Pelejas de Ojuara, de Nei Leandro de Castro, que, por sua vez, parte de folhetos de cordel do ciclo do Demônio Logrado.

Ilustre precursor


Na época em que Antônio de Castro Alves (1847-1871) pontificava, a poesia popular efervescia nos sertões. A dicotomia erudito/popular, ensina-nos Edilene Matos, da PUC – São Paulo, “foi forjada, a rigor, em plena modernidade”. Na obra do poeta baiano, arauto maior do nosso romantismo, é possível vislumbrar elementos das cantigas sertanejas, ora dolentes, ora jocosas, mas sempre saborosas. “A Canção do Violeiro”, que traz como mote os dois últimos versos, lembra os lampejos geniais dos repentistas de prestígio do Nordeste. O estilo pouco lembra a grandiloqüência de poemas como “O Navio Negreiro” ou “O Século”. O final, que revela a realidade do violeiro, remete ao cancioneiro caipira, também originário da mesma matriz da Literatura de Cordel.


Não quero mais esta vida,
Não quero mais esta terra. Vou procurá-la bem longe, Lá para as bandas da serra. Ai! triste que eu sou escravo! Que vale ter coração? Chora, chora na viola, Violeiro do sertão.

Com esquema rímico diferente do utilizado pelos cordelistas, Castro Alves compôs algumas das mais belas sextilhas da língua portuguesa. Para comprovar basta a introdução de “Virgem dos Últimos Amores”, semelhante às quadras populares que começam com o mote “por detrás daquela serra”.


Por detrás daquele outeiro 
A morte espera a manhã! 
É a morte do guerreiro, 
Do bravo que não recua!... 
Geme ao longe a mãe-da-lua, 
Responde perto a cauã...

O grande poeta popular Chagas Batista
Pois bem, com a introdução da sextilha heptassílaba na cantoria, por Silvino Pirauá de Lima (1848-1913), a poesia da última fase do romantismo – em que se destacou também o sergipano Tobias Barreto – forneceu sobejos motivos ao cordel e à cantoria. Outros gêneros poéticos, como a décima, também eram utilizados, às vezes, como paródia. Francisco das Chagas Batista, outro representante do cordel em seus primórdios, partindo do poema “O Livro e a América”, escreveu O Ébrio em homenagem ao seu confrade Leandro Gomes de Barros, um grande amigo do copo:


Talhado p’ras bacanais,
Pra beber, tombar, cair, 
O embriagado, no crânio, 
Sente a razão se extinguir... 
Empresário das orgias – 
Cansado de outras folias, 
O beberrão disse já: 
Vai, caixeiro, abre a torneira 
Da pipa mais sobranceira, 
E tira vinho de lá.

O ano de publicação do referido folheto, 1910, chama a atenção. Sem dúvida, traz no bojo ideias que se tornariam lugar comum com o movimento modernista, a partir de 1922, como o reaproveitamento, por Oswald de Andrade, a guisa de paródias, de textos fundamentais da brasilidade, como a Carta de Caminha e a “Canção do Exílio”, de Gonçalves Dias. Assim, justifica-se a admiração que Mário de Andrade, um dos cabeças do movimento, nutria pelos “rapsodos” nordestinos. Jorge de Lima, nome maiúsculo de nossas letras, não se fez de rogado e registrou, em sextilhas de cordel, o legado do vate baiano. O folheto Castro Alves – Vidinha é de 1952.

Senhores, peço licença
Para agora recordar 
Um poeta e sua vida 
E seu modo de lutar, 
E seu amor infeliz 
E sua glória sem par.

Com mais propriedade, o poeta popular José Camelo de Melo Resende deixou esta invocação, um dos pontos altos de sua obra:

Levantai-vos, Castro Alves
Do túmulo onde dormis, 
Vinde já nesse momento, 
Com vossa lira feliz, 
Permutar as Vozes d’África 
Pelas de vosso país.

Nas asas do Pavão Misterioso

 O Pavão Misterioso, o grande clássico da
Literatura de Cordel brasileira.


O Romance do Pavão Misterioso, escrito por José Camelo de Melo Rezende, em 1923, é o mais famoso folheto de cordel de todos os tempos. Conta uma história aparentemente despretensiosa, mas de grande apelo popular. Tem raízes nos contos das Mil e uma Noites. A história inspirou a canção-tema da novela Saramandaia, composta por Ednardo. A novela, escrita por Alfredo Dias Gomes e exibida pela rede Globo em 1977, alavancou as vendas do folheto. A editora de cordéis Luzeiro, de São Paulo, que publica o Pavão Misterioso desde 1970, vendeu mais de 50 mil exemplares desta obra, no ano em que Saramandaia foi ao ar.

Eu vou contar uma história
De um pavão misterioso 
Que levantou vôo na Grécia 
Com um rapaz corajoso, 
Raptando uma condessa 
Filha de um conde orgulhoso. 
(...)

Cuíca de Santo Amaro foi, segundo Orígenes Lessa,
um versejador da pior qualidade.


Dias Gomes também se valeu da popularidade alcançada pelo cordel nas camadas populares em outras obras. Na premiada peça O Pagador de Promessas, o personagem Dedé Cospe-Rimas foi inspirado em Cuíca de Santo Amaro – José Gomes –, cordelista famoso tanto pelos versos ruins que criava quanto pelas encrencas em que se metia, quando vendia seus folhetos pelas ruas de Salvador. Cuíca chamou a atenção de outros escritores, como o conterrâneo Jorge Amado e Orígenes Lessa, estudioso do tema e autor de um dos estudos mais consistentes sobre a poesia popular, Getúlio Vargas na Literatura de Cordel. Foi Lessa quem classificou Cuíca como o “Macunaíma da poesia popular”, referindo-se à prática do poeta de escrever folhetos escandalosos para depois tentar arrancar algum dinheiro do “biografado”. Cuíca fustigou a corrupta elite política soteropolitana de sua época. Trajado de fraque, cartola e com um megafone na mão, tornou-se figura folclórica. Embora discutíveis do ponto de vista ético, suas atitudes não passaram despercebidas e, passados mais de 40 anos de sua morte, ainda suscita discussões e pesquisas no meio acadêmico.

Desdobramentos

Outros autores recorreram à poesia popular: Ferreira Gullar, em João Boa-Morte Cabra Marcado para Morrer; João Cabral de Melo Neto, especialmente no auto Morte e Vida Severina; Cecília Meireles (Romanceiro da Inconfidência), etc. Nas artes plásticas, xilogravuristas como Samico e Ciro Fernandes lançam um olhar erudito sobre a arte popular, como preconizava o Movimento Armorial, idealizado por Ariano Suassuna. O mesmo fizeram artistas da música popular como Antônio Nóbrega, Siba, Gilberto Gil, Tom Zé, Ednardo, Luiz Gonzaga, João do Vale, Raul Seixas, Xangai, Alceu Valença, Elomar, Vital Farias e Lirinha (Cordel do Fogo Encantado), Zé Ramalho e Morais Moreira. Sem esquecer Paulo Vanzolini, compositor de "Ronda" e "Volta por Cima", que, à maneira dos desafios poéticos do Nordeste, compôs esta sextilha jocosa registrada pelo jornalista Assis Ângelo:

Eu sou Paulo Vanzolini
Animal de muita fama 
Eu tanto corro no seco 
Como na vargem de lama 
Mas quando o marido chega 
Me escondo embaixo da cama.

Beatos e cangaceiros

Glauber Rocha foi outro nome que buscou uma na gesta sertaneja uma linguagem próxima ao cordel para retratar, em imagens contundentes, o Nordeste místico e sangrento. Principalmente em Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964) e O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro (1969), o cineasta baiano pôde apresentar sua visão incomum da arte e da vida. Inspirado nos versos populares, compôs o cordel temático, que ganhou música de Sérgio Ricardo. Os personagens do filme são baseados em figuras reais, mas com forte carga simbólica, como o santo Sebastião, calcado em Antônio Conselheiro. Corisco, personagem de Othon Bastos, é, ao mesmo tempo, o cangaceiro lendário do bando de Lampião e a personificação do bem e do mal, o ideal de justiça da “terra do sol”.

Os Cabras de Lampião, a melhor biografia em versos do Rei do Cangaço.
Lampião, Antônio Conselheiro, Padre Cícero e Frei Damião são outros personagens da mitologia nordestina que mereceram inúmeras biografias em cordel. Os Cabras de Lampião, de Manoel D’Almeida Filho, é considerada a melhor biografia em versos do famoso bandoleiro das caatingas. Do mesmo autor, outro best-seller dos sertões é Padre Cícero, o Santo do Juazeiro, sobre o famoso taumaturgo cearense. Antônio Conselheiro, o Guerreiro de Canudos, de Rodolfo Coelho Cavalcante, transporta para o cordel a epopeia da “Troia de taipa”, que foi magistralmente retratada por Euclides da Cunha na obra-prima Os Sertões. Todos os exemplos citados partem dos fatos relacionados à vida controversa destas figuras históricas. Não é o caso de folhetos como A Chegada de Lampião no Inferno, de José Pacheco, que retrata o cangaceiro aplicando um corretivo nos anjos caídos, após a sua morte na emboscada de Angicos, Sergipe, em 1938. Glauber se serviu dos versos de Pacheco (veja abaixo as estrofes iniciais) para ilustrar O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro.


Um cabra de Lampião, 
Por nome Pilão-Deitado,  
Que morreu numa trincheira  
Um certo tempo passado,  
Agora pelo sertão  
Anda correndo visão,  
Fazendo mal assombrado.  


E foi quem trouxe a notícia  
Que viu Lampião chegar.  
O Inferno, nesse dia,  
Faltou pouco pra virar –  
Incendiou-se o mercado,  
Morreu tanto cão queimado,  
Que faz pena até contar!

O poeta cearense Moreira de Acopiara, coordenador do já tradicional Cordel na Cortez – evento que acontece em agosto na Livraria Cortez, em Perdizes – reuniu Lampião e Padre Cícero num Debate Inteligente, num folheto revisionista. Mas na “Divina Comédia do Cordel” há ainda outras obras de fôlego e tradição: A Chegada Lampião no Céu (de Rodolfo Coelho), e A Chegada de Lampião no Purgatório (de Luiz Gonzaga de Lima). Varneci Nascimento, poeta baiano da nova geração, promoveu O Encontro de Lampião com Frei Damião no Céu.

Do popular ao erudito, e vice versa

Carlos Drummond de Andrade era um grande entusiasta do cordel e admirador confesso de Leandro Gomes de Barros, a quem considerava “rei da poesia do sertão e do Brasil em estado puro”... Drummond também experimentou os versos ágeis do cordel nordestino no insosso poema A Estória de João-Joana, musicado pelo especialista Sérgio Ricardo. O mesmo motivo – a moça que se traveste de homem – serviu ao poeta popular Manoel d’Almeida Filho em O Vaqueiro que Virou Mulher e deu à Luz. A inspiração de ambos parece ser o romance da Donzela Guerreira, motivo universalmente difundido, base para a composição de Diadorim, personagem de Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa.


Ora, se os autores eruditos bebem na fonte popular, o inverso também ocorre, e em escala bem maior. João Martins de Athayde verteu para o cordel clássicos da literatura como Amor de Perdição, de Camilo Castelo Branco, O Conde de Monte Cristo, de Alexandre Dumas, recriado com o título Romance de um Sentenciado.

José Camelo de Melo Resende utilizou o arcabouço dramático de El Cid para compor Entre o Amor e a Espada. Rodolfo Coelho recriou Tereza Batista Cansada de Guerra com um enfoque moralista, diferente do romance de Jorge Amado. Mais fiel ao original foi Manoel D’Almeida Filho ao adaptar Gabriela Cravo e Canela, que mescla o romance à telenovela estrelada por Sônia Braga em 1976. Mais recentemente, Zé Maria de Fortaleza cordelizou Capitães de Areia, em versão resumida.

Cordel na estante

Depois da Biblioteca de Cordel da editora Hedra, outras iniciativas do meio editorial mostram que o cordel no século XXI, revigorado, alça novos vôos. Costa Senna, músico e poeta cearense, recontou seus passos na vida e na arte na antologia Caminhos Diversos: Sob os Signos do Cordel (Global, 2008). Valdeck de Garanhuns, poeta e mamulengueiro, recontou os Mitos e Lendas Brasileiros em Prosa e Verso (Moderna, 2007). Arievaldo Viana, cearense criador do projeto Acorda Cordel na Sala de Aula, em parceria com o ilustrador Jô Oliveira, lançou pela Cortez A Ambição de Macbeth e A Maldade Feminina, impressionante versão do drama de William Shakespeare. Klévisson Viana, seu irmão, trouxe para o cordel o Dom Quixote, de Cervantes, em edição luxuosa mas que mantém a essência da poesia popular. Diretor da Tupynaquim, editora de Fortaleza, Klévisson é também autor de uma memorável adaptação de Os Miseráveis, de Victor Hugo, lançado pela editora paulistana Nova Alexandria, como volume inaugural da Coleção Clássicos em Cordel. O Corcunda de Notre-Dame, outro clássico de Hugo, ganhou uma versão nordestina em recriação do poeta João Gomes de Sá, que transformou o célebre Quasímodo em Quasimudo, destacando a dificuldade de comunicação do protagonista. Para a mesma coleção foram adaptados dois clássicos de Machado de Assis: O Alienista (de Rouxinol do Rinaré) e Memórias Póstumas de Brás Cubas (de Varneci Nascimento). Homenagem inusitada que marcou o centenário de morte do grande escritor.


Marco Haurélio, baiano de Riacho de Santana, é poeta popular e folclorista. Formado em Letras pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB), é autor de Presepadas de Chicó e Astúcias de João Grilo, História da Moura Torta, Os Três Conselhos Sagrados, O Príncipe que Via Defeito em Tudo e A Megera Domada. É autor, também, de Contos Folclóricos Brasileiros. Profere palestras e ministra oficinas temáticas sobre cordel e folclore.

Nota: este artigo foi publicado, com um outro título, na revista Discutindo Literatura, n. 19, edição de agosto de 2008 (capa).

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Carta a Papai Noel


Obra-prima do mestre LUIZ CAMPOS
Ilustração: Arievaldo Viana



Seu moço eu fui um garoto
Infeliz na minha infância
Que soube que fui criança
Mas pela boca dos ôto...
Só brinquei com gafanhoto
Que achava nos tabuleiro
Debaixo dos juazeiro
Com minhas vaca de osso
Essas catrevage, moço,
Que se arranja sem dinheiro.

Quando eu via um gurizim
Brincando de velocipe,
De caminhão e de jipe,
Bola, revólve ou carrim
Sentia dentro de mim
Desgosto que dava medo,
Ficava chupando o dedo
Chorando o resto do dia
Só pruque eu num pudia
Pegá naqueles brinquedo.

Mas preguntei certa vez
A uns fio dum dotô
Diga, fazendo um favô
Quem dá isso prá vocês?
Mim respondeu logo uns três
Isso aqui é os presente
Que a gente é inocente
Vai drumí às vezes nem nota
Aí Papai Noé bota
Perto do berço da gente.

Fiquei naquilo pensando
Inté o Natá chegá
E na Noite de Natá
Eu fui drumi me lembrando
Acordei, fiquei caçando,
Por onde eu tava deitado
Seu moço eu fui enganado
Que de presente o que tinha
Era de mijo uma pocinha
Que eu mesmo tinha botado.

Saí c'a bixiga preta
Caçando os amigo meu
Quando eles mostraram a eu
Caminhão, carro e carreta
Bola, revólver, corneta,
E trem elétrico, até
Boneca, máquina de pé,
Mas num brinquei, só fiz ver
E resolví escrever
Uma carta a Papai Noé.

“Papai Noé é pecado
Aos outros se matratá
Mas eu vou lê recramá
Um troço qui tá errado
Que aos fio do deputado
Você dá tanto carrin
Mas você é muito ruim
Que lá em casa num vai
Por certo num é meu pai
Qui num se lembra de mim.

Já tô certo que você
Só balança o povo seu
E um pobre que nem eu
Você vê, faz qui num vê
E se você vê, porque
Na minha casa num vem?
O rancho que a gente tem
É pequeno mas lhe cabe
Será que você num sabe
Qui pobre é gente também?

Você de roupa encarnada,
Colorida, Bonitinha,
Nunca reparou qui a minha
Já tá toda remendada
Seja mais meu camarada
Pr’eu num chamá-lo de ruim
Para o ano faça assim:
Dê menos aos fio dos rico
De cada um tire um tico
Traga um presente pra mim.


Meu endereço eu vou dá
De casa que eu moro nela
Moro naquela favela
Que você nunca foi lá
Mas quando você chegá
Qui avistá uma paioça
Cuberta cum lona grossa
E dois buracão bem grande
Uma porta veia de frande
Pode batê que é a nossa.



Clique na imagem para adquirir O Sonho de Lampião, novo livro do autor Marco Haurélio. 

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Marco Haurélio e Varneci Nascimento representarão Caravana do Cordel em Sorocaba


Foto: Varneci, Marco Haurélio e Helaydo Jean na Caravana do Cordel

Estarei, com Varneci Nascimento, nos dias 12 e 13 de dezembro, em Sorocaba (SP), na III Festa de Tradições Nordestinas. O convite partiu de Selma Araújo, presidente do Centro Cultural de Tradições Nordestinas. Levaremos um braço da caravana do Cordel, movimento cultural, que vem fazendo história em São Paulo.
Abaixo, o convite e a Programação.


III Festa das Tradições Nordestinas



Mais uma vez a Praça Frei Baraúna será palco da III Festa Anual em Comemoração ao Dia das Tradições Nordestinas.

A riqueza cultural do Nordeste estará ainda mais evidente este ano, pois, serão 24 horas de muita diversão. Entre os dias 12 e 13 de dezembro o público vai encontrar em Sorocaba um pedaço do Nordeste fora do Nordeste.

O CCTN – Centro Cultural de Tradições Nordestinas de Sorocaba e Região em parceria com a Secretaria da Cultura e Prefeitura Municipal de Sorocaba vem trazendo o que de melhor acontece no Nordeste.

Nesta festa nordestina não poderia faltar literatura de Cordel, repentistas, emboladores, trios pé-de-serra, mostras de arte popular, artesanato, grupos de dança como maculelê, samba de roda, capoeira, puxada de rede, teatro de mamulengos entre outras atrações.

Serão mais de 50 pratos típicos da culinária nordestina entre eles o sarapatel, a tradicional carne de sol, camarão, tapioca, queijos de coalho, doces, acarajés e outras iguarias da região.

Nas barracas estará a venda artesanatos, redes, rendas, bordados, roupas típicas, cerâmica, literatura de cordel, artes plásticas de artistas locais, regionais, estaduais e nacionais.

Haverá também a Caravana do Cordel com os poetas cordelistas Varneci Santos e Marco Haurélio, os cantadores de repente paraibanos Heleno Feitosa e Damião Cavalcante, os emboladores pernambucanos Raio de Sol e Flor de Lins, o teatro de mamulengos “Bendito os Beneditos” com o teatrólogo Sebastian Marques e a Academia Nacional de Capoeira mestre Falcon.

A Feira Nordestina é extremamente democrática, pois atrairá um público diversificado, tendo atrações para crianças, para a família, para quem só quer curtir a gastronomia, para os jovens amantes do forró moderno, para aqueles que não abrem mão do tradicional forró pé-de-serra ou mesmo para aqueles que se encantam com pequenas lembranças desta região tão rica em detalhes no nosso país.

A festa ou feira, se preferir, ficará concentrada na Praça Frei Baraúna, antigo Fórum Velho nos dias 12 e 13 de dezembro das 10:00h ás 22:00h. Naquele espaço e em seu entorno, estarão dispostas as tendas, o palco e a animação nordestina, retratando as diferentes manifestações culturais do nosso povo.

Não fique de fora desta festa! Faça parte de uma das manifestações mais ricas da essência da cultura brasileira. Até lá!


Selma Araújo

Presidente CCTN


Rua: Voluntários de Sorocaba, nº. 103 – Centro – Sorocaba – SP – CEP: 18035-290

Fone: (15) 2104.3544 – (15) 9744.9753 e-mails: cctnsorocaba@hotmail.com

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Luiz Wilson continua pintando o sete



O poeta, cantor, compositor e radialista Luiz Wilson, pernambucano de Sertânia, agitador e cutucador cultural, prepara mais uma novidade.

Membro do grupo Caravana do Cordel, apresentador do programa líder de audiência Pintando o Sete, na rádio Imprensa FM, Luiz, desta vez, descreevrá em cordel a saga do seu povo e do seu estado de origem, o grande Leão do Norte.

Deixemos o próprio Luiz dar o recado:

Amigos,

Vem aí o 1°ENCONTRO DOS PERNAMBUCANOS - em São Paulo
13 DE DEZEMBRO- 2009 - CLUBE CMTC- AV CRUZEIRO DO SUL, 808

Promoção e realização: MANO VEIO & MANO NOVO - com o apoio do nosso Programa PINTANDO O SETE -

Vejam matéria (entre outras) no Menu: NOTÍCIAS no meu SITE:
www.luizwilsonpintandoosete.com.br

"Após o grande sucesso
Do Encontro dos Baianos
Numa união histórica
Com todos os Paulistanos
Nova homenagem em cordel
Pra São Paulo, mãe fiel
E todos Pernambucanos"
(Luiz Wilson)

sábado, 14 de novembro de 2009

Caravana do Cordel homenageia o Dia do Cordelista



Xilogravura de Arievaldo

Caravana do Cordel é um projeto coletivo, construído por poetas populares nordestinos radicados em São Paulo. O grupo, formado por poetas, artistas plásticos, músicos e pesquisadores, vem alcançando grande sucesso em suas reuniões mensais no Espaço Cineclubista da Rua Augusta e nos eventos realizados em São Paulo e no entorno da capital, mantendo viva a tradição itinerante da poesia popular.
No dia 19 de novembro, que marca o 144º aniversário de nascimento de Leandro Gomes de Barros, maior expoente do gênero, a Caravana do Cordel preparou várias atividades para homenagear o patriarca da poesia popular brasileira. Dentre as atividades, uma mesa redonda discute a atual realidade da literatura de cordel, as vitórias e os embates a serem travados num campo em que o preconceito e o desconhecimento ainda são enormes. Outras atividades mostrarão a riqueza temática da literatura de cordel, confundida por leigos com a poesia matuta, ramo distinto da poesia popular. Haverá, também, exposições de gravuras e a já tradicional feira de cordel apoiada pela Editora Luzeiro.

Programação

19h - Mesa redonda: Cordel: conquistas e desafios
Debatedores: Moreira de Acopiara e Marco Haurélio – Mediação: Pedro Monteiro
20h - Palestra: Leandro Gomes de Barros: desbravador do Cordel, ministrada por Aderaldo Luciano, Doutor em Letras pela UFRJ.
21h – Sarau poético com membros e apoiadores da Caravana do Cordel
21:30 h – Apresentações musicais de Cacá Lopes, Costa Senna, Jackson Ricarte, Luiz Wilson e convidados.

Serviço

O quê? Dia do Cordelista: homenagem a Leandro Gomes de Barros
Quando? Dia 19, às 19h
Onde? 282 - São Paulo SP - Fone: 3350-6000
Entrada franca

domingo, 8 de novembro de 2009

Caravana do Cordel: homenagem a Leandro Gomes de Barros

A Caravana do Cordel está consolidada. No encontro do dia 7 último, alunos de três faculdades estiveram presentes, demonstrando o interesse que a poesia popular desperta no meio acadêmico.

O encontro foi marcado pela espontaneidade, pois, como foi enfatizado por João Gomes de Sá, tratava-se de um ensaio para o dia 19 de novembro, Dia do Cordelista.

O próximo encontro será na sede da APEOESP, na Praça da República. Este dia, a Caravana receberá o professor, doutor em Letras, Aderaldo Luciano, que ministrará uma palestra falando sobre o cordel e o seu maior expoente, Leandro Gomes de Barros.

Se o ensaio foi o que foi, imagine a festa do dia 19!


Banca de folhetos.


Marcos Linhares e frei Varneci Nascimento.


Professora Fátima, sempre presente aos eventos da Caravana.


Eufra Modesto, o diretor Diogo e Pedro Monteiro.


Parte do público que abrilhantou o evento.


Cícero Pedro de Assis e Marco Haurélio.


Alguns artistas presentes na reunião da Caravana: Aldy Carvalho, Jackson Ricarte, Pedro Monteiro, João Gomes de Sá, Cacá Lopes, Nando Poeta e Marco Haurélio.


Bárbara, filha da parceira Fátima, lê o livro infatil O Menino Lê, de André Salles Coelho, que narra, de forma poética, a infância de Leandro.


Eufra Modesto, mais uma vez deu um show de simpatia e talento.


Cleusa Santo.


Jackson Ricarte, grande violeiro.


Josué Araújo, poeta e contista.

sábado, 7 de novembro de 2009

Relembranças da Bahia 3

 
Com o folheteiro Antônio Rufino, filho adotivo
 de Minelvino Francisco Silva, em Bom Jesus da Lapa


   
O morro sagrado de Bom Jesus da Lapa.

   
Cruzeiro que fica em frente à Igreja da Ponta da Serra.

   
Porteira do curral da Ponta da Serra.

Antônio Rufino e sua banca de cordéis no alto do morro da Lapa. 

   
Cemitério da família Farias, na Ponta da Serra,
 construído pelo Major Ramiro.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Caravana do Cordel Homenageia Leandro Gomes de Barros


Imagem: xilo de Arievaldo Viana

Dia 7, na Rua Augusta, 1239 – Espaço Cineclubista, às 19:00 h, a Caravana do Cordel, que completa um ano este mês, homenageará o poeta maior da Literatura de Cordel, Leandro Gomes de Barros.

19 de novembro, Dia Nacional do Cordelista (data de nascimento de Leandro) haverá novo encontro, desta vez com a participação do Doutor em Letras, Aderaldo Luciano.

Abaixo, um dos artigos que escrevi enfocando o nosso grande farol:


Guerra Junqueiro e Cancão de Fogo

Por: Marco Haurélio

A literatura de cordel no Brasil conheceu cumes e abismos, para, passado mais de um século de seu surgimento, firmar-se como uma das mais importantes manifestações culturais de nossa terra. Por conta dos registros escassos e das pesquisas incipientes, é impossível se apontar o marco inicial, a obra pioneira, embora não falte quem indique a História de Zezinho e Mariquinha, do paraibano Silvino Pirauá de Lima (1848-1913), como um dos primeiros folhetos impressos no Brasil. Mas a difusão da literatura de cordel deve muito a Leandro Gomes de Barros (1865-1918), paraibano de Pombal, que, ao migrar para o Recife, transformou a capital pernambucana no maior centro difusor da literatura popular em verso do Nordeste.



Leandro foi, além de grande empreendedor, um estupendo poeta. 91 anos após sua morte, ainda é considerado o maior poeta popular brasileiro de todos os tempos. Ninguém legou tantos clássicos à posteridade. Do épico ao satírico, do lírico ao dramático, nada escapava à sua pena arguta, à sua verve incomparável. Sua impagável criação, o presepeiro Cancão de Fogo, é uma espécie de Lazzarillo de Tormes sertanejo. Livre pensador, crítico impiedoso das instituições e dos vícios de seu tempo, Leandro fez de Cancão um porta-voz dos menos favorecidos, que recorrem à astúcia para sobrepujar os opressores. E que, mesmo depois de morto, conseguiu enganar o juiz, o padre e o escrivão, personificações dos vícios da plutocracia.

Assim, a viúva do quenguista explica aos dois primeiros o porquê de o moribundo havê-los convocado para que o assistissem em seus derradeiros momentos:

Ele chamou os senhores
Quando estava aqui prostrado
Porque queria imitar
O Cristo crucificado:
Queria morrer também
Com um ladrão de cada lado.



Este episódio também aparece numa anedota referente ao poeta português Guerra Junqueiro (1850-1923), famoso por ter composto vários libelos declaradamente anticlericais, como o poema O melro que integra o livro A velhice do Padre Eterno, publicado em 1885. Moribundo, o poeta teria sido visitado por um padre e um juiz. Há variantes. Obviamente, trata-se de um motivo mais antigo, que ganhou novas roupagens no anedotário português e na obra impagável de Leandro Gomes de Barros. Mudam-se os personagens, conservam-se as funções e comprova-se a universalidade da poesia popular.

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Entrevista ao Portal Paulus

Entrevista com Marco Haurélio

28 de Outubro de 2009

Marco Haurélio nasceu na Ponta Serra, município de Riacho de Santana, sertão da Bahia, em 1974. É considerado um dos grandes nomes da literatura de cordel e tem vários títulos escritos neste gênero poético. Pesquisador das tradições populares, reuniu variadas histórias da nossa tradição oral no livro Contos folclóricos brasileiros (PAULUS).

Como surgiu a ideia de escrever o livro?

O Saci é um personagem que fascina crianças e adultos. Ainda hoje existem relatos de pessoas que o avistaram em alguma localidade rural. Há tempos eu queria escrever algo sobre o personagem, mas não queria ficar apenas na descrição de suas características ou de suas peraltices. Daí, pesquisei em vários livros e ouvi alguns relatos da “aparição” do personagem. Recriei-o a partir de várias fontes, todas elas de tradição popular.

O que você espera passar para as crianças com esta obra?

As crianças encontrarão no personagem deste livro uma figura simpática, mas que não foge de sua função de atazanar as pessoas. Não quis fugir às suas características, mas também busquei evitar cair no lugar-comum. É um livro infantil que agradará também outros públicos, pois se preocupa, antes de mais nada, em contar uma história.

Fale um pouco sobre a literatura de cordel no Brasil e seu interesse por esse estilo.

Não há, em nenhum outro país, uma literatura popular com o mesmo vigor daquela praticada no Brasil. E o cordel, gênero da poesia popular, é o maior responsável por essa honraria. Entrei em contato com o cordel ainda criança, na Ponta da Serra, localidade rural do sertão baiano, no município de Riacho de Santana. Quem me apresentou à literatura de cordel foi minha avó paterna, Luzia Josefina. Ela era também grande contadora de histórias. Num armário antigo, na sala, estava o baú do tesouro: uma gaveta na qual ela guardava os folhetos e romances de cordel. Aos seis anos eu já sabia o que queria. Com essa idade, tentei escrever o primeiro cordel. Aos oito eu já fazia ABCs (cordéis mnemônicos que seguem a ordem do alfabeto), poemas diversos e vários romances de cordel, espalhados por muitos cadernos que guardo como um tesouro.

Qual outro personagem do folclore você escreveria um livro e por quê?

Acho Cobra Norato uma das mais belas lendas, por misturar as tradições indígenas com as crenças europeias. Também escreveria sobre uma lenda urbana, A Moça do Cemitério, que tem forte apelo junto aos jovens, apesar de sua temática ser muito antiga.

Na sua opinião, o que as crianças mais gostam na história do Saci?

O Saci é um personagem que tem DNA africano, indígena e europeu. Entretanto tudo aconteceu espontaneamente, sem interferência consciente. As suas peraltices remetem aos seres do folclore europeu, como duendes e leprechauns. A única perna faz lembrar a lenda do ciápode, um ser mitológico. O gorro também é europeu. A cor e o cachimbo são referências africanas. Em alguns lugares, como no nordeste, ele é retratado como a ave peitica. Acredito que essa mistura facilita a rápida identificação, pois aproxima o personagem de culturas aparentemente tão distintas. Outra coisa a considerar é a peraltice, tão própria das crianças. Embora o Saci exagere em algumas brincadeiras, as crianças acabam se identificando com esse lado traquinas do personagem.

Entrevista concedida à assessoria de imprensa da Paulus — 21/10/2009


A história do saci
26 de Outubro de 2009
No dia 31 de outubro é comemorado o “Dia do Saci”, essa figurinha inusitada e divertida do folclore brasileiro, que agora é protagonista do novo livro de Marco Haurélio, A Lenda do Saci-Pererê em cordel, lançamento da PAULUS.

Com toda a magia da literatura de cordel, o autor conta que o Saci foi abandonado, mas, felizmente, foi encontrado por um casal que sentiu muita pena da criança magra e desprezada. Como se não bastasse, ela tinha uma perna só.

Era um menino faceiro,
tinha olhos gateados
e a expressão que é própria
dos meninos levados,
mas nos bebês estes traços
às vezes não são notados.

Saci foi crescendo e aprendendo tudo rapidamente… mas após o seu batizado ele sumiu, retornando à fazenda onde cresceu, depois de muito tempo, para fazer o que ele mais gostava: algazarras! Amassar panelas, misturar açúcar com farinha na mesma vasilha e assustar os animais são alguns exemplos de suas travessuras prediletas. Depois de muito aprontar, descobriu-se que os poderes do Saci estão concentrados em seu inseparável gorro vermelho, que se for arrancado… adeus, algazarras!

Com linguagem criativa e um colorido contagiante nas ilustrações, a obra tem como objetivo preservar o mito do Saci, contado de geração para geração, além de servir como instrumento para promover, entre crianças e jovens, o interesse pela cultura e pelas raízes do nosso país.

A Lenda do Saci-Pererê em cordel pertence à renomada coleção Mistura Brasileira, cuja proposta é recontar histórias que construíram a identidade do Brasil, como Chico Rei, de Renato Lima, Foi quando a Família Real chegou…, de Lúcia Fidalgo, A terra sem males – Mito Guarani, de Jakson de Alencar, entre outros.



Marco Haurélio nasceu na Ponta Serra, município de Riacho de Santana, sertão da Bahia, em 1974. É considerado um dos grandes nomes da literatura de cordel e tem vários títulos escritos neste gênero poético. Pesquisador das tradições populares, reuniu variadas histórias da nossa tradição oral no livro Contos folclóricos brasileiros (PAULUS).


Elma nasceu em Recife e hoje mora em João Pessoa. Quando criança, costumava ir à escola onde sua mãe trabalhava e lá passava horas observando o carinho que ela dedicava ao ensinar crianças especiais. Há quatro anos vem ilustrando para crianças e mostrando um universo que ela aprendeu quando sua mãe, uma professora “especial”, começou a mostrar e ensinar-lhe o mundo das letras e cores.