Recriada por artistas de várias épocas, na literatura e, depois, no cinema, a lenda do rei Artur ainda hoje fascina e emociona. Os outros personagens da saga, a exemplo do mago Merlin, dos cavaleiros Lancelote e Persival e da rainha Guinever, também exercem fascínio e estão presentes no imaginário de muitos povos. Agora, Cícero Pedro de Assis apresenta em sextilhas de cordel a sua versão da história. Rei Artur e os cavaleiros da Távola Redonda em cordel, com ilustrações do conceituado xilogravador Erivaldo Ferreira da Silva. O livro integra a coleção Clássicos em Cordel, da editora Nova Alexandria.
Leia abaixo trechos da apresentação assinada pelo pesquisador Aderaldo Luciano:
A história do rei Artur,
personagem sobre quem são depositadas as dúvidas da existência, é rodeada de
nuvens. Oriundo da Idade Média, protagonista das novelas de cavalaria,
guerreiro fundador da Távola Redonda, defensor da Grã-Bretanha, o lendário
Artur perfaz o caminho literário abraçado pelas veredas do folclore. Se, de um
lado, autores encontram nele elementos históricos, por outro, o povo lhe confia
atributos lendários.
Leia abaixo trechos da apresentação assinada pelo pesquisador Aderaldo Luciano:
É Geoffrey de Monmouth, no século
XII, quem apresenta uma genealogia para o rei no livro História dos Reis Britânicos. Filho de um relacionamento manipulado
pelo mago Merlin, entre Uther Pendragon e Igraine, Artur recolhe para si as
características mágicas que o transformarão no herói nacional britânico.
Segundo alguns estudiosos, o autor Monmouth escreveu o percurso arturiano a
partir de histórias, crônicas e poemas bem anteriores à época em que viveu. Enquanto
Monmouth introduz genealogia e cenário para Artur como o caso da espada
Excalibur, fincada na pedra, de onde só as mãos de um predestinado seriam
capazes de arrancá-la, é o francês Chrétien de Troyes, já no final do século
XII, o responsável pela confecção do universo místico formador do ciclo
arturiano das novelas de cavalaria. Por Troyes tomamos contato com a busca pelo
Santo Graal, o cálice no qual Cristo bebeu o vinho da última ceia em que José
de Arimateia recolheu seu sangue depois da crucificação. A Morte
de Artur (1485), de Sir Thomas Malory, é, no entanto, a obra mais conhecida
do chamado ciclo arturiano.
Por sua característica épica é
que o personagem rei Artur não morre no tempo. Por isso, ainda, o seu retorno
triunfal, como best seller, na obra literária de Marion Zimmer Bradley, As brumas de Avalon. Nomes como Morgana,
Merlin, Guinever, Persival, Igraine entraram para a nossa vida. Apesar de a
lenda de Artur já ser conhecida, havia ali um ar mágico, visto que narrado por
Morgana, a senhora da magia.
O retorno do rei
Nigel Terry encarna o rei Artur no memorável filme de John Boorman, Excalibur |
Com a
consolidação do cinema nos anos 50 do século XX, as novelas de cavalaria
ganharam novo impulso e o rei Artur materializou-se no corpo de
atores e em filmes de animação. Desde 1953, talvez a primeira adaptação,
Os cavaleiros da Távola Redonda,
dirigido por Richard Thorpe, com Robert Taylor como Lancelot e Mel
Ferrer como o rei Artur, até 2004, com a produção Rei Artur, de Antoine Furqua, mais de 20 filmes foram rodados
sobre o tema. O clássico Excalibur
(1981), de John Boorman, além de ser o melhor filme sobre Artur, é a
versão cinematográfica mais fiel à lenda.
Vale citar o longa-metragem de
animação produzido pelos estúdios Disney em 1963, A espada era a lei, e uma
adaptação do livro de Charles G. Finney, As
sete faces do Dr. Lao, de 1964, a qual apresenta um Merlin decadente,
idoso e ranzinza que já não consegue fazer truques mágicos, artista de
circo, ao lado de Pan, o deus grego da natureza, e outras atrações, em um
circo mambembe no Arizona, interior dos EUA. Para quem gosta de
cinema francês, é fundamental a adaptação de Robert Bresson, Lancelot Du Lac, de 1974. Para os leitores
de histórias em quadrinhos, lembramos do Príncipe
Valente, criado por Hal Foster e publicado pela primeira vez em 1937.
Rei Artur em cordel
A adaptação dos clássicos para o
cordel é uma tradição. Os livros do povo, como dizia Câmara Cascudo, tiveram
sua versão em cordel nos primeiros dez anos do século XX. Encontraremos a
Donzela Teodora, a Imperatriz Porcina, Genoveva de Brabante, Rosa de Milão e
outros personagens clássicos universais agindo nas sextilhas do cordel. As
novelas de cavalaria também passaram por esse filtro poético. Os estudiosos
apontam um hipotético ciclo carolíngio, ligado a Carlos Magno, com Oliveiros e
Ferrabrás, Roldão e até Joana d’Arc. Entretanto a matéria do rei Artur foi
pouco explorada.
Talvez a ligação remota com o
ciclo arturiano tenha se dado com Roberto do Diabo. Agora aparece o rei Artur,
do poeta Cícero Pedro de Assis. A narrativa é mediada pelo matiz episódico, mas
o poeta inicia com uma sextilha sobre a paixão, para adiantar a trama urdida
por Merlin para a concepção de Artur:
A paixão é sentimento
Que deixa o peito arrasado
Porque sem dó cega os homens,
Isso é fato consumado.
Há quem cometa loucura
Quando está apaixonado.
Cícero é um poeta senhor do seu
ofício no cordel e consciente de sua importância. A estrofe final do seu poema é
a marca do caráter literário escrito: o acróstico, a tradicional assinatura e marca
poética visível ao leitor. O acróstico de Cícero é primoroso, uma confissão
sobre o trabalho que é adaptar:
Concluí a grande
história,
Importante e
valiosa,
Conhecida em todo
o mundo.
Eu depois de
lê-la em prosa,
Resolvi contar em
versos,
Obra que sei que
é famosa.
Cícero Pedro de Assis é
pernambucano, nascido em Caruaru aos 18 de julho de 1954. Membro da Academia
Brasileira de Literatura de Cordel, ocupa a cadeira de nº 30, cujo patrono é o
grande poeta paraibano José Galdino da Silva Duda. Radicado na cidade de São
Paulo desde 1970, é poeta atuante. Dr. Cilso, como costuma se apresentar, escreveu
outras adaptações para o cordel como As aventuras
de Robinson Crusoé e Aventuras de
Simbá, o marujo (Editora Luzeiro).
Trecho inicial do livro
A paixão é sentimento
Que deixa o peito arrasado
Porque sem dó cega os homens,
Isso é fato consumado.
Há quem cometa loucura
Quando está apaixonado.
Uso a força de meus versos,
Que espero que não se esconda,
Pra falar do rei Artur
E a Távola Redonda,
Formada de cavaleiros,
Forçosos qual brava onda.
Quando Uther Pendragon
Era rei da Inglaterra,
Muitas vezes ocorria
Lá no seu reinado guerra,
Deixando visível marca,
Como incêndio numa serra.
Uma delas contra o duque
De Tintagil foi mantida,
Destruindo cruelmente
O bem maior que é a vida,
Que deve ser respeitada
E com amor protegida.
Pendragon, com muito tino,
Fez proposta pela paz
Ao duque de Tintagil,
Com modo muito loquaz.
Não queria ali mais guerra,
O que só tristeza traz.
Indo ao castelo real,
O duque de Tintagil
Levou consigo a esposa.
Mostrando-se o rei gentil,
Pendragon sentiu por ela,
Logo um desejo febril.
Tinha o nome de Igraine
A mulher apaixonante.
Porém o duque notando
Do rei por ela o semblante,
Partiu sem que lhe avisasse.
Não ficou mais um instante.
Logo que soube do duque
A partida repentina,
O rei muito enfureceu-se,
Quase que não se domina.
Mandou chamá-lo de volta
Sob ameaça ferina.
(...)
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