Antônio Teodoro dos Santos, o Poeta Garimpeiro, foi o grande desbravador da Literatura de Cordel em São Paulo |
A história
do Cordel em São Paulo está diretamente ligada à diáspora nordestina e ao
interesse de uma tradicional editora, fundada por um imigrante português, na
década de 1910, em contemplar a grande massa de leitores,composta por
trabalhadores atraídos pelas oportunidades de trabalho que a incipiente
indústria brasileira oferecia. Abaixo, apresento um resumo desta história
adaptado a partir do capítulo
O Cordel no Sudeste, que integra o livro Breve história da Literatura de
Cordel (ed. Claridade, 2010).
A Tipografia Souza, dirigida pelo imigrante
português José Pinto de Souza (1881-1950), surgiu em 1912. Segundo Joseph
Luyten, José Pinto veio para o Brasil em 1895, estabelecendo-se como tipógrafo
na capital paulista. A princípio, a tipografia publicava modinhas e folhas
soltas. Depois, foram editadas histórias tradicionais portuguesas em prosa e
verso. Luyten informa que, desde a década de 1930, tais histórias foram
retrabalhadas por poetas brasileiros, em geral nordestinos. Desta tipografia
surgiu, em 1952, a
editora Prelúdio, dirigida pelo filho de José, Arlindo Pinto de Souza e seu
meio-irmão Armando Augusto Lopes.
No mesmo período, o poeta baiano Antônio
Teodoro dos Santos apresenta alguns originais à editora. Teodoro escrevia sobre
tudo, para todos. Seu cordel Vida e tragédia
do presidente Getúlio Vargas, de 1954, escrito após o suicídio de Getúlio,
vendeu, na primeira edição, impressionantes 260 mil exemplares. Começa o período áureo da Literatura de
Cordel publicada no Sudeste. A obra de Teodoro é vasta e de boa qualidade e,
dentre os muitos títulos de sua lavra, ainda se destacam João Soldado, o valente praça que meteu o Diabo num saco e Lampião, o rei do cangaço, clássicos
incontestes.
Para expandir a linha editorial abraçada pela
Prelúdio, Arlindo Pinto se valeu de um artifício: publicou, sem autorização,
títulos de grandes autores nordestinos. Manoel D’Almeida Filho e Rodolfo Coelho
Cavalcante estavam entre as vítimas da “apropriação indébita”. Bateram às portas
da editora e ouviram de Arlindo uma desculpa que acabou sendo convincente: as
obras foram publicadas para forçar um contato com os autores residentes no
Nordeste. Deu certo. Os poetas tornaram-se amigos e revendedores do esperto
editor. Almeida, tempos depois, se tornaria o selecionador de textos da
editora, função que exerceu até 1995, ano de sua morte.
Manoel D'Almeida Filho, mesmo residindo em Sergipe, era o principal consultor da Luzeiro |
A Prelúdio, após decretar falência, em 1973, adotou
a razão social da Luzeiro (do Norte), de João José da Silva, de quem adquiriu
os direitos de publicação de títulos de autores clássicos, como Manoel Pereira
Sobrinho, José Camelo de Melo Resende, Severino Borges Silva e Caetano Cosme da
Silva. Fez do nome o símbolo de seu renascimento. E, superando os problemas, a
Luzeiro seguiu imprimindo os clássicos do gênero sob a orientação abalizada de
Manoel D’Almeida Filho. Entre 1980 e 1986, a editora, com mais de seiscentos
revendedores espalhados por todo o Brasil, viveu um ótimo momento.
O fracasso do Plano Cruzado, a partir de
1987, seguido da grave crise econômica que prostrou o país, atingiu em cheio a
casa paulistana. O Cordel, aos poucos, desaparecia das feiras. Em 1995, Arlindo
Pinto de Souza, desiludido com os efeitos da crise e o desinteresse dos filhos
em dar continuidade à tradição familiar, vendeu a editora à firma dos Irmãos
Nicoló, e a Luzeiro passou por um período de dificuldades. No mesmo período
morre, vítima de enfisema pulmonar, Manoel D’Almeida Filho, amargurado ante o
futuro incerto da editora e da própria Literatura de Cordel. Numa carta
emocionada endereçada ao “compadre” Arlindo, o velho poeta não esconde a
decepção e pressagia o próprio fim, que não tardaria a chegar.
Hoje, Gregório Nicoló é o único proprietário,
e a Luzeiro, superando alguns problemas, renova as suas publicações, mantendo
os títulos tradicionais, ainda com boa aceitação popular. Cordéis do acervo da
velha Prelúdio, há muito fora de catálogo, retornaram às prateleiras e novos
poetas foram incorporados ao elenco da editora. Nomes como Arievaldo Viana,
Varneci Nascimento, Marco Haurélio, Rouxinol do Rinaré, Cacá Lopes, Evaristo
Geraldo e Moreira de Acopiara, ao lado dos veteranos João Firmino Cabral,
Antônio Alves da Silva e Mestre Azulão trouxeram novo alento ao cordel editado
em São Paulo.
Outras iniciativas
Desde fins da década de 1970 até boa parte
dos anos 1980, o pernambucano Jota Barros (João Antônio de Barros) e o baiano
Franklin Maxado disputavam fregueses na Feira de Artes da Praça da República.
Na Praça da Sé, o violeiro pernambucano João Cabeleira revendia os folhetos da
Luzeiro, que ainda estavam expostos em várias bancas de revistas do Brás,
bairro onde a editora estava estabelecida, à Rua Almirante Barroso. Outro
grande divulgador foi o engajado poeta e ator pernambucano Rafael de Carvalho,
cuja morte precoce, no início dos anos 1980, impediu a continuidade de um
trabalho de cunho reivindicatório de suma importância, hoje quase esquecido.
Antônio Amaury Correa, estudioso do cangaço,
e em especial de Lampião, também contribuiu para ampliar a bibliografia em
versos do bandoleiro. O seu Lampião: origens
de família e primórdios guerreiros do famoso cangaceiro é o único dos oito
folhetos sobre o tema que foi publicado. Conta com belíssimas xilogravuras de
Jerônimo Soares, e é hoje uma raridade. Severino José (Zacarias José), poeta
popular e colecionador de folhetos, teve atuação marcante junto ao movimento
sindical. O folheto Acidentes de trabalho
no ramo da construção abriu espaço para outros trabalhos “de encomenda”, em
que usam a fácil comunicação da Literatura de Cordel para alertar a respeito da
prevenção de acidentes, doenças e até mesmo promover a conscientização
política.
O mineiro Téo Azevedo (Teófilo de Azevedo
Filho), repentista, cantor e compositor, gravado por grandes nomes da MPB, como
Luiz Gonzaga e Zé Ramalho, esporadicamente dedica-se à Literatura de Cordel.
Escreveu, em parceria com Klévisson Viana, A
peleja de São Paulo com o monstro da violência, um folheto que toca no
“calcanhar de Aquiles” da metrópole: a segurança pública.
Caravana do Cordel
Outro que fator que contribuiu para a
afinação entre os membros do grupo foi o lançamento da coleção Clássicos em
Cordel, da editora Nova Alexandria. Alguns membros da Caravana são autores da
referida coleção: o alagoano João Gomes de Sá trouxe para o Nordeste os
personagens de O corcunda de Notre-Dame, de Victor Hugo. Varneci
Nascimento, baiano de Banzaê, recontou em cordel o clássico de Machado de
Assis, Memórias póstumas de Brás Cubas. O cerarense Moreira de Acopiara
deu nova vestimenta ao famoso romance de Daniel Defoe, As aventuras de Robinson
Crusoé. Costa Senna, seu conterrâneo, cordelizou Viagem ao centro da
Terra, de Júlio Verne. E Cícero Pedro de Assis deu continuidades aos
romances de cavalaria, trazendo para o Cordel a emblemática história do Rei
Artur e os cavaleiros da Távola Redonda. Além de autores residentes em
outros estados, a coleção ainda traz versões poéticas de dois clássicos de
William Shakespeare: A megera domada (por Marco Haurélio) e Romeu e Julieta
(por Sebastião Marinho).
Autores publicados pela Luzeiro, apoiadora da
iniciativa, também marcam presença no grupo: Nando Poeta, Cleusa Santo, Pedro
Monteiro, Luiz Wilson, Cacá Lopes, Carlos Alberto e Josué Araújo, entre outros.
Aderaldo Luciano, doutor em Letras pela UFRJ, também trouxe valiosa
contribuição, transformando o grupo num movimento-escola. O lema criado por
João Gomes de Sá – É o mundo do Cordel para todo o mundo! –, coroando o êxito
da Caravana do Cordel, tornou-se, também, um legítimo manifesto.
Nota: Texto publicado, com modificações, no livro Acorda Cordel na Sala de Aula, de Arievaldo Viana (org).
Nota: Texto publicado, com modificações, no livro Acorda Cordel na Sala de Aula, de Arievaldo Viana (org).
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