Navegando com o Cordel

quarta-feira, 9 de novembro de 2022

ROLANDO BOLDRIN, O IMENSO ARTISTA QUE O BRASIL PERDEU

 

Lançamento do livro História de Contar o Brasil.
Bienal do Livro de São Paulo, 2012.

O dia 9 de novembro de 2022 ficará marcado por ser o da despedida de dois grandes artistas, duas grandes potestades da natureza, dois talentos de um Brasil gigante, geográfica e musicalmente. Nem deu tempo prestar uma homenagem adivinha e maravilhosa Gal Costa, e já deparo com outra perda, outra peça fundamental do tabuleiro da cultura brasileira: Rolando Boldrin. Ator, cantor, compositor, contador de histórias, apresentador de TV, Boldrin era o último de sua linhagem, artista a um só tempo telúrico e cósmico. Conheci-o ainda na infância, por meio de uma TV preto e branco, por onde assistíamos o Som Brasil, na Globo, programa que ele apresentava com orgulho e galhardia e que trazia, ainda, o lendário Ranchinho, da dupla com Alvarenga, artistas que tanto inspiraram Boldrin desde a sua infância em São Joaquim da Barra, interior paulista.

Em 2012, a convite da editora Nova Alexandria, fui cuidar da edição de seu livro História de Contar o Brasil, ajuntamento de causos, com uma crônica mal disfarçada em prefácio, missão que aceitei com indisfarçável orgulho. Na época, não estava mais fixo na editora, onde trabalhei por quatro anos e meio, que era a casa publicadora do nosso mestre caipira. O meu trabalho era padronizar o texto, escrito no dialeto caipira de Cornélio Pires, e sanar as dúvidas com o autor, que publicara outros dois livros pela editora: Contando Causos e Proseando: causos do Brasil. Uma tarde, a convite da Rosa, diretora editorial da Nova Alexandria, e de seu irmão, o saudoso Paulo Zuccherato, fomos encontrar Boldrin na sede da TV Cultura, para acertar as últimas pendências sobre o livro. Foi ele que indicou o local. Quando estávamos chegando à sede da emissora, Boldrin acenou de longe, já entrando em seu caso, uma land rover preta, salvo engano, pedindo que o seguíssemos. Não entendemos nada, mas, fazer o quê, seguimos em seu encalço.

Fomos parar no shopping Villa-Lobos, num estacionamento interno, onde um funcionário, consternado, assim que o viu descer, pedia mil desculpas. E nós, até ali, sem entendermos nada. Boldrin, que ria muito, tranquilizou o rapaz e entregou-lhe as chaves do carro. Este as recebeu e deu-lhe outras chaves, e fez mais um rogatório para que Boldrin o desculpasse. Só então, com seu jeito peculiar de contar histórias, ele nos contou o que aconteceu: “Olha, peguei as chaves do carro e me pus a caminho da Cultura, com medo de me atrasar pra reunião com vocês. No meio do caminho, resolvi pôr uma musiquinha, mas quando liguei o rádio, entrou um rock pesado... Pensei que o carro estava possuído. Só então me dei conta de que o manobrista errou de carro. Quando vocês chegaram, eu estava indo ao shopping para devolver o sósia e pegar o meu de volta...”

O resto da tarde foi de muitos causos, incluindo um que ele disse ter lido num livro de Leonardo Mota, o Leota, escritor que ele tanto admirava. Um artista desconhecido que fazia compras no local, reconhecendo-o, presenteou-lhe com um CD.

O livro História de Contar o Brasil foi lançado em dois momentos: na Livraria Cultura do Conjunto Nacional e na Bienal Internacional do Livro de São Paulo, como marco comemorativo dos 20 anos da editora Nova Alexandria. Dez anos depois, o Brasil se despede daquele que o tratava respeitosamente por Senhor.

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