Foto: Glissia Marla (terreiro da casa de Tia Lili, na Ponta da Serra). |
A casa em que nasci fica à beira da mata que margeia a Serra
Geral. Daí que o vento que descia da serra, por vezes, parecia o grito agônico
das almas condenadas. Em noites de tempestade, então, era rezar pra Santa
Bárbara e esperar que os raios caíssem bem longe. Mas eles, teimosamente,
pipocavam em vários pontos do quintal, trazendo um brilho momentâneo, intenso.
Fantasmagórico.
Lembro-me de uma dessas chuvas, em que o vento gemia
ameaçador no nosso telhado. O ouricuri, no terreiro, balançava tanto que
parecia um cavaleiro que, com muito esforço, se mantinha sobre a montaria.
Portas e janelas bem fechadas e espelhos cobertos, como reza a tradição. Foi
quando minha mãe, retornando da cozinha, depois de dizer algumas palavras
incompreensíveis a mim e aos meus irmãos, atirou um punhado de farinha pela
janela. E o vento foi diminuindo o seu ímpeto, até ser reduzido a um resfolego
e cessar de vez. A chuva, felizmente, continuou por toda a noite, molhando a
terra que, há meses, esperava por ela.
As cinzas da palha do Domingo de Ramos têm a mesma função
"mágica".
O que parou o vento naquela noite? Não sei. O que sei é que,
há milhares de anos, homens e mulheres barganham com os deuses (e o Vento é um
deus caprichoso) ou fazem sacrifícios votivos para aplacar-lhes a fúria. O
gesto de minha mãe foi funcional, mecânico, como o do viandante que deixa cair
uma moeda sobre a estrada por onde passará, em troca de proteção contra os que
respiram e também contra as “plataformas”. Ou o do ribeirinho, que compra o
obséquio do Compadre d’Água, duende do rio São Francisco, com um pedaço de
fumo, para que este ajude ou, no mínimo, não atrapalhe a sua pescaria.
No sertão, portanto, não se pode falar em sobrenatural. Os
domínios dos vivos são os mesmos das visagens. Duvida? Passe embaixo duma
gameleira numa noite de sexta-feira e depois me conte o que viu...
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