sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

O principe que via defeito em tudo



A história dO príncipe que via defeito em tudo , recontada por mim em versos de cordel, tem origem num conto tradicional, adaptado para a poesia, sendo mantidos seus elementos essenciais. Este conto é muito conhecido no sertão baiano, onde o nasci. Faz parte do rol de histórias de nossa literatura oral, que garante a riqueza do folclore brasileiro.

O tema predominante é o orgulho, que faz com que o mimado príncipe Ivan, personagem principal, despreze os animais e as pessoas. Ele chega a questionar a necessidade da existência de dois animais que considera completamente inúteis: uma mutuca (espécie de mosca) e uma aranha. O único que ainda o escuta é o seu pajem Jasão, que tenta sempre convencê-lo do contrário, sem sucesso. Ivan é herdeiro do trono de Agadir, país que paga tributos para a poderosa Turquia. O príncipe, num ato de arrogância, questiona esta submissão à Turquia, o que desencadeia uma guerra, movida pelo rei Oscar, soberano turco.

Perseguido pelos soldados do rei inimigo, o príncipe Ivan aprenderá uma lição que mudará para sempre a sua vida. E entenderá que, na natureza, todos os animais, até aqueles que são aparentemente insignificantes, têm o seu valor.
O motivo de o antagonista (rival) do orgulhoso príncipe Ivan ser o rei turco se deve a um fato histórico: a existência do Império Otomano, fundado por Osman I, que existiu entre 1299 e 1922 e englobava a Anatólia (Turquia asiática), o Oriente Médio, parte do norte de África e do sudeste europeu. A ferocidade dos guerreiros otomanos assombrou muitos povos à época de seu apogeu.

Nas cavalhadas, uma das mais belas manifestações da cultura popular brasileira, resta, diluída, a lembrança dos embates entre mouros (turcos e cristãos). Em Serra do Ramalho, na Bahia, na véspera de são João, ocorre uma encenação a céu aberto, que reconta a saga do imperador cristão Carlos Magno (747-814) em guerra com o almirante Balão, rei dos turcos. Esta modalidade é a cavalhada teatral, que mescla a encenação à demostração de habilidades dos cavaleiros, lembrando as justas (torneios medievais). Na literatura de cordel, há um romance clássico A batalha de Oliveiros com Ferrabrás, do grande poeta Leandro Gomes de Barros (1865-1918), extraido do Livro de Carlos Magno, que narra um combate entre um paladino (herói) cristão e um gigante turco.

Luís da Câmara Cascudo (1897-1986) recolheu um conto similar, Como a aranha salvou o Menino Jesus, integrante da antologia Contos tradicionais do Brasil. O motivo é idêntico ao de nosso conto, exceto os personagens. Nele, aprendemos que matar aranha dá infelicidade, pois esse animal salvou o Menino Jesus da perseguição dos soldados do rei Herodes. Há versões árabes, africanas e europeias desta mesma história. Outra versão foi colhida por mim (Contos Folclóricos Brasileiros, Paulus), sob o nome O Príncipe, a Mosca e a Aranha.

A estrutura do cordel

O nosso cordel está estruturada conforme as regras básicas do gênero: 40 estrofes de seis versos (linhas) chamadas sextilhas, de sete sílabas poéticas. Nosso texto segue a linha tradicional do gênero, pois, além de cordelista, sou pesquisador da cultura popular, em especial do conto tradicional. Na estrofe abaixo, cito o processo natural de difusão dos contos e de outras manifestações da literatura oral:

Há um ditado que diz
Que quando alguém conta um conto,
Dependendo de quem seja,
Sempre aumentará um ponto.
Sabendo do desrespeito,
O rei Oscar ficou tonto.

A estrofe final é uma oitava (estrofe de oito versos) e traz a assinatura poética do autor (HAURELIO), conhecida como acróstico:

Honra é a virtude dos que
Alcançam grande vitória.
Um príncipe que era orgulhoso
Reviu sua trajetória
E escolheu outro caminho,
Lidando com sina inglória.
Isso é o que nos ensina
O fim desta bela história.

O acróstico foi introduzido no cordel por Leandro Gomes de Barros, mas foi usado largamente por outros poetas populares. Naquele tempo, servia para identificar o autor do folheto de cordel, que nem sempre tinha seu nome estampado na capa. Hoje, é mais um motivo enriquecedor, que faz jus à tradição mais que centenária do cordel brasileiro.


Marco Haurélio e Nireuda, autor e ilustradora

O príncipe que via defeito em tudo, ilustrado por Nireuda, pode ser adquirido na editora Acatu ou nas melhores livrarias.

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