quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

120 anos de Luís da Câmara Cascudo



Republico este perfil que escrevi há alguns anos, homenageando nosso mais destacado folclorista que, no penúltimo dia do ano, completa 120 anos de nascimento. 


Perfil biográfico

No Brasil, à margem da cultura livresca, dos modelos de comportamento e de conduta importados, dos salões opulentos, da nobreza caricata, vicejou opulenta, portentosa, espantosa literatura oral, fazendo, muitas vezes, pela boca de uma única pessoa se manifestarem conhecimentos que remetem a civilizações há muito defuntas. Pode-se argumentar que apenas um retalho, ou, menos ainda, um fiapo das antigas tradições chega até nós. Mas não é pouco. Na contística popular do Nordeste brasileiro, por exemplo, é possível se escutar uma história que, em essência, é a mesma que os povos estabelecidos à margem do Nilo, no Egito, repetem há mais de 3.000 anos. As nossas orações aos santos, ligeiramente modificadas, em tempos de antanho, devem ter acalmado a fúria e comprado o obséquio de muitos deuses de incontáveis panteões. Dessa literatura oral a arte de um país que se pretende sério será sempre a maior tributária. E, para a sorte do Brasil, as tradições populares, além das vozes anônimas que a perpetuaram, tiveram um zeloso guardião. Seu nome? Luís da Câmara Cascudo.

Nascido em Natal, Rio Grande do Norte, no dia 30 de dezembro de 1898, filho de Francisco Cascudo, militar que, no final da vida, dedicou-se ao comércio, e de Ana Maria da Câmara Pimenta, o futuro folclorista e historiador veio ao mundo pelas mãos habilidosas da parteira Bernardina Nery. Segundo depoimento de sua filha, Ana Maria Cascudo Barreto, “Luís tinha sido um sobrevivente das moléstias que acometeram seus irmãos. Maria Octávia e Antonio Haroldo faleceram em Caicó, onde o genitor era Delegado Militar. Já em Natal, Maria Severina, que trazia os olhos azuis paternos, morreu em 1903, com um ano e três meses. Todos sucumbiram da mesma enfermidade, crupe ou difteria”. O nome, que homenageia Luís IX, São Luís, rei de França, deve-se à promessa materna.

Apesar das restrições paternas que visavam resguardá-lo das moléstias que levaram seus irmãos, Cascudinho, como também ficou ternamente conhecido, do seu quarto, imaginava-se envolvido em muitas peraltices, como tomar banho frio e pescar no rio Potengi, que banha a cidade em que nasceu. Cursou Medicina em Salvador e no Rio de Janeiro, mas não concluiu o curso. Concluiu em 1928, o curso de Direito em Recife e o de Etnografia, na Faculdade de Filosofia do Rio Grande do Norte. Em 1929, casou-se com Dhália Freire, companheira de toda a vida. Desta união nasceram seus dois filhos: Fernando Luís e Ana Maria. Em 1921, publicou seu primeiro livro, Alma patrícia, um resumo biográfico sobre personagens de seu estado natal. A primeira grande contribuição aos estudos da Etnografia veio com a publicação, em 1939, de Vaqueiros e cantadores, verdadeiro inventário da poesia popular do Nordeste do Brasil, abrangendo desde a poesia tradicional de origem ibérica ao manancial de histórias trágicas e cômicas da rapsódia nordestina.

No campo da contística popular, sua obra mais famosa é Contos tradicionais do Brasil (1946), compêndio que reúne histórias ouvidas na infância junto à ama analfabeta, mas de inteligência vivaz, Luísa Freire, ou recolhidas junto aos tipos populares de seu estado. Não se opôs ao sistema de catalogação Aarne-Thompson, mas sugeriu uma nova divisão que contemplasse melhor sua recolha. O livro tem incontáveis edições no Brasil. Outra obra de destaque, Geografia dos mitos brasileiros (1948) reúne o vasto bestiário nacional e as assombrações, de origem variada, mostrando sua área de abrangência, as ocorrências em obras clássicas de todas as épocas, amparadas por uma inigualada erudição. Câmara Cascudo escreveu centenas de livros, além de artigos espalhados por revistas e jornais, cobrindo diversas áreas do conhecimento humano. Organizou, em 1954, um monumental Dicionário do Folclore Brasileiro, talvez sua obra mais importante, obrigatório para todos os que se debruçam sobre o que ele denominava “Ciência da psicologia coletiva”.

Luís da Câmara Cascudo nos deixou em 30 de julho de 1986, aos 87 anos. Sua obra continua a ser reeditada pela Global Editora e segue sendo estudada e difundida no Brasil e em outros países. Estudioso também da religião e dos costumes, foi alçado à condição de santo em 2007, no Simpósio Internacional dos Contadores de Histórias, ocorrido no Rio de Janeiro. A função a ele atribuída não poderia ser mais apropriada: São Cascudo, Padroeiro da Tradição.

Marco Haurélio

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