Luís da Câmara Cascudo |
O que vem
a ser mesmo o Folclore, esta “cultura do popular tornada normativa pela tradição”,
segundo mestre Luís da Câmara Cascudo? Quem são os garimpeiros que foram a
campo, coligiram, estudaram e, mais raramente, interpretaram, à luz de mais de
uma doutrina, as sementes espargidas em muitos locais, desde o tempo em que se
acreditava que a Terra tinha quatro cantos? Eles atendem por vários nomes e
pertencem a uma Sociedade Internacional, sem sede definida e cujos estatutos,
sempre renovados, atualizados, valem em qualquer tempo e lugar. Atendem pelos
nomes de Jakob e Wilhelm Grimm, Aurélio M, Spinosa, Carmen Lyra, Teófilo Braga,
Adolfo Coelho, Sílvio Romero, João Ribeiro, General Couto de Magalhães,
Lindolfo Gomes, Consiglieri Pedroso, Leite de Vasconcelos, René Basset,
Carolina Michaelis de Vasconcelos, Paul
Sebillot, Giuseppe Pitré, Ion Creanga, Aleksander Afanas’ev, Joseph Jakobs,
João da Silva Campos, Leite de Vasconcelos, Stith Thompson, Luís da Câmara
Cascudo, Raffaele Corso, Andrew lang, Aluísio de Almeida, Waldemar Iglésias
Fernandez, Oswaldo Elias Xidieh, Altimar Pimentel, Carlos Rodrigues Brandão, Idália
Farinho Custódio, Abdulaziz Al Mussalam, Maria Aliete Farinho Galhoz, Theo
Brandão, Joaquim Ribeiro, Edil Costa, Daniel D’Andrea, Doralice Alcoforado,
Oswaldo Meira Trigueiro, Paulo Correia, Francisco Assis de Souza Lima, Ruth
Guimarães, José Joaquim Dias Marques, Bráulio do Nascimento, Isabel Cardigos etc.
e tantos outros admiráveis guardiães do Jardim da Tradição!
William John Thoms |
O termo Folclore (de folk, povo, e lore,
saber, conhecimento), que abrange, além do patrimônio oral, tradições diversas
vinculadas a usos, crenças e costumes, definidoras dos laços identitários que
justificam a existência de povos e nações, surgiu nas páginas da revista
londrina The Atheneum, no dia 22 de agosto de 1848. Empregou-a, pela
primeira vez, sob o pseudônimo Ambrose Merton, o arqueólogo William John Thoms,
bibliotecário da Câmara dos Lordes e reconhecido antiquário. O neologismo foi
adotado pelos povos latinos, substituindo a palavra demologia. Os primeiros
folcloristas concentraram esforços em recolher antigas tradições, frente ao
risco iminente de desaparecimento. Peter Burke, em Cultura popular na Idade Moderna, relata essa “corrida do ouro” que
desconcertou os humildes moradores de regiões até então pouco lembradas pelas
elites econômicas e do pensamento: “Foi no final do século XVIII e início do
século XIX, quando a cultura popular tradicional estava justamente começando a
desaparecer que o ‘povo’ (o folk) se converteu num tema de interesse para os
intelectuais europeus. Os artesãos e camponeses decerto ficaram surpresos ao
ver suas casas invadidas por homens com roupas e pronúncias de classe média,
que insistiam para que cantassem canções tradicionais ou contassem velhas
histórias (2010, P. 26)”.
Doralice Alcoforado |
Houve, claro,
nesses 182 anos que se seguiram à publicação do artigo de Thoms, muitas
disputas em torno do objeto de estudo dessa ciência da psicologia coletiva,
notáveis avanços, raros retrocessos, motivando polêmicas que extrapolaram a
fileira daqueles que defendiam o Folclore como ciência autônoma mas não
desirmanada de outras áreas do pensamento, notadamente a Etnografia, a
Antropologia e a Sociologia, sem esquecer, obviamente, a História. Câmara
Cascudo, citado no início desse texto, reconhece esse equilíbrio, entre a
permanência e a mobilidade, com a prevalência, no campo das predileções
coletivas, de manifestações que comportam certos rituais, quando afirma:
“Nenhuma disciplina de investigação humana imobilizou-se nos limites impostos,
quando de seu nascimento. Qualquer objeto que projete interesse humano, além de
sua finalidade imediata, material e lógica, é folclórico”. (Dicionário do Folclore Brasileiro, p.
319). É de João Ribeiro, pioneiro nos estudos sistemáticos da matéria no
Brasil, conquanto estivesse impregnado, para além da conta, das ideias da
escola alemã de Folclore, talvez a melhor definição: “O Folclore é, pois, uma pesquisa da psicologia dos povos, das suas
ideias e seus sentimentos comuns, do seu inconsciente feito e refeito
secularmente e que constitui a fonte viva de onde saem os gênios e as
individualidades de escol” (O Folclore,
p. 29).
Ponta da Serra (Bahia) |
Nascido numa localidade rural do interior baiano, acostumado desde cedo ao canto alegre dos acalantos e à melodia triste das “incelenças”, aos aboios e aos adjuntos, jamais imaginei que as procissões, corridas de argolinha, cavalhadas e festas de reis, além das histórias populares, cantigas e romances, vasto cortejo de tradições que conheci vivas e amadas, eram objeto de estudo para folcloristas e etnógrafos. Aquilo tudo, para mim, resumia-se em uma palavra: vida. Vida em plenitude.
2 comentários:
Parabéns Marco Haurélio, pelo excelente e pertinente texto sobre o nosso folclore. Fiquei feliz pela imagem da nossa saudosa Profº Doralice Alcoforada e demais colegas aqui da Bahia. Hoje mesmo fiz uma homenagem ao folclore no meu blog oficinadecordel.blogspot.com e a citei em uma foto lateral. Fiz também um folheto em homenagem e ela na passagem da sua morte: DORALICE ALCOFORADO, A DOM QUIXOTE DE SAIA! Caso tenha interesse me mande o endereço que te envio. Grato Jotacê Freitas @cordelinsta te sigo por lá também.
Obrigado, poeta. Conheci Dora e lamentei muito sua partida precoce. É uma referência pra meu trabalho.
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