Com direito a belíssima capa de Klévisson Viana, o romance AS TRÊS FOLHAS DA SERPENTE (Marco Haurélio), baseado num conto popular 'dos' Irmãos Grimm, foi relançado pela editora Tupynanquim, de Fortaleza. O conto alemão Die drei Schlangenblätter aparece apenas em duas traduções brasileiras: As três serpentes brancas, presente em Novos contos (Trad. Eugênio Amado. Belo Horizonte: Itatiaia, 2006); e As três folhas da serpente, que integra a antologia Contos e lendas dos Irmãos Grimm (Trad. Íside M. Bonini. São Paulo: Edigraf, 1961, 8 volumes).
A minha versão em cordel passou por alterações, sem, contudo, interferir no arcabouço mito-poético. Uma delas é a ambientação da história na Irlanda, país onde a cultura celta foi melhor preservada.
O belo conto em que se baseia este romance conserva, em sua essência, a informação de
um antigo rito fúnebre que aparece também na quarta viagem de Simbad, o marujo:
a obrigatoriedade de, morrendo um dos cônjuges, o vivo ser sepultado ao lado do
morto. A serpente, em sua ambivalência, aparece aqui como emblema da
imortalidade. Ambientada na Irlanda, a versão em cordel traz algumas sutis
modificações, sem alteração do motivo principal, encontrável até na mitologia
grega.
AS TRÊS FOLHAS DA SERPENTE
Eu vou narrar uma história
De inigualável beleza
Sobre um valente soldado
Movido pela nobreza,
Mas que enfrentou neste mundo
A traição e a vileza.
Num casebre miserável
De todo o mundo isolado
Vivia um pobre viúvo,
Pela miséria assolado
E só não era mais triste
Por ter um filho ao seu lado.
Este moço recebeu,
Na pia, o nome de João;
O pai se regozijava
Com sua dedicação,
Só lamentava não dar-lhe
Uma cômoda posição.
Porém, devido à pobreza,
O viúvo adoeceu,
Mesmo João o acompanhando,
A moléstia não cedeu
A alma deixou o corpo,
Deus na glória o recebeu.
João sepultou o seu pai
Perto duma penedia,
Armou-se da velha espada,
Que de herança recebia,
E saiu, sem ter destino,
Na tarde do mesmo dia.
Andou por terras estranhas,
Aprendeu vários ofícios,
Venceu as dificuldades,
À custa de sacrifícios,
Mas nunca se consumiu
Na labareda dos vícios.
Já com vinte e cinco anos,
Era um rapagão decente,
Sua figura chamava
Atenção de toda a gente,
Pois, além do belo porte,
Era por demais valente.
Então, o rei da Irlanda
Empregou-o como soldado —
De todos do batalhão
Ele era o mais destacado;
Só não subia de posto
Por não ser dissimulado.
Porém aquela nação
Achou-se em cruenta guerra,
Assim, João foi convocado
Para a defesa da terra
Contra o poderoso exército
Da impiedosa Inglaterra.
Viam navios ingleses
Em todo canto atracados,
E, do seu interior,
Saírem muitos soldados,
Ferozes e sanguinários,
Até os dentes armados.
Do lado dos irlandeses
Boa parte então debanda,
O sangue dos que resistem
Tinge de rubro a Irlanda,
E os ingleses avançando
Com uma fúria nefanda.
O comandante das tropas
Bradou: — Guerreiros, avante!
Mas uma flecha assassina
Atingiu-o num instante,
Deixando as tropas da Irlanda
Privadas do comandante.
Os soldados irlandeses
Fugiam apavorados;
João postou-se em sua frente,
Gritando: — Bravos soldados,
Por que vós estais fugindo
Como coelhos assustados?
Julgais que os brutos ingleses
Seguirão corretas trilhas?
Pois cairão feito cães
Em incontáveis matilhas,
Desonrando nossa Pátria,
Nossas mulheres e filhas!
Dizendo aquilo, avançou
Na direção do inimigo,
Sob uma chuva de flechas,
No mais tremendo perigo,
Chamando os ingleses para
Bater em armas consigo.
Nenhuma flecha o atingiu,
Pois o Céu o protegia,
Cada golpe desferido,
Um inimigo caía,
Outros fugiam com medo,
Vendo tanta valentia.
Quando os seus compatriotas,
Viram a bravura de João,
Enfrentando os inimigos,
Com a fúria de um leão,
Gritaram: — Enquanto vivermos,
Ninguém toma o nosso chão!
E retomaram a batalha,
Com uma ira incontida;
Os ingleses recuaram,
Temendo perder a vida —
Assim, João venceu a guerra,
Que já se achava perdida.
(...)
Para conhecer este texto na íntegra, entre em contato com a Editora Tupynanquim, de Fortaleza:
Telefone: (85) 3217 2891
Atualização: As três folhas da serpente integra a Antologia do Cordel Brasileiro, composta por 15 obras de autores de épocas diversas, lançada pela Global Editora.