A biografia de
Ariano Suassuna está suficientemente espalhada por vários sítios (se eu
escrevesse site, ele ficaria bravo)
da Internet. Sua obra está ao alcance de todos, em lojas físicas e virtuais. Portanto,
eu queria falar, nesse espaço, só um pouquinho, do seu legado. Ariano é
daqueles autores que não nascem dos convescotes. Ele é forjado e se forja da
matéria viva. Apesar de retrabalhar os arquétipos, seu trabalho talvez diga
mais da realidade que a produção pretensamente realista que vemos por aí. Tipos
como o preguiçoso, o valentão, o mentiroso, o espertalhão, o padre desonesto, o
coronel caricato são — ou eram — encontrados
sem muita dificuldade no sertão de carne, pedra e osso.
Os brincantes
Chicó e João Grilo, de sua criação mais famosa, o Auto da Compadecida, poderiam saltar do palco para o Bumba meu Boi
ou para os maracatus, que ninguém estranharia. Sua obra dialoga com Plauto, Gil
Vicente, Calderón de La Barca, Cervantes, e mostra quão frágeis são as
fronteiras estabelecidas da cultura.
O paraibano
Ariano não se amofinou com a tragédia que marcou definitivamente sua vida — o
assassinato do pai, João Suassuna no espocar da Revolução de 30. Antes,
aproveitou seu exílio no sertão para juntar os muitos retalhos da sabença caatingueira,
ampliando depois com a contribuição de todas as sabenças, e, deles, fez a
colcha com que nos envolveu.
Os poetas do
povo, seus amigos desde sempre, sentiram a sua partida. Klévisson Viana,
cearense de Quixeramobim, autor de O
pecador arrependido aos pés da Compadecida, assim se manifestou:
Ariano Suassuna
Viverá eternamente.
Seu corpo físico perece,
Mas sua obra contundente
Servirá sempre de norte
Para orientar a gente.
Viverá eternamente.
Seu corpo físico perece,
Mas sua obra contundente
Servirá sempre de norte
Para orientar a gente.
Pedro Monteiro, piauiense,
que vive em São Paulo, autor de João
Grilo um presepeiro no palácio e de Chicó,
o menino das cem mentiras, dedicou ao mestre essa setilha:
A cultura popular
Tem hoje grande lacuna,
A morte sempre inclemente
É uma perversa gatuna,
Fila cristãos e ateus,
Desta vez levou pra Deus
Ariano Suassuna.
Tem hoje grande lacuna,
A morte sempre inclemente
É uma perversa gatuna,
Fila cristãos e ateus,
Desta vez levou pra Deus
Ariano Suassuna.
Paulo de Tarso, cearense de
Tauá, cravou estes versos:
A cultura brasileira
Muito entristecida está.
Faleceu nosso Ariano,
melhor que ele não há.
Por aqui os sentimentos
Do poeta de Tauá.
Muito entristecida está.
Faleceu nosso Ariano,
melhor que ele não há.
Por aqui os sentimentos
Do poeta de Tauá.
O titular deste blogue, Marco
Haurélio, dedicou-lhe esta trova:
Ariano não morreu,
Anote no seu caderno.
Jamais morre quem nasceu
Com o dom de ser eterno.
Anote no seu caderno.
Jamais morre quem nasceu
Com o dom de ser eterno.
De Calderón de La Barca
(1600-1681), poeta e dramaturgo espanhol de grande importância, pincei esta
décima que da peça A vida é sonho,
que Ariano, sempre que podia, declamava, estabelecendo a ponte da tradição
“culta” ibérica com a poesia “popular” do Nordeste:
Eu sonho que estou aqui
de correntes carregado
e sonhei que noutro estado
mais lisonjeiro me vi.
Que é a vida? Um frenesi.
Que é a vida? Uma ilusão,
uma sombra, uma ficção;
o maior bem é tristonho,
porque toda a vida é sonho
e os sonhos, sonhos são.
de correntes carregado
e sonhei que noutro estado
mais lisonjeiro me vi.
Que é a vida? Um frenesi.
Que é a vida? Uma ilusão,
uma sombra, uma ficção;
o maior bem é tristonho,
porque toda a vida é sonho
e os sonhos, sonhos são.
(Tradução: Renata Pallotini)
E, para encerrar, mais uma trova deste que vos
escreve:
Senhora Compadecida,
De incomensurável brilho,
Findo o sonho que é a vida,
Recebei o vosso filho.
Assim seja.
Publicado também na coluna Cordel na Rede, no Blog da Nova Alexandria.
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