Cinco livros do povo:edição fac-similar da original de 1953. |
A Literatura do Povo, segundo Luís da Câmara Cascudo, no célebre estudo Cinco livros do povo, divide-se em três gêneros distintos: A Literatura Oral, a Popular e a Tradicional.
A primeira, que se caracteriza pela transmissão verbal, inclui os contos de
fadas, facécias, anedotas, adivinhas desafios etc. A Literatura Popular,
conforme palavras do próprio Cascudo, “é impressa, tendo ou não autores
identificáveis. É portanto a literatura de cordel, pois, mais adiante, ele enumera
alguns temas do que hoje se conhece por cordel circunstancial: “acontecimentos
sociais, grandes caçadas ou pescarias, enchentes, incêndios, lutas, festas,
monstruosidades, crimes, vitórias eleitorais.” Há, ainda, as histórias perenes, em especial as escritas por Leandro Gomes de
Barros, o favorito do povo, com “folhetos sem ocaso na predileção sertaneja e
agresteira [...] lidos, decorados, cantados permanentemente. Antes dele,
Cascudo cita Silvino Pirauá, “o primeiro a escrever romances em versos...”,
entre os quais cita Zezinho e Mariquinha,
A Vingança do Sultão e História do capitão do Navio.
Por fim, a
Literatura Tradicional é “a que recebemos impressa há séculos e é mantida pelas
reimpressões brasileiras depois de 1840.”
São exemplos
deste gênero novelas como a História de
Roberto do Diabo, a Donzela Teodora,
História do Imperador Carlos Magno e dos
Doze Pares de França, O Herói João de
Calais, A imperatriz Porcina, A princesa Magalona. Para se desfazer
algumas confusões, faz-se necessário esclarecer que, por livros do povo, Câmara Cascudo entendia essas novelas, e não as
versões rimadas dos poetas nordestinos, o que fica claro no abalizado estudo
crítico que acompanha cada uma dessas narrativas. Esta concepção foi buscada
nos estudos do grande folclorista português Teófilo Braga. Na introdução ao
volume 2 da obra clássica Contos tradicionais
do povo português, Braga fazia referência a estas novelas, herdadas da
França e da Espanha, exceção da Imperatriz
Porcina, criação do Cego Baltazar Dias, da Ilha da Madeira, contemporâneo
do rei D. Sebastião. A esta influência Braga atribui a queda da preferência
popular pelos contos literários reelaborados a partir da tradição oral, como as
Histórias de Proveito e exemplo de
Trancoso:
“Os contos
tornaram-se raros e foram deixando de ser lidos, ao passo que entre o povo se
vulgarizaram as folhas volantes traduzidas do espanhol desde o governo dos
Filipes, tais como A Donzela Teodora,
a Formosa Magalona, o Roberto do Diabo, a História de Carlos Magno, os Sete
Infantes de Lara, que formam a base da literatura popular portuguesa;
outros escritores, como Baltazar Dias, descobriram também o segredo de se
apoderar da imaginação do povo, e é deste poeta cego a elaboração literária da
grande lenda de Crescência, conhecida e ainda vigente em Portugal sob o título
de História da Imperatriz Porcina.”
A acomodação
destes textos à nossa realidade, sua aceitação imediata no ambiente sertanejo e
o interesse perene de leitores e de estudiosos mereceram, de Câmara Cascudo as
seguintes considerações: “O sertão recebeu e adaptou ao seu espírito as
velhas histórias que encantam os rudes colonos nos serões das aldeias minhotas
e alentejanas. Floresceram, noutra indumentária, as tradições seculares que
tantas inteligências rudes haviam comovido. Os versos do cego Baltazar Dias,
madeirense contemporâneo a El-rei dom Sebastião, o Desejado, prosa híspida e
monótona, descrevendo as aventuras de Robero do Diabo, Duque de Normandia, do
Marquês Simão de Mântua, de João de Calais, da Imperatriz Porcina, da Donzela
Teodora, da Princesa Magalona, episódios vindos de vinte fabulários, de árabes,
francos, sarracenos, germanos, ibéricos, confusos e maravilhosos de
ingenuidade, de grandeza anímica, de arrojo guerreiro ou de disposição intelectual,
ficaram na alma do povo como uma base cultural inamovível e profunda”.
Para saber mais:
Breve história da Literatura de Cordel (Claridade, 2010)
Literatura de Cordel: do sertão à sala de aula (Paulus, 2013)
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