quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

Cinco livros do povo

Cinco livros do povo:edição fac-similar da original de 1953.
A Literatura do Povo, segundo Luís da Câmara Cascudo, no célebre estudo Cinco livros do povo, divide-se em três gêneros distintos: A Literatura Oral, a Popular e a Tradicional. A primeira, que se caracteriza pela transmissão verbal, inclui os contos de fadas, facécias, anedotas, adivinhas desafios etc. A Literatura Popular, conforme palavras do próprio Cascudo, “é impressa, tendo ou não autores identificáveis. É portanto a literatura de cordel, pois, mais adiante, ele enumera alguns temas do que hoje se conhece por cordel circunstancial: “acontecimentos sociais, grandes caçadas ou pescarias, enchentes, incêndios, lutas, festas, monstruosidades, crimes, vitórias eleitorais.” Há, ainda, as histórias perenes, em especial as escritas por Leandro Gomes de Barros, o favorito do povo, com “folhetos sem ocaso na predileção sertaneja e agresteira [...] lidos, decorados, cantados permanentemente. Antes dele, Cascudo cita Silvino Pirauá, “o primeiro a escrever romances em versos...”, entre os quais cita Zezinho e Mariquinha, A Vingança do Sultão e História do capitão do Navio.

Por fim, a Literatura Tradicional é “a que recebemos impressa há séculos e é mantida pelas reimpressões brasileiras depois de 1840.” 

São exemplos deste gênero novelas como a História de Roberto do Diabo, a Donzela Teodora, História do Imperador Carlos Magno e dos Doze Pares de França, O Herói João de Calais, A imperatriz Porcina, A princesa Magalona. Para se desfazer algumas confusões, faz-se necessário esclarecer que, por livros do povo, Câmara Cascudo entendia essas novelas, e não as versões rimadas dos poetas nordestinos, o que fica claro no abalizado estudo crítico que acompanha cada uma dessas narrativas. Esta concepção foi buscada nos estudos do grande folclorista português Teófilo Braga. Na introdução ao volume 2 da obra clássica Contos tradicionais do povo português, Braga fazia referência a estas novelas, herdadas da França e da Espanha, exceção da Imperatriz Porcina, criação do Cego Baltazar Dias, da Ilha da Madeira, contemporâneo do rei D. Sebastião. A esta influência Braga atribui a queda da preferência popular pelos contos literários reelaborados a partir da tradição oral, como as Histórias de Proveito e exemplo de Trancoso:

“Os contos tornaram-se raros e foram deixando de ser lidos, ao passo que entre o povo se vulgarizaram as folhas volantes traduzidas do espanhol desde o governo dos Filipes, tais como A Donzela Teodora, a Formosa Magalona, o Roberto do Diabo, a História de Carlos Magno, os Sete Infantes de Lara, que formam a base da literatura popular portuguesa; outros escritores, como Baltazar Dias, descobriram também o segredo de se apoderar da imaginação do povo, e é deste poeta cego a elaboração literária da grande lenda de Crescência, conhecida e ainda vigente em Portugal sob o título de História da Imperatriz Porcina.”

A acomodação destes textos à nossa realidade, sua aceitação imediata no ambiente sertanejo e o interesse perene de leitores e de estudiosos mereceram, de Câmara Cascudo as seguintes considerações: “O sertão recebeu e adaptou ao seu espírito as velhas histórias que encantam os rudes colonos nos serões das aldeias minhotas e alentejanas. Floresceram, noutra indumentária, as tradições seculares que tantas inteligências rudes haviam comovido. Os versos do cego Baltazar Dias, madeirense contemporâneo a El-rei dom Sebastião, o Desejado, prosa híspida e monótona, descrevendo as aventuras de Robero do Diabo, Duque de Normandia, do Marquês Simão de Mântua, de João de Calais, da Imperatriz Porcina, da Donzela Teodora, da Princesa Magalona, episódios vindos de vinte fabulários, de árabes, francos, sarracenos, germanos, ibéricos, confusos e maravilhosos de ingenuidade, de grandeza anímica, de arrojo guerreiro ou de disposição intelectual, ficaram na alma do povo como uma base cultural inamovível e profunda”.


 Para saber mais:

Breve história da Literatura de Cordel (Claridade, 2010)

Literatura de Cordel: do sertão à sala de aula (Paulus, 2013)

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