"Snap-Apple Night", quadro pintado pelo artista irlandês Daniel Maclise em 1833, inspira-se em uma festa de Halloween de que ele participou em Blarney, na Irlanda, em 1832. |
As festas dos fogos na Europa
(Excerto)
Entre os antepassados pagãos dos povos europeus,
a festa dos fogos mais generalizada e popular do ano era a grande comemoração
da véspera do Solsticio de Verão, ou do dia do Solsticio, à qual correspondia a
festa dos fogos do Solsticio de Inverno. Entre os povos celtas de Land's End,
na Cornualha, por outro lado, as principais festas dos fogos eram as do 1.° de Maio
ou de Beltane, e do Halloween. Essas duas datas marcam a época em que os
pastores levam o gado para pastar e em que, com a aproximação do inverno,
levam-no novamente de volta para os currais.A
divisão celta do ano em duas metades marcadas pelo início de maio e pelo início
de novembro data assim de urna época na qual os celtas eram principalmente um
povo pastoril que, para sua subsistência, dependia de seus rebanhos, e na qual,
por essa razão, as grandes épocas do ano eram os dias nos quais o gado partia
de suas fazendas no princípio do verão e aqueles em que para elas voltava novamente
no princípio do inverno. Mesmo na Europa central, distante da região hoje
ocupada pelos celtas, uma divisão semelhante do ano pode ser claramente reconhecida
pela grande popularidade tanto do 1.° de Maio e de sua véspera (a Noite de
Walpurgis) como da festa de Todos os Santos, em princípios de novembro, que,
sob um tênue disfarce cristão, oculta uma antiga festa pagã dos mortos.
Podemos, portanto, conjeturar que, por toda parte na Europa, a divisão celeste
do ano de acordo com os solstícios era precedida do que podemos chamar de uma
divisão terrestre do ano de acordo com o início do verão e o início do inverno.
Seja
como for, as duas grandes festas celtas comemoradas em 1.° de maio e 1.° de
novembro ou, para sermos mais precisos, as vésperas desses dois dias
assemelham-se muito no modo de celebração e nas superstições a elas associadas;
pelo caráter arcaico de que ambas se revestem, traem uma origem remota e
exclusivamente pagã. A festa do 1.° de Maio ou de Beltane, como os celtas a
chamam, que servia para marcar o início do verão, já foi descrita. Resta-nos fazer
uma descrição da festa correspondente do Hallowe'en, que anunciava a chegada do
inverno. Das
duas festas, o Halloween talvez fosse a mais importante, já que os celtas
parecem ter datado o início do ano a partir dela, e não a partir da festa de
Beltane. Na ilha de Man, um dos redutos em que a língua e o folclore celtas
mais resistiram ao sítio dos invasores saxões, o 1.° de novembro (calendário
antigo) era considerado como o dia do Ano-Novo, até épocas recentes. Assim,
os mascarados de Man costumavam sair às ruas na festa de Hallowe'en (calendário
antigo) cantando, na linguagem de Man, uma espécie de canção de Hogmanay
(Ano-Novo) que começava assim:
"Hoje
é a noite do Ano-Novo, Hogunnaa!" Um dos informantes de Sir John
Rhys, um velho de setenta e sete anos da ilha de Man, "havia sido empregado
de fazenda desde os dezesseis anos até os vinte e seis, com o mesmo patrão, perto
de Regaby, na paróquia de Andreas, e lembra-se de que seu patrão e um vizinho
próximo discutiram a expressão dia do Ano-Novo aplicada ao 1º de novembro e
explicaram aos jovens que sempre fora assim antigamente. De fato, parecia-lhe
bastante natural que assim fosse, já que todos os contratos de ocupação de
terra terminam naquela época e todos os empregados começam o seu serviço também
nessa época".
Não
só entre os celtas, mas também por toda a Europa, o Hallowe'en, a noite que
marca a transição do outono para o inverno, parece ter sido, antigamente, a
época do ano em que as almas dos mortos revisitavam seus velhos lares para se
aquecerem junto ao fogo e se reconfortarem com as homenagens que lhes eram prestadas,
na cozinha e na sala, pelos seus afetuosos parentes. Talvez fosse natural
ocorrer-lhes que a aproximação do inverno trazia as pobres almas famintas e
trêmulas dos campos nus e das florestas sem folhas para o abrigo das casas e o
calor de suas lareiras familiares.
Mas
não eram apenas as almas dos mortos que deviam pairar, invisíveis, no dia
"em que o outono ao inverno entrega o pálido ano". As bruxas então
esmeravam-se em seus atos malignos, algumas cruzando os ares em suas vassouras,
outras galopando pelas estradas montadas em gatos que, naquela noite, se
transformavam em cavalos negros como o carvão. Também as fadas andavam à solta,
e duendes de todos os tipos vagavam livremente.
Nas
regiões celtas, o Hallowe'en parece ter sido a grande época do ano para se
prever o futuro. Todos os tipos de adivinhações eram postos em prática naquela
noite. Lemos que Dathi, rei da Irlanda no século V, estando no monte dos Druidas
(Cnoc-nan-druad), no condado de Sligo, durante a festa de Halloween,
mandou que seu druida lhe previsse o futuro, entre aquele dia e o próximo dia
de Halloween. O druida passou a noite no alto de uma colina e, na manhã seguinte,
fez uma previsão ao rei que se tornou realidade. No País de Gales a festa do
Halloween era a mais estranha de todas as Teir Nos Ysbrydion, ou
Três Noites dos Espíritos, quando o vento, "soprando sobre os pés dos
cadáveres", levava suspiros às casas dos que deviam morrer naquele ano.
Acreditava-se que, se, naquela noite, alguém saísse até uma encruzilhada e escutasse
o vento, ficaria sabendo das coisas mais importantes que deveriam acontecer nos
próximos doze meses.
O
Solstício de Inverno, que os antigos fixavam erroneamente no dia 25 de
dezembro, era celebrado na Antiguidade como o Aniversário do Sol, e luzes ou
fogueiras festivas eram acesas nessa alegre ocasião. Nossa festa do Natal é apenas
a continuação, sob um nome cristão, dessa velha festividade solar, pois as
autoridades eclesiásticas julgaram conveniente, por volta do final do século
III ou do princípio do século IV, transferir arbitrariamente a natividade de
Cristo de 6 de janeiro para 25 de dezembro, com a finalidade de desviar para o
seu Senhor o culto que os pagãos haviam dedicado até então ao Sol.
Na
cristandade moderna, a antiga festa dos fogos do inverno parece sobreviver, ou
ter sobrevivido até anos recentes, no velho costume da acha do Natal (Yule
log), como era chamada na Inglaterra. O costume era conhecido na Europa,
mas parece ter florescido especialmente na Inglaterra, na França e entre os
eslavos do sul — pelo menos, as descrições mais completas nos vêm daí. A acha
de Natal era a contrapartida, de inverno, da fogueira do Solsticio de Verão,
acesa dentro de casa e não ao ar livre, devido ao frio e ao tempo inclemente da
estação.
In:
O Ramo de Ouro, edição de Mary
Douglas, tradução de Valtensir Dutra. São Paulo: Círculo do Livro, págs. 214-221.
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