“A Virgem e o Menino com Santa Ana”, de Leonardo Da Vinci (1513). |
26 de julho é o dia de Sant'Ana, esposa de São Joaquim (também festejado neste dia), mãe da Virgem Maria e avó de Jesus Cristo. Ana e Joaquim não constam dos evangelhos canônicos, mas surgem, com frequência, nas lendas cristãs a partir do século IV, aparecendo primeiramente nos livros de Santo Epifânio. A fixação de seu dia votivo veio somente no século XVI, em bula do Papa Gregório XIII, datada de 1º de maio de 1584. O reconhecimento tardio, sufragando devoção antiga e inconteste fidelidade cultual, talvez se deva à aproximação da história de Ana à de muitas deidades femininas, representantes de um mesmo princípio, o da fecundidade a serviço da regeneração da natureza.
Ana (Graça) representaria, conforme muitas teorias, divindades meteorológicas do Oriente próximo e médio. Ana parece ser um aproveitamento da divindade semita Annah, Anahid, Anahita, Anat. Em Roma, o culto de Ana Perena, representada como uma anciã que alimenta, em 493, os plebeus, no monte Sacro, por ocasião da revolta destes com os Patrícios. Converge com outra Ana, importada de Cartago, irmã de Dido e Pigmalião. Derivaria da Ana Purnâ Dévi, divindade hindu provedora dos mais pobres, representada assentada sobre um lótus com uma colher. Os seus atributos como deusa do amor e, por conseguinte, da fertilidade, sobrevivem nas duas quadras abaixo, colhidas por Teófilo Braga, em que o caráter orgiástico do culto antigo aparece realçado:
Senhora Santa Anna,
Dai-me outro marido,
Que este que eu tenho
Não dorme commigo.
— Senhora Santa Anna,
Esta mulher mente,
Que eu durmo com ela
E não a contento.
Sobrevive nalgumas quadras, cantadas em Portugal e no Brasil, sua associação aos locais de cultos, em montes e colinas, onde a água da vida brota à sua passagem. Ainda Teófilo Braga:
Senhora Santana
Subiu ao monte;
Aonde se assentou
Abriu uma fonte.
Oh água tão doce!
Oh água tão bela!
Anjinho do céu,
Vinde beber dela!
Ana Purnâ, didindade hindu da nutrição. |
No Brasil, onde Sant’Ana é padroeira de cidade como Feira de Santana, Serrinha e Caetité, todas na Bahia, Renato Almeida registrou a mesma quadra, com poucas modificações:
Senhora Sant’Ana
Assubiu aos montes.
Aonde ela andou
Deixou muitas fontes.
Em Bom Jesus da Lapa, Bahia, Frei Chico recolheu a mesma reza, em muito semelhante à versão portuguesa, mas com duas quadras suplementares:
Senhora Santana
Dos cabelo louro,
Me dais uma esmola
Com vosso tesouro.
Senhora Santana
Mora em Belém,
Leve nós na glória
Para sempre amém.
Os pais da Virgem Maria surgem no Protoevangelho de São Tiago Menor, no Evangelho da Natividade de Maria e no Evangelho da Infância do Salvador. A longa esterilidade de Ana chega ao fim após divina revelação. Ana e Joaquim, ambos em veneranda idade, alertados por um anjo, se encontram na porta dourada, local de Jerusalém em que se praticavam os ritos hetairistas, e a Virgem Maria é Concebida. O motivo é claramente inspirado na história da concepção do profeta Samuel, cuja mãe também se chamava Ana (Hannah). E, claro, ecoa ainda a história de Abraão e Sara e a concepção tardia de Isaque. A Legenda Aurea, de Jacopo de Varazze (séc. XIII), informa que Ana tinha uma irmã, chamada Isméria, e esta foi mãe de Isabel e avó de João Batista.
O grande ocultista Éliphas Lévi dedica às lendas piedosas de Santa Ana todo um capítulo de seu livro “A Ciência dos Espíritos”.
Nos cultos afro-brasileiros, na Bahia, identifica-se a Nanã, em todas as variantes de seu nome.
Sant'Ana concebendo a Virgem Maria. Por Jean Bellegambe. |
Para saber mais, veja-se:
Teófilo Braga. As lendas cristãs;
Francisco van der Poel (Frei Chico). Dicionário da religiosidade popular;
Luís da Câmara Cascudo. Verbete Ana, Dicionário do Folclore Brasileiro;
Leite de Vasconcelos. Tradições Populares, v. II.
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