quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Alberto Porfírio, gênio da poesia popular


Recebi, do poeta e amigo Arievaldo Viana, correio eletrônico que noticiava a morte do mestre Alberto Porfírio, dos maiores criadores que a musa cabocla engendrou.

Reproduzo, abaixo, o texto de Arievaldo e envio condolências à família do mestre.


Fui informado ainda pouco, por minha cunhada Dulcimar, sobre o falecimento do poeta ALBERTO PORFÍRIO, grande expoente da poesia popular cearense.
Alberto era autor do livro "POETAS POPULARES E CANTADORES DO CEARÁ", publicado em 1978, um dos primeiros livros que li em minha vida e que muito influenciou a minha forma de escrever e declamar.
Seus poemas mais famosos são "A estátua do Jorge", "Cantiga da Dorinha", "Eu gostei mais foi do Cão", "No tempo da lamparina" e "Porque não aprendi a ler". Escreveu também um livro de sonetos e outro sobre as noites de viola da Casa de Juvenal Galeno. Cordelista inspirado, é autor de vários folhetos, muitos deles publicados pela Tupynanquim Editora, de Klévisson Viana.
Figura amada e respeitada no meio da cantoria e do cordel, nunca teve o seu talento reconhecido pela mídia, apesar de ter uma verve tão inspirada quanto a de Patativa do Assaré.

Repasso para os amigos um pouco de sua biografia, conforme pude pesquisar na internet.

Façamos uma justa e derradeira homenagem a esse GÊNIO da poesia sertaneja.

ALBERTO PORFÍRIO (1)
Alberto Porfírio da Silva é poeta popular, xilógrafo e escultor.

Nasceu no município cearense de Quixadá, em 23 de dezembro de 1926.

Estudou depois de idoso, quando as condições lhe permitiram e é professor licenciado pela Universidade Federal do Ceará - UFC.

Como cantador-repentista, recebeu das mãos da Condessa Pereira Carneiro, do Jornal do Brasil, uma menção honrosa especial.

Ministrou cursos de cantoria pelo rádio, publicou o livro "Poetas Populares e Cantadores do Ceará" e quase uma centena de folhetos de cordel.

Tem seu nome reconhecido internacionalmente através da enciclopédia francesa Delta Larousse.

Fonte: Enciclopédia Nordeste (Ivan Mauricio)



Mestre Alberto Porfírio

(Autobiografia)

Sua vida e sua obra em prosa e versos.

1926 a 2006





Eu nasci no Nordeste. Neste Nordeste do Brasil deserdado de natureza e desprezado pelos poderosos que o governam.

Eu vim a este mundo no dia 23 de dezembro de 1926.

Meu pai era agricultor e de poucos recursos. Agregado de uma fazenda no sopé da serra do Estêvam no município de Quixadá-CE. Trabalhava para o patrão dando três dias por semana ganhando um salário bem menor que o mínimo vigente no país.

Os outros três dias da semana ele os ocupava cultivando um chãozinho que o patrão lhe cedera para o plantar ali ao redor da casa e era um pedregal que não produzia nada. Nós sofríamos privações de tudo, desde o principal da cozinha ao vestiário. E mais não era o nosso sofrimento por que meu pai era diligente. Largava os campos do patrão por vezes encharcado de suor e ia para os matos caçar ou para as águas pescar para arranjar recurso para a subsistência da família.

Era de nove pessoas a nossa família. Sete irmãos e os dois chefes, o meu pai e a minha mãe.

Estou descrevendo esse quadro de pobreza e miséria por que vejo, e todo mundo vê, o relato que conta a pobreza e a miséria em que viveu o presidente da República, o senhor Lula, na sua adolescência. Foi isso que me fez encorajado para descrever a minha história que não é só minha, mas de muita gente.

Há alguns dias eu fui acometido de um AVC que me deixou semiparalítico, com a direita se arrimando na outra, mas, pelo favor de Deus, não perdi o senso. Ainda posso escrever lembrando a minha filha que, por amor e dedicação, pode suprir a minha deficiência datilografando ou digitando o meu trabalho.

Continuando o meu relato, eu era ainda muito criança, tinha apenas de 7 a 8 anos mas me lembro bem. Nem o AVC me tirou a lembrança do que vi, meu pai sofrendo no serviço do alugado e na condição de morador.

Afinal chegou o tempo da escola. Os meninos precisavam estudar. O meu pai, na sua simplicidade, dizia. Dizia essa expressão grosseira mas comum: “Vou ensinar aos meus filhos a ler e escrever para não criarem-se burros como eu”.

Naquele tempo não havia escolas no nosso interior. Se um pai de família queria ensinar aos filhos a ler, contratava um professor ou professora, punha em casa e os meninos se alfabetizavam. Se ele era um morador de fazenda, para isso, tinha que pedir permissão ao patrão. Se esse permitisse, bem. Mas se ele não fosse de acordo, este, o pai de família, deixava os filhos criarem-se analfabetos. Muitos patrões não permitiam que os moradores ensinassem aos seus filhos a ler. E justificavam: O morador que ensina ao filho a ler está fazendo um mal ao patrão. O filho, alfabetizado e instruído vai procurar emprego lá por fora e cá, o patrão perde o braço operário que lhe dá rendimentos.

Esse regime escravo era geral e permaneceu por muito tempo.



Felizmente ali, o negócio deu certo. O meu pai botou o mestre em casa e nós aprendemos alguns rudimentos de leitura.

A carta de ABC e parte da cartilha eram o suficiente para quem queria ficar ali na vida de agregado e escravo até morrer. Mas eu tinha sonhos, já pensava alto, já sabia que saber ler eram asas e eu queria voar.

Hoje eu agradeço ao meu velho pai e aquele professor que me proporcionaram uma vida suave com resignação e paz. Ainda lembro a frase encorajadora daquele mestre-escola que dizia: “Para quem estuda as dores da vida são suaves”.

O meu pai tinha uma parceria. Uma grande parceria que era a minha mãe. Cuja dignidade era para ser lembrada antes desse cenário de novela. Mas, segundo os enaltecedores de personalidades nunca é tarde para se laurear uma santa.

Era alfabetizada e nos ajudava na escola. Possuía uma máquina de costura e confeccionava as roupas de irmos para a escola e também à missa aos domingos que ela nos levava.

Embora sabendo que não há palavras suficientes para a louvar satisfatoriamente uma santa, com alguns tempos depois, eu escrevia o seguinte soneto e lhe oferecia:



Uma santa mulher me fez nascer

Não esqueço o calor do seu abraço

No seu seio de amor deu-me o espaço

E na graça de Deus me fez crescer





Deu-me o peito e levou-me pelo braço

Me ensinando a andar e a correr

A vi morta talvez pelo cansaço

Não consigo estas lagrimas deter



Quantas vezes a vi depois do terço

Inclinada, feliz sobre o meu berço

Me cobrindo com aquele fino véu



A melhor mãe do mundo é minha mãe

Até penso que Deus levou mamãe

Para cuidar dos seus anjos lá no céu



Os meninos cresceram. Tomaram uso de razão e o trabalho aumentou. O patrão ficou feliz com a mão-de-obra ampliada e nos dava mais terra para trabalhar.

O meu pai dizia nos seus arrojos: “Ainda vou comprar um ‘palmo’ de terra para quando eu morrer deixar os meus filhos aboletados sem ser sujeito a ninguém”. E, assim fez.

Eram das maiores aventuras, naquele tempo, um morador comprar um pedacinho de terra para trabalhar livre. Mas ele comprou.

Eu relembro. Ele vendeu uma carrada de algodão e outra de porco gordo que ele tinha cevado às escondidas, para apurar aquele conto de réis que era o preço do terreno. Mas comprou, pagou e ficou sossegado.

Havia, naquele tempo, no mais auto do seu auge, a Literatura de Cordel que desarnava as pessoas alfabetizadas. Eram uns livrinhos que contavam as histórias dos acontecimentos populares da região e também os de fora. Estes eram produzidos pelo próprio povo e vendidos nas feiras por baixo preço. Ainda hoje existe. Mas sem aquela empolgação.

Talvez pelo diminuto valor financeiro e a abrangência das revistas sofisticadas.

Aqui, entre nós, vinham de Pernambuco e do Juazeiro do Norte onde tinha os seus Autores e Editores.

Os chamados folheteiros adquiriam os livrinhos na fonte e saiam de feira em feira vendendo. Estes chegavam na feira, esticavam um cordão de uma para outra estaca e escanchavam os livrinhos deixando-os à vista do povo que os escolhiam e compravam. Daí seu nome: Literatura de Cordel. Ou de cordão como preferir chamar.

Era tão grande o interesse por esta Literatura que contavam a história de um folheteiro que ia com uma mala de folhetos na cabeça de uma para outra feira e, encontrou-se com um freguês que lhe disse: Quero um de cada titulo. E ele vendeu de uma só vez 36 romances.

Tinha os autores que eram poetas especializados. O maior deles era o Leandro Gomes de Barros. E, depois, vinha João Martins de Ataíde respectivamente da Paraíba e de Pernambuco. E, daqui do Ceará, tinha o Luis da Costa Pinheiro e, tinha do Piauí, Firmino Teixeira do Amaral. Sendo este ultimo o autor da célebre peleja de Zé Pretinho com o Cego Aderaldo.

Esta peleja é considerada um clássico da Literatura Popular Brasileira. Considera-se clássica uma literatura quando esta é lida por maior número de pessoas e fica por mais tempo em vigor. E a peleja de Zé pretinho com o Cego Aderaldo é lida até em países estrangeiros. Sendo conhecida no Brasil por quase cem anos.

Muita gente, em todo Nordeste, desenvolveu a leitura lendo essa peleja.

O Cego Aderaldo estava em São Paulo no ano de 1948 e o Governador Ademar de Barros mandou chamá-lo em seu gabinete para o conhecer e, o segurança, quando anunciou a presença do cego famoso do Ceará, o Governador falou alegre do fundo do seu gabinete: Entra, seu danado! Vem cantar comigo o Zé Pretinho!... o Governador conhecia a famosa peleja.

Lá em casa, quem lia para nós era a mamãe. Era no tempo da guerra. E, sendo proibida a venda de querosene, nós fazíamos uma fogueira no terreiro e, ali, ela lia e a meninada brincava até altas horas no claro da fogueira.

A mamãe, quando o meu pai não ia à feira, ela encomendava a alguém, dizendo: Compre isso e aquilo e, com a sobra do dinheiro, compre um velso (verso). Ela chamava também um romanso (romance).

O primeiro romance que eu tive a felicidade de ler, mesmo sabendo somente assoletrar, foi a história de Milton e Cléia. Tratava de um rapaz que justou casamento com uma moça e foi para o Amazonas ganhar dinheiro para se aprontar. E, ao voltar, a moça tinha o traído. Ele implorou, falou nos perigos que enfrentou na selva amazônica, e, mesmo assim, ela o desprezou e o tratou mal. Ele, num ato de desespero, a assassinou. Esta foi uma história real.

Eu me empolguei com a história e li tanto esse livrinho que ele ficou fulvo e puído de tanto manuseio. Mas aprendi a ler desembaraçado e decorei a história. Depois cantava-a para os vizinhos.

Os vizinhos vinham me chamar para cantar em suas casas. Eu ia e, por vezes, ganhava um dinheirinho:

Vá cantar esse romance lá em casa pra meu pai ouvir. Ele é inválido e precisa se distrair. Era o que diziam uns. E outros: Vá cantar um romance lá em casa para divertir a gente um pouco na noite de São João!...

Eu, na medida que ia atendendo aos convites, ia, automaticamente me profissionalizando na arte da cantoria.

Um dia o meu pai convidou o Cego Aderaldo para cantar em nossa casa. Nessa noite eu aprendi quase tudo do que o velho cego cantou.

E passava o dia cantando nas capoeiras. O meu pai vendo que eu tinha jeito para a arte, disse para alguns amigos que me ouviam: Eu vou mandar fazer uma viola e vou comprar um livro de Cantoria para esse menino aprender a cantar.

Não havia livro de Cantoria, mas havia, nas livrarias, os livrinhos do Prof. Filgueira Sampaio o Nordeste I e o Nordeste II que ajudavam aos alfabetizados a arranjarem conhecimentos de História e Geografia e, até de Literatura.

Eu aprendi muito com esses livrinhos.

Inesperadamente chegou a seca de 42 que foi tão horrível como as outras do passado que se ouvia falar. Nós plantamos nas primeiras chuvas de janeiro mas foi só para perder a semente. Perdeu-se tudo!

Voltou a chover em março. Tornamos a plantar e tornamos a perder. A chuva faltou quando o legume já estava na flor. O milho, uma das principais lavouras só deu folha e tão fraquinha que não servia nem para o alimento dos animais.

Era no fim de maio e já muita gente emigrava. As famílias saiam por ai ao léu, sem destino, pedindo um bocado para comer e muitos, temendo a crise, negavam.

Quando se declarou a seca nós tínhamos gasto todos os recursos e ainda estávamos devendo. Nós morávamos perto de um açude público e, como outras famílias, apelávamos para os refrigérios das beiras-d´água sofridos e minguados. Já num período de calamidade avançado, o meu pai, com tristeza, falava para os filhos mais velhos:

Vão, meus filhos! Vão caçar emprego por aí! Eu fico aqui com as crianças e com as mulheres nos remediando com os recursos das vazantes e com essas águas salobras até Deus mandar de novo os recursos do céu. Foi assim que os meus irmãos mais velhos saíram do Choró em busca de recursos nas terras de Baturité com macas às costas guardando os instrumentos de trabalho. E eu, em vez de maca, saí levando uma viola caçando no painel de Deus algo de inspiração.

Ainda quase adolescente tudo que eu dizia cantando tinha sabor de ingenuidade e era admirado.

Nesse tempo, ainda não tinha os carros chamados paus-de-arara que transportavam os flagelados vitimas das secas para o sul do país.

Como meio de transportar os famintos do Ceará só se conhecia o navio que vinha em todo o perímetro da seca de porto em porto levando os miseráveis da terra seca para os abismos do Inferno Verde. E, o pior eram os riscos da viagem.

Sendo no tempo da grande guerra, havia o perigo de morrerem todos na travessia do Maranhão para o Pará torpedeados pelos submarinos alemães.

Eu, na época, estava em Capistrano de Abreu fazendo umas boas cantorias. Andava limpo e bem calçado às custas da profissão que abraçara. Ali, dois rapazes do lugar se arrumavam para irem para o Amazonas trabalhar no serviço da extração da borracha. Iam com a fé e a esperança de ganharem muito dinheiro, pois dali já tinham ido muitos e voltaram ricos.

Eu me iludi e me alistei para ir também. Vendi a viola para ter dinheiro para a viagem e peguei o trem em Capistrano e desci na Central. A estação Professor João Felipe. E dali, fui de bonde para o bairro alagadiço. Pois, neste local, havia a concentração na hospedaria Getúlio Vargas onde os famintos esperavam o navio que os transportavam para o destino incerto na Amazônia fatal.

Na hospedaria eu fui logo cadastrado e vacinado para poder entrar. Era à noite e o alimento que me deram foi carne de charque com farinha amarela. E para dormir uma bicama de soldado imunda com pulga e percevejo.

Foi a coisa ruim que peguei desde que saí da casa de meu pai. A sujeira era de dar repugnância.

Foi aí que eu tive vontade de fugir. Eu que tinha uma vontade louca de conhecer o Amazonas via ali a oportunidade própria. Mas estava arrependido de ter me alistado. Pensava nos meus tios que estiveram lá e contavam as mil maravilhas da terra. As matas cheias de pássaros cantadores, os jacarés, as cobras grandes, as índias mansas e até os búfalos de Marajó. Tudo eram maravilhas para um jovem como eu, poeta e amante da natureza.

Mas estava arrependido. Não dava certo.

Os rapazes que vieram comigo de Capistrano também estavam arrependidos. Até choravam.

E eu pensava: não dava certo. O negócio era voltar para o meu rincão e enfrentar o bicho, a seca.

Eu que já tinha me cadastrado só pensava em fugir. Já sabia que o soldado da borracha que fugisse era perseguido pelos guardas da hospedaria e, sendo pego, era entregue à polícia e era castigado como um criminoso.

Eu era apenas um candidato a soldado da borracha, mas era comprometido. Era um homem do governo.

Não tinha nada. Voltava a pensar. Vou fugir. E é agora. Antes de o dia amanhecer.

Havia um empecilho. Um grande empecilho. Era dinheiro que não tinha mais. O dinheiro da venda da viola já tinha se acabado. O dinheirinho que eu ainda tinha no bolso só dava pra eu ir até o Maracanaú, que era a primeira estação de trem para quem vai para o interior. Eu não tinha nenhum conhecido naquela cidade. Pensava em um tio que morava no distrito de Baú. Pensava também na minha viola que eu tinha vendido sem muita necessidade.

O tempo era ruim, de seca e calamidade, mas, com ela, onde passava não era tido por marginal. Um malfeitor. Se chegava sem nada que me recomendasse só era susto e desconfiança.

As 3 horas da manhã acordava todo mundo para tomar banho e, em seguida, tomar o café. Às 5 horas partia o trem da Central e parava em Otávio Bonfim às 5:30. Eu tinha que alcançá-lo neste horário.

O Diretor da hospedaria revistava tudo pela madrugada. Os objetos que eu conduzia eram somente algumas peças de roupa num coxim de lã que a minha mãe tinha feito. E, eu coloquei tudo em uma bolsa de palha para não ser destaque.

Tomei o banho, em seguida o café e, aproveitando-me do portão, por um momento aberto e sem a presença do guarda, com coragem e determinação, fugi.

Olhando adiante e atrás, quase correndo cheguei à Otávio Bonfim, na hora em que o trem já tocava a segunda partida e se balançava para sair.

Entrei na composição sem passagem e sem dinheiro.

Eu sabia que o condutor ia me botar para baixo na estação de Maracanaú ou em Monguba, pois ele não levava ninguém sem dinheiro. Mas pensava: aonde ele me deixasse estava bem; eu queria era me livrar dos guardas da hospedaria.

Finalmente, passamos em Maracanaú sem o condutor me cobrar a passagem. Em seguida em Monguba e, ao aproximarmo-nos de Pacatuba ele me abordou:

O bilhete de passagem, seu moço?

Eu fiquei atarantado. Pois não podia dizer que era um soldado da borracha fugido da hospedaria que ele podia ter ordem de me prender. Ele me vendo aflito, involuntariamente me ajudou. Disse: Já sei, quer andar no trem sem dinheiro. Desce na outra parada!

Chegando à outra parada que é Guaiuba, eu fiz o que não é do meu eu. Fingi estar dormindo e ele me acordou acompanhado de dois guardas freios e eu desci quase aos empurrões

Quando o trem partiu, eu enxuguei as lágrimas e vi um homem de junto a uma banca de café. Aproximei-me dele e perguntei: Qual é a distancia daqui para o Baú?...

Ele respondeu: doze quilômetros.

Eu contei a minha história a ele e ele só fez perguntar: Já merendou hoje?

Eu respondi que não e ele me deu uma tigela de café e uma tapioca. Eu merendei, agradeci e fiz caminho em rumo do Baú.

Foi difícil, mas de muita sorte.

Havia ao lado da estrada pequenos estabelecimentos comerciais onde os vizinhos se reuniam para se divertirem e eu, mais uma vez me lembrava de minha viola. Com ela, eu chegava em qualquer lugar que houvesse reunião, pedia licença, tocava e cantava uma canção ou um repente “passava o chapéu” e arranjava algumas moedas e seguia em frente.

A estrada, apesar de ser um domingo, estava deserta. Eu olhava ao meu redor e tinha medo vendo a mata desolada. Tudo era cinzento, côr de seca e tempo ruim. Não se via, como no inverno os arbustos cobertos de flores azuis e brancas. Não se ouvia um canto de pássaro, um sussurro sequer. Só vinham aos meus ouvidos o “cici” da cigarra do verão e o “cri cri” dos grilos na capim seco.


Afinal cheguei ao Baú. O meu tio que morava ali era pobre como eu. Com a diferença de que ele, apesar de agregado, vivia em sua casinha e em paz e eu, infelizmente, era um fugitivo e supunha-me perseguido da polícia. Aquele velho, pobre e agregado fez, para com seu sobrinho, uma ação nobre. Deu-me um bom almoço e arranjou uma carona com um motorista de caminhão que ia com uma carrada de tijolos para o Acarape.

O motorista se deu comigo, eu lhe contei também a minha história e, ele, ao chegar no Acarape, desceu do carro, entrou na estação e comprou o meu bilhete de passagem no próximo trem para Capistrano.

Em Capistrano eu fui imediatamente à casa do amigo que comprara a minha viola, negociei com ele e a resgatei.



CONCLUSÃO



O navio que nós esperávamos para irmos para o ciclo da borracha na Amazonia, com poucos dias passou, levou os companheiros da hospedaria e foi torpedeado na travessia Maranhão/Pará e, foram todos mortos. Inclusive os rapazes que vieram comigo de Capistrano. Ficaram todos ali sepultados para sempre.



PORQUE, JÁ IDOSO, FUI ESTUDAR



Eu estava na confeitaria Ritis, em Fortaleza e vi chegar ali o cantador Otacílio Batista portando uma viola vestida numa capa que era muito bonita. Ele era fumante e tinha encostado a ponta do cigarro acesa na capa que era de plástico e abriu um buraco na mesma. Isso quando não era muito conhecida a matéria plástica. E eu lhe perguntei:

“Isto conserta-se”?

Antes que me viesse a resposta do interrogatório, um senhor que estava ao lado me falou: O certo é “isto se conserta” pois, conforme a Gramática, isto é pronome demonstrativo que atrai o pronome pessoal se.



Outra vez deu-se numa mercearia onde quem despachava era uma moça.

Eu pedi para ela me despachar um maço de cigarros. Ela foi até à prateleira e voltou sem me trazer a mercadoria. E eu lhe falei audacioso: A senhorita está “destrenada, heim”?

Ela educadamente respondeu:

- Eu estou distraída.

Foram muitas as vezes que eu fui assim corrigido. Uma correção parecida com repreensão.

Um dia eu disse para mim mesmo: Vou estudar para aprender a falar direito e não ser mais repreendido!

Tudo que se deseja e se pensa com convicção se consegue. Já morando em Fortaleza, por coincidência, a minha casa era defronte a residência de um professor de colégio e, um dia, participando para ele da vontade que eu tinha de estudar, ele me disse: Vá amanhã ao colégio na hora do recreio que eu estarei desocupado e lhe ensino o meio de você estudar. Eu fui lá no horário combinado e, ele que estava folheando um livro mandou que eu me sentasse e pegou o giz que estava sobre a mesa e se pôs a riscar no quadro negro.

Depois se virou para mim e perguntou: Que figura é esta? Eu, com as instruções que já tinha obtido através dos livrinhos do Prof. Filgueira Sampaio, respondi: Isso é o mapa do Brasil. Ali eu conheci que ele estava me examinando.

Continuando, ele, com o giz, riscou na parte ocidental do mapa, mais ou menos pelo espinhaço da serra dos Andrés, e parou nas imediações da cidade Laguna em Santa Catarina e disse: Aqui foi onde Cabral descobriu o Brasil.

Eu, com o acanhamento de um sujeito que nunca esteve numa sala de aula, discordei e disse: Desculpe, professor. Pedro Álvares Cabral descobriu o Brasil foi na Bahia. Aqui. E pus o dedo no lugar que supunha ser Porto Seguro.

O professor se virou para mim e disse admirado: Vai fazer os exames de admissão em segunda época no Ginásio Santa Cruz!

Tive com ele algumas aulas, fui fazer os exames e passei.

Com isso vim a acreditar no que se diz da força de vontade. A força de vontade é semelhante à fé “remove montanhas”.

No outro ano, o meu filho mais velho, preparado por mim, fazia também os exames de Admissão ao Ginásio e fazia a primeira série ginasial na sala ao lado da que eu fazia a segunda.

2 comentários:

José Alberto da Silva disse...

Ótimas lembranças daquela época.A caminhada a pé de Parangaba, passando pelo bar avião até a bairro Marupiara; na companhia do meu saudoso pai.

Unknown disse...

Amo literatura de cordel lia muito para meu pai.ele faleceu e eu queria comprar toda coleção do Albero portfólio