quarta-feira, 28 de agosto de 2013

O retorno de João Grilo

Personagem dos mais acarinhados pelos cordelistas, João Grilo vem sendo reinventado desde 1932, quando o pernambucano João Ferreira de Lima lançou o folheto de oito páginas Palhaçadas de João Grilo. Ampliado para 32 páginas por João Martins de Athayde ou por um poeta a seu serviço, e rebatizado como Proezas de João Grilo, tornou-se um clássico, a despeito de sua flagrante irregularidade. João Grilo não é criação de nenhum poeta de cordel e já figura nos contos populares de Portugal com este nome desde o século XIX. Mas, conforme demonstrei na abertura da Antologia do cordel brasileiro (Global Editora), na nota referente ao texto João Grilo, um presepeiro no palácio, de Pedro Monteiro, o “amarelinho” já figurava em uma obra popular italiana do século XVI, sob o nome de Maestro Grillo:

 “Personagem encontradiço nos contos populares portugueses, nas coleções de Consiglieri Pedroso (História de João Grilo) e Teófilo Braga (João Ratão ou Grilo), a menção mais antiga que conheço é da introdução do Pentamerone, de Giambattista Basile (1634-36). Basile nos fala de passagem de certo Maestro Grillo, protagonista de uma obra cômica, Opera nuova piacevole da ridere de um villano lauratore nomato Grillo, quale volse douentar medico, in rima istoriata (Veneza, 1519). Grillo, fingindo-se de médico, faz com que uma princesa sisuda ria pela primeira vez. Angelo de Gubernatis, na Mitologia zoológica, segundo Teófilo Braga, afirma: ‘Na Itália, quando se propõe um enigma para ser adivinhado, ajunta-se ordinariamente como conclusão as palavras – Indovinala, grillo! (adivinha, grilo)’.”Pois bem, o danado voltou às páginas dos folhetos em duas produções distintas. 

João Grilo, o amarelo que enganou a morte, do baiano Zeca Pereira, se atém mais às raízes populares do personagem, duelando com a “indesejada dos povos”, ao mesmo tempo em que passa a perna em usurários e pretensos espertalhões. Assim começa o cordel:

João Grilo, um personagem
Conhecido do leitor,
O amarelo franzino,
Quengo fino de valor.
O seu nome é conhecido
No Brasil e exterior.

Desde o seu nascimento
Fez o povo admirar,
Pois nasceu aos sete meses
Já sabendo caminhar,
Com dez dias conversava
E aprendeu a fuxicar.

Aos nove meses, o Grilo
Revelou sua esperteza,
Sabia ler e escrever
Com empolgante clareza,
 Admirando ao povo
De toda a redondeza.

Aos dez meses, já sabia
Decifrar uma charada,
Resolver qualquer questão,
Sem se embaraçar com nada,
Mesmo ser ir a escolas,
Sua mente era avançada.

Saiu de casa pequeno
Pra poder ganhar o mundo,
E cresceu trapaceando,
Seu saber era profundo,
Enganou até a morte
Quando estava moribundo.

Mas agora eu vou falar
Em algumas artimanhas   
Aprontadas pelo Grilo.
E, se as achares estranhas,
Com certeza não conheces
As espertezas tamanhas.

O folheto traz o selo da Tupynaquim Editora e já é candidato a clássico.


Sem fugir à marca distintiva do personagem, a esperteza, a dupla cearense de poetas, Arievaldo Viana e Pedro Paulo Paulino, parte de uma notícia verdadeira — a recomendação para que os esfomeados do planeta se alimentes de insetos — para mexer num vespeiro: o que falta a muitos abunda para poucos. O humor não encobre a intenção da dupla de tecer contra o sistema que permite tal descalabro críticas pertinentes:

Todos sabem que João Grilo
É o quengo mais completo.
Há muito tempo que João
Andava bastante quieto.
Mas agora ele voltou,
Depois que a ONU mandou
O povo comer inseto.

Já sabemos que a ONU,
Um tribunal soberano
Cuja sede está plantada
Lá no solo americano,
A fim de matar a fomo
Desse povo que não come,
Desenvolveu mais um plano.

No continente africano
A fome ainda campeia
Em muitos tribos, coitadas,
A situação é feia:
Têm brisa pra merendar,
Sobejos para amoçar,
Pastel de vento pra ceia.

Enquanto isso o Japão,
Por escassez de alimento
E, também, de certo modo,
Falta de discernimento,
De dinheiro fez aporte
E quer que o Brasil exporte
Carne de burro e jumento.

Até aí, nada novo,
O povo estava tranquilo.
Porém, depois que a ONU
Recomendou comer grilo,
João Grilo ficou passado,
Anda muito revoltado,
Só se ouve o seu estrilo.

Vale lembrar que a peça Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna, da qual João Grilo é protagonista, também se escora no humor para denunciar as mazelas políticas e sociais de um Nordeste ainda dominado pelos coronéis e por um clero corrompido.

Nota: para adquirir esta e outras obras, entre em contato com a Tupynanquim Editora, pelo e-mail tupynanquim_editora@ibest.com.br.

2 comentários:

Zeca Pereira disse...

Nessa minha vida de folheteiro tenho encontrado pessoas que talvez por não conhecer o cordel, quando eu falo de João Grilo, logo me perguntam: é aquele do AUTO DA COMPADECIDA?
O filme com certeza divulgou bastante esse personagem tão marcante no cordel.

Unknown disse...

Muito bom uma reflexão