terça-feira, 29 de outubro de 2013

Um encontro possível só no cordel


Grande duelo de Lampião com Zé do Telhado (Tupynanquim Editora) 
Vez em quando a literatura de cordel nos reserva uma grata surpresa. Não que mereça desprezo a grande quantidade de folhetos que surge todos os dias nesse momento alvissareiro, mas, na maioria dos casos, quando se espreme o texto, sobra muito pouco. Há um achaque dos pesquisadores de ter como parâmetro para esse ou aquele tema a quantidade folhetos editados no Brasil (impossível de calcular), pondo no mesmo balaio os bons, os maus e os feios, se me permitem a referência ao filme de Sergio Leone. Assim, lemos abobrinhas do tipo “dos milhares de folhetos editados, poucos tratam disso ou daquilo”. Imaginemos um crítico literário que  se debruça sobre os romances e, além dos clássicos e outsiders, incluem no seu inventário (a palavra aqui tem mais de um sentido) a produção de histórias baratas que infestam as bancas de revistas todo o mês! Há uma lógica, nem sempre explicável ou compreensível, que faz com que um determinado texto sobreviva aos demais. Então, por que, no caso do cordel, toda a produção deve ser medida, quando entendemos que nem tudo o que se publica com o rótulo merece o status de literatura? Ou, para não ferir suscetibilidades, de boa literatura?
Dito isso, volto-me agora para Rouxinol do Rinaré, poeta que se destaca como um dos maiores nomes de sua geração. Dele são os clássicos O Justiceiro do Norte, O Guarda-Floresta e o Capitão de Ladrões, O Matador de Dragões e História de Lampião e Maria Bonita (este em parceria com Klévisson Viana). Em sua obra, sobressaem os romances, embora campeie por outras plagas com igual desenvoltura. É por isso que, ao receber do professor Andrade Leal, grande divulgador do cordel na Bahia, a proposta de escrever uma história que juntasse os bandoleiros Zé do Telhado e Lampião, não se fez de rogado e nem se amedrontou com a premissa aparentemente absurda. Absurda porque o português José Teixeira da Silva, alcunhado Zé do Telhado por causa da localidade em que nasceu, na aldeia de Castelões de Recesinhos, despediu-se deste mundo em 1875, no exílio em Angola, pelo menos 23 anos antes que Virgulino Ferreira, o futuro Lampião, nascesse.
Como contornar o aparente absurdo? Com a imaginação, fazendo com que os dois bandoleiros se defrontem no além, em uma espécie de universo paralelo.
Zé do Telhado, herói popular, espécie de Robin Hood português, virou lenda e sua história foi ampliada pela tradição oral, que alimentou a literatura de cordel. Aqui no Brasil, foi personagem de pelo menos dois cordéis: História de Zé do Telhado, de Antônio Teodoro dos Santos, e Encontro de Cancão de Fogo com Zé do Telhado, de Rodolfo Coelho Cavalcante. Os dois textos foram publicados na editora Prelúdio, de São Paulo, possivelmente a pedido do editor-proprietário Arlindo Pinto de Souza, filho do português José Pínto de Souza, que migrou para o Brasil no início do século passado.
De Lampião, são incontáveis os títulos que tratam de sua trajetória guerreira — ou  bandida, como queiram  —, desde aqueles que são mais fiéis aos fatos, como Os Cabras de Lampião, de Manoel D’Almeida Filho, até os que envolvem sua peripécias no céu, purgatório e inferno. Aliás, no texto que vamos ler é clara a influência de A Chegada de Lampião no Inferno, de José Pacheco, obra-prima do cordel e um dos maiores sucessos do gênero em todos os tempos, nas escaramuças do bandoleiro nordestino com o facínora português.
Saúdo este Duelo de Lampião com Zé do Telhado pela engenhosidade e pelos predicados poéticos que fazem de seu autor uma figura de proa do cordelismo brasileiro. Podemos classificar a obra no gênero romance, pois apresenta os elementos típicos da gesta medieval, mas o tema é valentia, ou bravura, pois não há como remover dos protagonistas a aura mítica concedida pelo povo e ratificada pela literatura de cordel nos dois lados do Atlântico.

Nota: Para adquirir esta e outras obras, entre em contato com a Tupynanquim Editora, pelo e-mail tupynanquim_editora@ibest.com.br.

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