Vez
em quando a literatura de cordel nos reserva uma grata surpresa. Não que mereça
desprezo a grande quantidade de folhetos que surge todos os dias nesse momento
alvissareiro, mas, na maioria dos casos, quando se espreme o texto, sobra muito
pouco. Há um achaque dos pesquisadores de ter como parâmetro para esse ou
aquele tema a quantidade folhetos editados no Brasil (impossível de calcular),
pondo no mesmo balaio os bons, os maus e os feios, se me permitem a referência
ao filme de Sergio Leone. Assim, lemos abobrinhas do tipo “dos milhares de
folhetos editados, poucos tratam disso ou daquilo”. Imaginemos um crítico
literário que se debruça sobre os
romances e, além dos clássicos e outsiders,
incluem no seu inventário (a palavra aqui tem mais de um sentido) a produção de
histórias baratas que infestam as bancas de revistas todo o mês! Há uma lógica,
nem sempre explicável ou compreensível, que faz com que um determinado texto
sobreviva aos demais. Então, por que, no caso do cordel, toda a produção deve
ser medida, quando entendemos que nem tudo o que se publica com o rótulo merece
o status de literatura? Ou, para não ferir suscetibilidades, de boa literatura?
Dito
isso, volto-me agora para Rouxinol do Rinaré, poeta que se destaca como um dos
maiores nomes de sua geração. Dele são os clássicos O Justiceiro do Norte, O
Guarda-Floresta e o Capitão de Ladrões, O
Matador de Dragões e História de
Lampião e Maria Bonita (este em parceria com Klévisson Viana). Em sua obra,
sobressaem os romances, embora campeie por outras plagas com igual
desenvoltura. É por isso que, ao receber do professor Andrade Leal, grande
divulgador do cordel na Bahia, a proposta de escrever uma história que juntasse
os bandoleiros Zé do Telhado e Lampião, não se fez de rogado e nem se
amedrontou com a premissa aparentemente absurda. Absurda porque o português
José Teixeira da Silva, alcunhado Zé do Telhado por causa da localidade em que
nasceu, na aldeia de Castelões de
Recesinhos, despediu-se deste mundo em 1875, no exílio em Angola, pelo menos 23
anos antes que Virgulino Ferreira, o futuro Lampião, nascesse.
Como contornar o aparente absurdo? Com a
imaginação, fazendo com que os dois bandoleiros se defrontem no além, em uma
espécie de universo paralelo.
Zé do Telhado, herói popular, espécie de
Robin Hood português, virou lenda e sua história foi ampliada pela tradição
oral, que alimentou a literatura de cordel. Aqui no Brasil, foi personagem de pelo
menos dois cordéis: História de Zé do
Telhado, de Antônio Teodoro dos Santos, e Encontro de Cancão de Fogo com Zé do Telhado, de Rodolfo Coelho
Cavalcante. Os dois textos foram publicados na editora Prelúdio, de São Paulo,
possivelmente a pedido do editor-proprietário Arlindo Pinto de Souza, filho do
português José Pínto de Souza, que migrou para o Brasil no início do século
passado.
De Lampião, são incontáveis os títulos
que tratam de sua trajetória guerreira — ou
bandida, como queiram —, desde
aqueles que são mais fiéis aos fatos, como Os
Cabras de Lampião, de Manoel D’Almeida Filho, até os que envolvem sua
peripécias no céu, purgatório e inferno. Aliás, no texto que vamos ler é clara
a influência de A Chegada de Lampião no
Inferno, de José Pacheco, obra-prima do cordel e um dos maiores sucessos do
gênero em todos os tempos, nas escaramuças do bandoleiro nordestino com o
facínora português.
Saúdo este Duelo de Lampião com Zé do Telhado pela engenhosidade e pelos
predicados poéticos que fazem de seu autor uma figura de proa do cordelismo
brasileiro. Podemos classificar a obra no gênero romance, pois apresenta os
elementos típicos da gesta medieval, mas o tema é valentia, ou bravura, pois
não há como remover dos protagonistas a aura mítica concedida pelo povo e
ratificada pela literatura de cordel nos dois lados do Atlântico.
Nota: Para adquirir esta e outras obras, entre em contato com a Tupynanquim Editora, pelo e-mail tupynanquim_editora@ibest.
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