IMAGEM Nº 1: Frei Cipriano da Cruz, Pietà, cerca de 1685, Coimbra, Museu Machado de Castro |
Por José Joaquim Dias Marques
Um dos modos mais
interessantes de representar o Cristo morto é a chamada PIETÀ (em português,
Nossa Senhora da Piedade), em que a Virgem surge com o filho morto no regaço.
A
mãe que chora olhando o filho morto, que já não lhe cabe no colo, como quando
era criança, e, pelo contrário, agora ultrapassa de modo tragicamente anormal
os limites do regaço, talvez seja o ponto por onde esta representação toca na
sensibilidade humana.
As
figuras divinas humanizadas (sobretudo a mãe), representadas sofrendo o mesmo
que quaisquer seres humanos, possibilitam uma identificação mais fácil com a divindade,
que na Pietà deixa de ser um Deus
distante, intangível, e se aproxima dos homens.
Esta
humanização do divino é ainda mais nítida quando se tem em conta que a Pietà não representa nenhuma cena
narrada nos evangelhos, pois nestes se não refere que Cristo, depois de baixado
da cruz, tenha sido colocado no colo da mãe. Trata-se, pois, duma invenção
moderna, mas de grande poder sugestivo.
As
mais antigas pietàs conservadas são
alemãs e datam de cerca 1320-1330. Inicialmente eram uma espécie de imagens
temporárias, compostas por uma imagem de Nossa Senhora sentada, em cujo regaço
se deitava uma imagem de Cristo que se retirava da cruz na Sexta-feira Santa.
De notar que, de facto, em várias imagens de Cristo crucificado, o Cristo é
“despregável” da cruz e tem braços articulados. Era essa mesma imagem de Cristo
que, depois, se retirava do regaço da Virgem e era colocada num caixão, que se
passeava na chamada procissão do Enterro do Senhor.
Na Pietà da igreja de Nossa Senhora da Ascensão
(VER IMAGEM Nº 2), em Salmdorf, Munique, Alemanha (de cerca de 1340), pode-se
observar bem que o Cristo é articulado.
À
cena representada na Pietà está
ligado o pequeno poema de origem medieval “O VOS OMNES” (ver o texto abaixo),
que, sem dúvida pelo dramatismo da situação que evoca, foi posto em música por
compositores de variadas épocas e lugares, até hoje.
Portanto,
muito havia por onde escolher (por exemplo, a famosa versão de Tomás Luis de
Victoria), mas decidi-me por uma versão bem moderna, dum compositor norte-americano
nascido em 1983, BLAKE R. HENSON. É cantada pelo coro da escola secundária de
Coronado, em Henderson, estado do Nevada, EUA, que me parece dá muito bem conta
do recado.
Diz a letra:
“O
vos omnes qui transitis per viam,
attendite et videte si est dolor similis sicut dolor meus”
attendite et videte si est dolor similis sicut dolor meus”
(=Ó
vós todos que passeis pelo caminho,
reparai e vede se há dor parecida à minha dor).
reparai e vede se há dor parecida à minha dor).
José Joaquim Dias Marques é doutorado em Literatura Oral pela Universidade do Algarve, onde é professor auxiliar. Desde 1980, tem-se dedicado à recolha e estudo da literatura oral portuguesa, sobretudo do romanceiro. Sobre este género tradicional publicou numerosos artigos e a ele dedicou a sua tese de doutoramento (A Génese do Romanceiro do Algarve de Estácio da Veiga, 2002). É co-autor (com Isabel Cardigos e Paulo Correia) do Catalogue of Portuguese Folktales (2006).
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