sábado, 19 de novembro de 2016

Romance de Iracema

Lira e Nenzinha, duas mestras da cultura popular de Igaporã (BA). 















No dia 5 de maio,
O sol lá por trás dos galhos,
Parecia adivinhar...
Os passarinhos cantavam,
Muita gente até chorava:
Esta história eu vou contar.
Iracema namorava,
Mas nunca ela pensava
De um destino traiçoeiro.
Em palavras bem mesquinhas,
Achou que não lhe convinha
Seguir com Antônio Ribeiro.
Antônio se aborreceu,
Um suspiro logo deu,
Não soltava a sua fala.
Ele fez uma promessa:
Prometeu cumprir depressa
Perseguindo pra matá-la.
O triste acontecimento
Que não teve salvamento
Às sete horas da manhã.
Aos trabalhos dirigia
Iracema nesse dia
Junto com suas irmãs.
Na travessa da avenida
Foi o fim da sua vida,
Coitadinha! não sabia!
Iracema, já cansada,
No meio da encruzilhada
Tropeçava e já caía.
Ele lhe deu três facadas,
Sangue corre às enxurradas,
Travessando seu pulmão.
Antônio saiu contente,
Por ter matado a inocente
Na maior judiação.
E, depois de ter matado,
Declarou o corpo de um lado
Na pavadeira do chão.
Antônio saiu calado
E logo foi agarrado,
Seguindo para a prisão.
Todo mundo arrodeava
E todo se recordava
Com a dor no coração
Ao ver a pobre coitada
Em sangue estava deitada
No meio da multidão.
Pra chegar em casa dela,
Parecia ser a mais bela
Das flores do seu jardim.
Os seus pais, com desespero,
Logo saem para o terreiro
Para ver seu triste fim.
Ela, deitada e já fria,
O povo até invadia
Com suspiro e soluçante.
Não teve quem não chorasse
Ao beijar aquela face
Neste dia lagrimante.
Onde morreu a coitada
Todo mundo faz parada
Somente pra recordar.
Iracema foi-se embora,
Nesta terra já não mora,
Foi pra nunca mais voltar.
O dia do enterro dela,
Pelas ruas, na janela,
Chamava logo a atenção.
Vestida com lindo véu,
Já estava lá no céu,
Deixando recordação.

Informantes: Lira e Nenzinha (Igaporã, Bahia)

NOTA: Este romance em versos composto em sextilhas (esquema AABCCB com rimas toantes e consoantes) é cantado pelas irmãs Lira e Nenzinha Amaral, de Igaporã (BA). Certamente, reproduz um fato real, o assassinato de uma inocente, que causou grande comoção, merecendo o registro de um poeta popular, cujo nome se perdeu. Lira e Nenzinha perderam a visão ainda meninas, conservando uma memória prodigiosa. Conhecem uma infinidade de romances, desde os ibéricos, com grande número de versões e variantes, aos romances trágicos brasileiros, categoria que inclui o exemplar acima reproduzido.

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