Foi na sala
da casa de Luzia,
Minha avó,
minha grande professora,
Que escutei
sua voz acolhedora,
E,
escutando-a, viagens eu fazia.
Ia além do
sertão, onde vivia,
Para reinos
longínquos, irreais,
Em benditos,
cantigas, madrigais,
No romance
de “Jorge e Juliana”,
Garimpado da
verve soberana
Da mestria
dos bardos ancestrais.
Dela ouvia
os romances de cordel,
Muitos deles
gravados na memória,
“Zezinho e
Mariquinha”, a linda história,
De um casal
que ao amor era fiel,
“Juvenal e o
Dragão”, do menestrel
Que, hoje
sei, se destaca entre seus pares,
Adentrando,
orgulhoso, muitos lares,
Com a sua
assombrosa inteligência:
É Leandro
esse herói por excelência,
Criador dos
enredos singulares.
Foi na Ponta
da Serra, onde nasci,
Inda à luz
da candeia a querosene,
Que a
cultura do povo, a mais perene,
Com os olhos
brilhando conheci.
Nesse tempo,
me lembro, ainda li
O valente
herói “João Acaba-Mundo”,
“Três
Conselhos da Sorte”, o mais profundo
Dos romances
com temas enlevados”,
Também li
“Três Cavalos Encantados,
De José
Camelo, um autor fecundo.
Minha avó
foi embora desta terra,
Mas deixou
para sempre o seu exemplo.
As lições
que legou são como um templo
Que do ser
no profundo d’alma encerra.
Sua luz
brilhou na Ponta da Serra,
E inda
brilha nos contos e cantigas,
Que nos
falam de amores e de intrigas,
Nos meus
medos, saudades, preces, ritos,
Nos abismos
que geram infinitos,
Nas memórias
tão novas, tão antigas.
O doutor
Pensamento me conduz
Para as
plagas da Serra do Ramalho,
Para onde o
meu pai, hoje grisalho,
Se mudou,
carregando a sua cruz.
E foi lá,
com as graças de Jesus,
Que escrevi
um romance hoje afamado,
Num caderno
que tenho ainda guardado,
Sob a sombra
de um belo flamboaiã,
Esse livro é
pra mim um talismã,
E foi pela
Luzeiro publicado.
Escrevi
desde os seis anos histórias,
Versos
soltos, poemas de ABC,
Mas “O Herói
da Montanha Negra” é o que
Reuniu em si
as muitas memórias.
Outras
obras, quais aves migratórias,
São
lembranças que guardo com apreço,
Mesmo as que
se perderam, não esqueço,
Mas “O
Herói”, para mim, é o limiar
Que mostrou
aonde eu posso chegar,
O que quero,
o que faço e o que teço.
Tinha então
treze anos, e a vontade
De, munido
da pena e do papel,
Ser um
bardo, um aedo, um menestrel,
Viajando
entre o campo e a cidade,
A levar para
o povo a novidade
Ansiada,
depois da faina dura.
Muita gente
falou que era aventura,
E o melhor
era ter algum emprego
Que pudesse
gerar paz e sossego,
Pois sonhar
não passava de loucura.
Fui menor
aprendiz, fui professor,
Raleei
algodão, tangi boiada,
Palmilhei
muita terra, muita estrada,
Conheci a
paixão e o desamor,
Alegria,
tristeza, fome e dor,
Mas jamais,
dos meus sonhos abri mão.
Mesmo tendo
deixado o meu sertão,
Meu sertão,
que jamais saiu de mim,
Seguirá em
minha alma até o fim,
A pulsar
junto do meu coração.
Trinta anos
de estrada... Lá distante
Escutei o
chamado da aventura,
E entendi
que, depois da noite escura,
Descortina
uma Aurora radiante
E que é
sempre preciso ir adiante,
Tendo medo
somente do temor,
Na sagrada
missão do trovador,
Que faz
dessa aridez jardim florido,
E o Futuro,
esse deus desconhecido,
Saberá
premiar o contendor.
O que vem
pela frente, quem dirá?
O que
importa é seguir de fronte erguida,
O que
importa é cantar, louvar a vida,
O que
importa é viver o hoje, o já.
A aquarela
que descolorirá,
Em poesia
sublime decantada,
É a prova de
que sua jornada,
Com tropeços
e acertos, segue em frente,
O que
importa é ser gente, porque gente
É quem ama o
que faz. O resto é nada.
Marco
Haurélio
Adendo: Dia
24 de junho, estarei celebrando 30 anos de Cordel e lançando o livro O
Cavaleiro de Prata (Editora de Cultura) na Livraria Nove Sete.
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