Barbatão. Xilogravura de Lucélia Borges |
Eu tinha meu Boi-Espácio,
Qu'era meu boi corteleiro,
Que comia em três sertão,
Bebia na Cajazeira,
Malhava lá no oiteiro,
Descansava em Riachão.
Eu tinha meu Boi-Espácio,
Meu boi preto caraúna;
Por ter a ponta mui fina,
Sempre fui botei-lhe a unha.
Estava na minha casa,
Na minha porta assentado; .
Chegou seu Antonio Ferreira,
Montado no seu rução.
Com o irmão de Damião.
Montado no seu lazão;
Dizendo de coração:
—— Botai-me este boi no chão.
Gritei pelo meu cachorro,
Meu cachorro Tubarão:
"Agora, meu boi, agora,
Faz ato de contrição!
Ecô, meu cachorro ecô!..."
No curral da Piedade
Eu dei com meu boi no chão.
Ao depois do boi no chão,
Chegou o moleque João,
Se arrastando pelo chão,
Fazendo as vezes de cão,
Pedindo o sebo do boi
Pra temperar seu feijão.
A morte deste meu boi
A todos fizera pena;
Ao depois deste boi morto
Cabou-se meu boi, morena.
"No ano em que eu nasci,
No outro que me criei,
No outro que fui bezerro,
No outro que fui mamote,
No outro que fui garrote,
No outro que me caparam
Andei bem perto da morte.
"Minha mãe era uma vaca,
Vaquinha de opinião;
Ela tinha o ubre grande
Que arrastava pelo chão.
Minha mãe era uma vaca,
Vaquinha de opinião;
Enquanto fui barbatão
Nunca entrei em curralão,
Estava no meu descanso
Debaixo da cajazeira,
Botei os olhos na estrada,
Lá vinha seu Antonio Ferreira...
Estando numa malhada
Já na sombra recolhido,
Logo que vi o Ferreira
Ali achei-me perdido.
Foi-me tudo ao contrário,
E semprei fui perseguido;
Já me conhecem o rasto,
O Boi-Espácio está perdido.
Não tem a culpa o Ferreira,
Que não me pôde avistar,
Foi o caboclo danado
Que parte de mim foi dar.
O seu Antonio Ferreira
Tem três cavalos danados:
O primeiro é o ruço,
O segundo é o lazão,
O terceiro é o Piaba...
Três cavalo endiabrados!
Mas eu não temo cavalo,
Que se chama o Deixa-fama,
Tambem não temo o vaqueiro
Que derrubei lá na lama.
Me meteram no curral,
Me trancaram de alçapão;
E bati num canto e noutro,
Não pude sair mais não!
Adeus, fonte onde eu bebia,
Adeus, pasto onde eu comia,
Malhador onde eu malhava;
Adeus, ribeira corrente,
Adeus, caraíba verde,
Descanso de tanta gente!...
O couro do Boi-Espácio
Deu cem pares de surrão,
Para carregar farinha
Da praia de Maranhão.
O fato do Boi-Espácio
Cem pessoas a tratar,
Outras cem para virar...
O resto pra urubusada.
O sebo do Boi-Espácio
Dele fizeram sabão
Para se lavar a roupa
Da gente lá do sertão.
A língua do Boi-Espácio,
Dela fizeram fritada;
Comeu a cidade inteira,
Não foi mentira, nem nada.
Os miolos do Boi-Espácio,
Deles fez-se panelada;
Comeu a cidade inteira,
O resto pra cachorrada.
Os cascos do Boi-Espácio,
Deles fizeram canoa,
Para se passar Marotos
Do Brasil para Lisboa.
Os chifres do Boi-Espácio,
Deles fizeram colher
Para temperar banquetes
Das moças de Patamuté.
Os olhos do Boi-Espácio,
Deles fizeram botão
Para pregar nas casacas
Dos moços lá do sertão.
Costelas do Boi-Espácio,
Delas se fez cavador
Para se cavar cacimbas;
De duras não se quebrou.
O sangue do Boi-Espácio
Era de tanta exceção
Que afogou a três vaqueiros,
Todos três de opinião.
Canelas do Boi-Espácio
Delas se fizeram mão
Para pisar o milho
Da gente lá do sertão.
E da pá do Boi-Espácio,
Dela se fez tamborete
Para mandar de presente
A nosso amigo Cadete.
Do rabo do Boi-Espácio,
Dele fizeram bastão
Para as velhas de cima]
Andar com ele na mão.
Qu'era meu boi corteleiro,
Que comia em três sertão,
Bebia na Cajazeira,
Malhava lá no oiteiro,
Descansava em Riachão.
Eu tinha meu Boi-Espácio,
Meu boi preto caraúna;
Por ter a ponta mui fina,
Sempre fui botei-lhe a unha.
Estava na minha casa,
Na minha porta assentado; .
Chegou seu Antonio Ferreira,
Montado no seu rução.
Com o irmão de Damião.
Montado no seu lazão;
Dizendo de coração:
—— Botai-me este boi no chão.
Gritei pelo meu cachorro,
Meu cachorro Tubarão:
"Agora, meu boi, agora,
Faz ato de contrição!
Ecô, meu cachorro ecô!..."
No curral da Piedade
Eu dei com meu boi no chão.
Ao depois do boi no chão,
Chegou o moleque João,
Se arrastando pelo chão,
Fazendo as vezes de cão,
Pedindo o sebo do boi
Pra temperar seu feijão.
A morte deste meu boi
A todos fizera pena;
Ao depois deste boi morto
Cabou-se meu boi, morena.
"No ano em que eu nasci,
No outro que me criei,
No outro que fui bezerro,
No outro que fui mamote,
No outro que fui garrote,
No outro que me caparam
Andei bem perto da morte.
"Minha mãe era uma vaca,
Vaquinha de opinião;
Ela tinha o ubre grande
Que arrastava pelo chão.
Minha mãe era uma vaca,
Vaquinha de opinião;
Enquanto fui barbatão
Nunca entrei em curralão,
Estava no meu descanso
Debaixo da cajazeira,
Botei os olhos na estrada,
Lá vinha seu Antonio Ferreira...
Estando numa malhada
Já na sombra recolhido,
Logo que vi o Ferreira
Ali achei-me perdido.
Foi-me tudo ao contrário,
E semprei fui perseguido;
Já me conhecem o rasto,
O Boi-Espácio está perdido.
Não tem a culpa o Ferreira,
Que não me pôde avistar,
Foi o caboclo danado
Que parte de mim foi dar.
O seu Antonio Ferreira
Tem três cavalos danados:
O primeiro é o ruço,
O segundo é o lazão,
O terceiro é o Piaba...
Três cavalo endiabrados!
Mas eu não temo cavalo,
Que se chama o Deixa-fama,
Tambem não temo o vaqueiro
Que derrubei lá na lama.
Me meteram no curral,
Me trancaram de alçapão;
E bati num canto e noutro,
Não pude sair mais não!
Adeus, fonte onde eu bebia,
Adeus, pasto onde eu comia,
Malhador onde eu malhava;
Adeus, ribeira corrente,
Adeus, caraíba verde,
Descanso de tanta gente!...
O couro do Boi-Espácio
Deu cem pares de surrão,
Para carregar farinha
Da praia de Maranhão.
O fato do Boi-Espácio
Cem pessoas a tratar,
Outras cem para virar...
O resto pra urubusada.
O sebo do Boi-Espácio
Dele fizeram sabão
Para se lavar a roupa
Da gente lá do sertão.
A língua do Boi-Espácio,
Dela fizeram fritada;
Comeu a cidade inteira,
Não foi mentira, nem nada.
Os miolos do Boi-Espácio,
Deles fez-se panelada;
Comeu a cidade inteira,
O resto pra cachorrada.
Os cascos do Boi-Espácio,
Deles fizeram canoa,
Para se passar Marotos
Do Brasil para Lisboa.
Os chifres do Boi-Espácio,
Deles fizeram colher
Para temperar banquetes
Das moças de Patamuté.
Os olhos do Boi-Espácio,
Deles fizeram botão
Para pregar nas casacas
Dos moços lá do sertão.
Costelas do Boi-Espácio,
Delas se fez cavador
Para se cavar cacimbas;
De duras não se quebrou.
O sangue do Boi-Espácio
Era de tanta exceção
Que afogou a três vaqueiros,
Todos três de opinião.
Canelas do Boi-Espácio
Delas se fizeram mão
Para pisar o milho
Da gente lá do sertão.
E da pá do Boi-Espácio,
Dela se fez tamborete
Para mandar de presente
A nosso amigo Cadete.
Do rabo do Boi-Espácio,
Dele fizeram bastão
Para as velhas de cima]
Andar com ele na mão.
[Silvio Romero, Cantos populares do Brasil]
Nenhum comentário:
Postar um comentário