Leandro Gomes de Barros, morto há cem anos, é o poeta-síntese da literatura de cordel brasileira. |
A história da literatura de
cordel ou, mais especificamente, a história da editoração do corpus que viria
ser denominado literatura de cordel, no Brasil, é cheia de percalços. Sabe-se
que, antes da aventura editorial de Leandro Gomes de Barros, paraibano que
migrou para Pernambuco, e se valeu dos recursos da imprensa para popularizar os
textos poéticos escritos por ele ou por amigos próximos, os romances circulavam
em manuscritos ou faziam parte do amplo repertório das poéticas orais do
Nordeste. Sem autoria conhecida, ou mesmo atribuída, estas narrativas épicas,
líricas ou picarescas se misturavam aos velhos romances ibéricos, como Juliana e D. Jorge, O cego, D. Barão, Silvaninha ou D. Claros de Montealbar, ou aos romances da gesta do gado, com
barbatões endemoninhados e vaqueiros intrépidos. Sem contar os romances
trágicos, ligados muitas vezes ao ciclo do cangaço, envolvendo figuras
lendárias, como o valente Vilela, ou reais, mas deturpadas pela imaginação
popular, como Lucas da Feira, Zé do Vale, José Gomes, o Cabeleira, e Jesuíno
Brilhante, populares até as primeiras décadas do século XX.
A contribuição de Leandro Gomes
de Barros, que, além de grande poeta, foi, ao lado de Francisco das Chagas
Batista, seu compadre e amigo mais próximo, editor pioneiro, é tão grande, que
podemos chamá-lo, sem chances de erro, de poeta-ponte. Não foi o primeiro autor
de cordel do Nordeste, nem o mais prolífico, mas foi a partir dele que o gênero
se estabeleceu em sua amplitude temática e como atividade editorial consistente
e tocada com profissionalismo. João Martins de Athayde que, de certa forma, o
sucedeu, ao adquirir o seu espólio em 1921, consolidou-se como um editor
obstinado, ampliando o catálogo de sua tipografia de modo substancial, e pondo
fim à forma como os cordéis, até então, eram publicados por Leandro: inacabados
e, a depender de sua extensão, publicados em dois ou mais folhetos, em
companhia de outras histórias.
Afirmar que, sem Leandro, o
cordel no Brasil não existiria é uma grosseira mistificação, um disparate. Um
desrespeito com outros autores editores contemporâneos, a exemplo do próprio
Chagas Batista. Mas o cordel, como o conhecemos, deve muito ao bardo paraibano
que, faço sempre questão de frisar, nunca foi um demiurgo, e sim um desbravador
que fez de uma seara inculta um celeiro abarrotado de versos-sementes. Sementes
que ainda nos nutrem e nos sustentam.
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