terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

CEM ANOS SEM LEANDRO, O POETA-PONTE

Leandro Gomes de Barros, morto há cem anos, é o poeta-síntese
da literatura de cordel brasileira. 

A história da literatura de cordel ou, mais especificamente, a história da editoração do corpus que viria ser denominado literatura de cordel, no Brasil, é cheia de percalços. Sabe-se que, antes da aventura editorial de Leandro Gomes de Barros, paraibano que migrou para Pernambuco, e se valeu dos recursos da imprensa para popularizar os textos poéticos escritos por ele ou por amigos próximos, os romances circulavam em manuscritos ou faziam parte do amplo repertório das poéticas orais do Nordeste. Sem autoria conhecida, ou mesmo atribuída, estas narrativas épicas, líricas ou picarescas se misturavam aos velhos romances ibéricos, como Juliana e D. Jorge, O cego, D. Barão, Silvaninha ou D. Claros de Montealbar, ou aos romances da gesta do gado, com barbatões endemoninhados e vaqueiros intrépidos. Sem contar os romances trágicos, ligados muitas vezes ao ciclo do cangaço, envolvendo figuras lendárias, como o valente Vilela, ou reais, mas deturpadas pela imaginação popular, como Lucas da Feira, Zé do Vale, José Gomes, o Cabeleira, e Jesuíno Brilhante, populares até as primeiras décadas do século XX.

A contribuição de Leandro Gomes de Barros, que, além de grande poeta, foi, ao lado de Francisco das Chagas Batista, seu compadre e amigo mais próximo, editor pioneiro, é tão grande, que podemos chamá-lo, sem chances de erro, de poeta-ponte. Não foi o primeiro autor de cordel do Nordeste, nem o mais prolífico, mas foi a partir dele que o gênero se estabeleceu em sua amplitude temática e como atividade editorial consistente e tocada com profissionalismo. João Martins de Athayde que, de certa forma, o sucedeu, ao adquirir o seu espólio em 1921, consolidou-se como um editor obstinado, ampliando o catálogo de sua tipografia de modo substancial, e pondo fim à forma como os cordéis, até então, eram publicados por Leandro: inacabados e, a depender de sua extensão, publicados em dois ou mais folhetos, em companhia de outras histórias.


Afirmar que, sem Leandro, o cordel no Brasil não existiria é uma grosseira mistificação, um disparate. Um desrespeito com outros autores editores contemporâneos, a exemplo do próprio Chagas Batista. Mas o cordel, como o conhecemos, deve muito ao bardo paraibano que, faço sempre questão de frisar, nunca foi um demiurgo, e sim um desbravador que fez de uma seara inculta um celeiro abarrotado de versos-sementes. Sementes que ainda nos nutrem e nos sustentam.

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