Anúbis protege e cuida do defunto. |
Em Totem e Tabu, Sigmund Freud estuda
várias crendices e interdições de povos em diferentes estágios civilizatórios, uma
delas relativa à morte e ao medo de, ao pronunciar o nome de pessoas mortas,
invocar ou atrair sobre si uma maldição. Escreveu ele: “Um dos costumes mais
estranhos e singulares, ligados ao tabu dos motos, entre os primitivos, é a
proibição de pronunciar o ‘nome’ do defunto”.
A crença se faz presente entre povos
de todos os quadrantes e foi registrada entre polinésios, hindus, mongóis,
ainos, tuaregues e indígenas de toda a América. Os massai da África, por
exemplo, costumavam mudar os nomes dos falecidos, assim como alguns povos
nativos da Austrália. O luto e a observância de algumas regras presentes nos
ritos fúnebres, que tangem ao apaziguamento do espírito teriam a ver, em parte,
com o horror despertado pelas mudanças observáveis nos cadáveres. Luís da
Câmara Cascudo (sempre ele!), no ensaio Anúbis, dedica um tópico à superstição
ligada ao nome do morto e as trágicas consequências dele advindas: “O nome pertence ao morto e participa
de sua substância. É inseparável. Chamá-lo, pronunciando-o em voz perceptível,
é evoca-lo, sugerindo-lhe a presença imediata, quase irresistível pela magia
poderosa do nome”.
O medo dos demônios, segundo Wundt,
derivaria do medo original das almas dos mortos. Os que morrem de causa
violenta, ou mediante operações mágicas, tornam-se espíritos vingativos,
demônios, enfim. (cf. Wetermarck). Certo é que, nos sertões de outrora,
evitava-se pronunciar os nomes de entidades demoníacas, substituindo-os por
apelativos. Nomen numen, diriam os supersticiosos romanos. Evitava-se, de
igual modo, pronunciar-se o nome de quem dorme o sono eterno, substituindo-o
por “finado”, “falecido”, “defunto”. A devoção às santas almas do Purgatório,
vivas no medo e na reverência dos penitentes, é mais antiga que a própria
concepção de Purgatório, popularizada por Dante, e as alimentadeiras de almas
dos termos do São Francisco atualizam, simplesmente, as oferendas votivas às
almas dos mortos que povoam os nossos sonhos e pesadelos desde que o mundo é
mundo.
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