sexta-feira, 19 de junho de 2020

40 ANOS DO NÚCLEO DE CORDEL DA BAHIA



Edilene Matos (ao centro), idealizadora do Núcleo de Pesquisa e Cultura
da Literatura de Cordel da Bahia.

 Por Edilene Matos
em seu perfil no Facebook. 

É com muita tristeza que lembro aqui os 40 anos de implantação do Núcleo de Pesquisa e Cultura da Literatura de Cordel da Fundação Cultural do Estado da Bahia e que foi totalmente transfigurado. Antes de contar um pouco a história desse importante centro de memória, faço um apelo para um movimento em torno de uma reabertura plena e digna desse acervo.

Em 1979, apresentei ao então Conselho Deliberativo da Fundação Cultural da Bahia um projeto para a criação do Núcleo de Pesquisa e Cultura da Literatura de Cordel, com o objetivo de atender à necessidade, que me parecia justa e urgente, de testemunhar e documentar esse riquíssimo patrimônio da cultura do povo, ainda desconhecido ou insuficientemente valorizado pelos estudiosos da dita literatura culta ou letrada. A transmissão oral, o domínio poético do encantamento e do fantástico, a transfiguração do real através da simbologia, o recurso recorrente ao tema da metamorfose, a capacidade de interpretar e expressar os desejos e os valores de certos grupos sociais ignorados pela elite intelectual, são alguns dos elementos que denotam as especificidades da literatura popular, também chamada literatura de cordel ou de folhetos. Em 1980, o referido Projeto foi aprovado, relatado em sessão por Carlos Vasconcelos Domingues e fui designada, pelo presidente da Casa, Geraldo Machado (a quem sou eternamente grata pelo empenho e o profundo respeito), para ser a primeira coordenadora do recém-criado Núcleo. Passei a visitar alguns centros de excelência no assunto, como o da Fundação Casa de Rui Barbosa (Rio de Janeiro), o Instituto de Estudos Brasileiros da USP, o NUPPO da Universidade Federal da Paraíba e a Fundação Joaquim Nabuco (Recife). Passei a frequentar feiras e mercados desse Brasil afora para a aquisição do acervo.

O Núcleo de Cordel da Bahia passou a contar com razoável acervo de folhetos populares todo ele fichado e acondicionado em caixas especiais, assim como uma considerável bibliografia de apoio – livros, teses, revistas, jornais, artigos diversos -, além de uma discografia, de arquivos com fotos e documentos diversos sobre a matéria.

Era um espaço vivo, onde transitavam poetas de cordel, violeiros, repentistas, intelectuais, pesquisadores brasileiros, americanos e europeus, estudantes, público em geral. Tinha uma programação sistemática, que se estendia para ações de extensão, a exemplo da criação da Banca dos Trovadores e Violeiros na parte externa do Mercado Modelo.

Hoje, desalojado de seu espaço, a memória da literatura de cordel na Bahia sobrevive graças ao persistente e dedicado empenho da bibliotecária Ana Lúcia Reis Fonseca, embora conservado em local precário e inapropriado para a relevância dessas obras singularmente expressivas de nossa cultura). Felizmente, há um catálogo, editado em 2006, com 246 páginas, pela mesma Fundação Cultural, trabalho feito amorosamente por Ana Lúcia Reis Fonseca, amiga querida, na gestão de Armindo Bião, também envolvido com a literatura de cordel.

Desde sua inauguração oficial (19 de junho de 1980), o Núcleo de Cordel destacou-se no cenário da cultura baiana pelo original e promissor projeto que apresentava, destacando-se, entre as ações, o projeto da Banca dos Trovadores e Repentistas, envolvendo a criação de um espaço onde poetas e cantadores /repentistas passariam a ter um local específico para o desenvolvimento de suas atividades artísticas, sobretudo as atuações performáticas.

Esse espaço chamou muita atenção e tanto o povo quanto os intelectuais sensíveis à criação popular passavam por lá e se deliciavam com os versos improvisados. Lembro-me, por exemplo, de Rodolfo Cavalcante Bule- Bule, Zé Pedreira, Papada, Valeriano, Minelvino, Jorge Amado, Queiroz, José Calasans, Hildegardes Vianna, Zélia Gattai, Orígenes Lessa, Dias Gomes, Mário Vargas Llosa, Lêdo Ivo, Zumthor, Gilbert Durand, Sylvie Raynal, etc.

O cordel é um movimento artístico interdisciplinar por excelência, pois que o folheto integra em si diversas linguagens: temas e esquemas narrativos; canto, sonoridade e ritmos; artes plásticas, pois envolve desenhos, silhuetas e xilogravuras, além de variadas performances.



Edilene Dias Matos concluiu o doutorado em Comunicação e Semiótica/Literaturas pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo em 1999. Tem Pós-Doutorado em Literatura/Cultura Brasileira pela USP – Instituto de Estudos Brasileiros (2000-2002). Tem Pós-Doutorado (2012- 2013) pela Université Paris-Ouest Nanterre La Défense (França). Foi professora da Universidade Católica de Salvador. Foi Professora Doutora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo nos cursos de Graduação e Pós-Graduação (2003 a 2009). Foi diretora do Departamento de Literatura da Fundação Cultural do Estado da Bahia. Atualmente é Professora Adjunta da Universidade Federal da Bahia. Foi docente permanente do Programa de Pós-Graduação em Literatura e Crítica Literária da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. É Docente permanente do Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade (Mestrado e Doutorado) e é a atual Coordenadora do referido Programa. Publicou vários artigos em periódicos especializados, além de mais de uma dezena de capítulos de livros e livros, em várias edições. Tem participado de vários eventos no Brasil e no exterior. Tem oferecido disciplinas na Université Paris-Ouest Nanterre La Défense. Atua na área de Semiótica da Cultura, tendo por base a área de Letras e Artes, com ênfase em Cultura Brasileira, Literatura Brasileira, Poéticas da Voz, Interfaces da literatura com outras artes. Em suas atividades profissionais interage com diversos colaboradores em co-autorias de trabalhos científicos. Em seu currículo Lattes, os termos mais freqüentes na contextualização da produção científica, tecnológica e artístico-cultural são: Literatura Brasileira, Poéticas da Voz, teatralidade das poéticas orais. Interfaces da literatura com outras manifestações artístico-culturais, Interdisciplinaridade, Fundos Villa-Lobos, cordel, crítica, ficção e intertextualidade, culturas e artes. Foi eleita para a Academia de Letras da Bahia. (Informações disponíveis da página do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências Professor Milton Santos – IHAC

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