Edilene Matos (ao centro), idealizadora do Núcleo de Pesquisa e Cultura da Literatura de Cordel da Bahia. |
Por Edilene Matos em seu perfil no Facebook.
É com muita tristeza que lembro aqui os 40 anos de
implantação do Núcleo de Pesquisa e Cultura da Literatura de Cordel da Fundação
Cultural do Estado da Bahia e que foi totalmente transfigurado. Antes de contar
um pouco a história desse importante centro de memória, faço um apelo para um
movimento em torno de uma reabertura plena e digna desse acervo.
Em 1979, apresentei ao então Conselho Deliberativo da
Fundação Cultural da Bahia um projeto para a criação do Núcleo de Pesquisa e
Cultura da Literatura de Cordel, com o objetivo de atender à necessidade, que
me parecia justa e urgente, de testemunhar e documentar esse riquíssimo
patrimônio da cultura do povo, ainda desconhecido ou insuficientemente
valorizado pelos estudiosos da dita literatura culta ou letrada. A transmissão
oral, o domínio poético do encantamento e do fantástico, a transfiguração do
real através da simbologia, o recurso recorrente ao tema da metamorfose, a capacidade
de interpretar e expressar os desejos e os valores de certos grupos sociais
ignorados pela elite intelectual, são alguns dos elementos que denotam as
especificidades da literatura popular, também chamada literatura de cordel ou
de folhetos. Em 1980, o referido Projeto foi aprovado, relatado em sessão por
Carlos Vasconcelos Domingues e fui designada, pelo presidente da Casa, Geraldo
Machado (a quem sou eternamente grata pelo empenho e o profundo respeito), para
ser a primeira coordenadora do recém-criado Núcleo. Passei a visitar alguns
centros de excelência no assunto, como o da Fundação Casa de Rui Barbosa (Rio
de Janeiro), o Instituto de Estudos Brasileiros da USP, o NUPPO da Universidade
Federal da Paraíba e a Fundação Joaquim Nabuco (Recife). Passei a frequentar
feiras e mercados desse Brasil afora para a aquisição do acervo.
O Núcleo de Cordel da Bahia passou a contar com razoável
acervo de folhetos populares todo ele fichado e acondicionado em caixas especiais, assim
como uma considerável bibliografia de apoio – livros, teses, revistas, jornais,
artigos diversos -, além de uma discografia, de arquivos com fotos e documentos
diversos sobre a matéria.
Era um espaço vivo, onde transitavam poetas de cordel,
violeiros, repentistas, intelectuais, pesquisadores brasileiros, americanos e
europeus, estudantes, público em geral. Tinha uma programação sistemática, que
se estendia para ações de extensão, a exemplo da criação da Banca dos
Trovadores e Violeiros na parte externa do Mercado Modelo.
Hoje, desalojado de seu espaço, a memória da literatura de
cordel na Bahia sobrevive graças ao persistente e dedicado empenho da
bibliotecária Ana Lúcia Reis Fonseca, embora conservado em local precário e
inapropriado para a relevância dessas obras singularmente expressivas de nossa
cultura). Felizmente, há um catálogo, editado em 2006, com 246 páginas, pela
mesma Fundação Cultural, trabalho feito amorosamente por Ana Lúcia Reis
Fonseca, amiga querida, na gestão de Armindo Bião, também envolvido com a
literatura de cordel.
Desde sua inauguração oficial (19 de junho de 1980), o Núcleo
de Cordel destacou-se no cenário da cultura baiana pelo original e promissor
projeto que apresentava, destacando-se, entre as ações, o projeto da Banca dos
Trovadores e Repentistas, envolvendo a criação de um espaço onde poetas e
cantadores /repentistas passariam a ter um local específico para o
desenvolvimento de suas atividades artísticas, sobretudo as atuações
performáticas.
Esse espaço chamou muita atenção e tanto o povo quanto os
intelectuais sensíveis à criação popular passavam por lá e se deliciavam com os
versos improvisados. Lembro-me, por exemplo, de Rodolfo Cavalcante Bule- Bule,
Zé Pedreira, Papada, Valeriano, Minelvino, Jorge Amado, Queiroz, José Calasans,
Hildegardes Vianna, Zélia Gattai, Orígenes Lessa, Dias Gomes, Mário Vargas
Llosa, Lêdo Ivo, Zumthor, Gilbert Durand, Sylvie Raynal, etc.
O cordel é um movimento artístico interdisciplinar por
excelência, pois que o folheto integra em si diversas linguagens: temas e
esquemas narrativos; canto, sonoridade e ritmos; artes plásticas, pois envolve
desenhos, silhuetas e xilogravuras, além de variadas performances.
Edilene Dias Matos concluiu o doutorado em Comunicação e
Semiótica/Literaturas pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo em
1999. Tem Pós-Doutorado em Literatura/Cultura Brasileira pela USP – Instituto
de Estudos Brasileiros (2000-2002). Tem Pós-Doutorado (2012- 2013) pela
Université Paris-Ouest Nanterre La Défense (França). Foi professora da
Universidade Católica de Salvador. Foi Professora Doutora da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo nos cursos de Graduação e Pós-Graduação
(2003 a 2009). Foi diretora do Departamento de Literatura da Fundação Cultural
do Estado da Bahia. Atualmente é Professora Adjunta da Universidade Federal da
Bahia. Foi docente permanente do Programa de Pós-Graduação em Literatura e
Crítica Literária da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. É Docente
permanente do Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade
(Mestrado e Doutorado) e é a atual Coordenadora do referido Programa. Publicou
vários artigos em periódicos especializados, além de mais de uma dezena de
capítulos de livros e livros, em várias edições. Tem participado de vários
eventos no Brasil e no exterior. Tem oferecido disciplinas na Université
Paris-Ouest Nanterre La Défense. Atua na área de Semiótica da Cultura, tendo
por base a área de Letras e Artes, com ênfase em Cultura Brasileira, Literatura
Brasileira, Poéticas da Voz, Interfaces da literatura com outras artes. Em suas
atividades profissionais interage com diversos colaboradores em co-autorias de
trabalhos científicos. Em seu currículo Lattes, os termos mais freqüentes na
contextualização da produção científica, tecnológica e artístico-cultural são:
Literatura Brasileira, Poéticas da Voz, teatralidade das poéticas orais.
Interfaces da literatura com outras manifestações artístico-culturais,
Interdisciplinaridade, Fundos Villa-Lobos, cordel, crítica, ficção e
intertextualidade, culturas e artes. Foi eleita para a Academia de Letras da
Bahia. (Informações disponíveis da página do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências Professor Milton Santos – IHAC.
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