Foto: Antônio Vicelmo. |
Em uma postagem em minha página no Facebook, fiz uma pergunta retórica sobre Antônio Gonçalves da Silva (1908-2002), rebatizado, em poesia, como Patativa do Assaré. O rebatismo, aliás, ocorreu, provavelmente em 1928, quando o jornalista José Carvalho de Brito, autor de O Matuto Cearense e o Caboclo do Pará, em matéria para o Correio do Ceará, comparou o estro do poeta ao canto da dita ave. Daí até a publicação da compilação de poemas Inspiração nordestina (1956), passando pela gravação, pelo rei do baião, Luiz Gonzaga, da canção “A Triste Partida” (1964), publicada originalmente em folheto sob o título Pau de Arara do Norte, foi um longo caminho em que pôde burilar seu talento e se reafirmar em vários campos da poesia.
A pergunta em questão – Patativa era ou não cordelista? – tem a ver com a inquietação de muitos de seus leitores, incluindo estudiosos da poesia rotulada como popular. Dos 44 comentários até ontem ( de dezembro), apenas seis pessoas responderam negativamente. E isso num tom respeitoso, apesar das discordâncias pontuais. Mas nem todos afirmaram categoricamente se o poeta de “Ispinho e fulô” era cordelista. Ele próprio, segundo Gerardo Pardal, que afirma ter escutado do mestre, não se reconhecia como tal. Essa informação é corroborada por outras fontes. Carlos Drummond de Andrade escreveu um cordel, “Estória de João-Joana”, inspirado no romance da Donzela Guerreira. Ferreira Gullar escreveu João Boa-Morte, Cabra Marcado para Morrer, Quem matou Aparecida e outros folhetos, por vezes mesclando modalidades distintas, folhetos publicados em 1962 e depois reunidos em uma antologia, Romances de Cordel, em 2010. Até Glauber Rocha ousou escrever um cordel, com métrica e ritmo tatibitates, musicado por Sergio Ricardo, tema de sua obra-prima Deus e o Diabo na Terra do Sol. Isso faz deles cordelistas? Ouso dizer que não.
O mesmo raciocínio, então, vale para Patativa? Vale. Ocorre que Patativa não escreveu apenas um ou dois cordéis, que passam despercebidos numa obra monumental, como a de Drummond, ou movido talvez por inclinações políticas em um momento de encruzilhada, no caso de Gullar. Patativa tem pelo menos duas dezenas de cordéis publicados, alguns de fôlego, caso de O Padre Henrique e o Dragão da Maldade, denúncia pungente de um assassinato político, na qual não perde a verve matuta, expressa já nos primeiros versos:
Outro poema de fôlego nesse gênero (ou subgênero) poético é História de Aladim e a Lâmpada Maravilhosa, romance baseado no conto das Mil e Uma Noites, publicado, como boa parte de sua obra, na tipografia São Francisco, de José Bernardo da Silva. Ainda na tradição romanesca, escreveu Abílio e seu Cachorro Jupi e Brosogó, Militão e o Diabo, este último uma adaptação do conto popular do “Diabo Advogado”, corrente em muitos países. Outras criações de Patativa neste campo são: Saudação a Juazeiro do Norte, ABC do Nordeste Flagelado (em décimas), As Façanhas de João Mole, Glosas sobre o Comunismo, além de um interessantíssimo Encontro de Patativa do Assaré com a Alma de Zé Limeira, o Poeta do Absurdo. Compilações de folhetos de sua autoria podem ser encontrados em coletâneas organizadas pelo saudoso professor Gilmar de Carvalho e por Sylvie Debs.
Embora enveredasse eventualmente pelo cordel e tenha recusado o rótulo de cordelista, para não ser confundido com muitos versejadores que pululavam em seu tempo, Patativa não era um estranho no ninho, com o perdão do quase trocadilho. Verdade que, embora falte em alguns de seus cordéis a verve e a imaginação fulgurante de um José Camelo ou a capacidade imagética de um Delarme Monteiro, supera-os em técnica. Manoel D’Almeida Filho, por outro lado, em anotações encontradas em correspondências enviadas à Editora Luzeiro, considerava fraca sua versão de Aladim. Opinião respeitável, mas que não deslustra a contribuição de Patativa, poeta de altos voos, à poesia bárdica do Nordeste.
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