segunda-feira, 18 de março de 2013

Novo livro de Marcos Mairton



Recebi, do poeta, contista, cronista Marcos Mairton o e-mail abaixo em que divulga o seu mais recente lançamento o livro Contos, Crônicas e Cordéis (Conhecimento Editora). 

Quem estiver  (ou morar) em Fortaleza ou região deve prestigiar o trabalho de Mairton, um dos grandes divulgadores de nossa poesia de bancada.

Prezado(a) Amigo(a),

É com imensa alegria que lhe encaminho convite para o lançamento do meu novo livro, "Contos, Crônicas e Cordéis", na Livraria Cultura, em Fortaleza.

Gostaria de contar com a sua presença e, se possível, sua colaboração para a divulgação da obra e do lançamento. Aí vale e-mail, Facebook, Google+, Twiter, cartaz no elevador do prédio, tudo...


sexta-feira, 15 de março de 2013

Das Mil e Uma Noites para o Cordel



Saiu, com o selo da Editora Giramundo, mais uma contribuição deste aprendiz de bardo: A História dos Dois Homens que Sonharam, com ilustrações de Bira Dantas.

Trecho inicial:

Peguei caneta e papel
E as Musas me visitaram.
Mesmo sem eu lhes pedir,
No meu ouvido sopraram
A maravilhosa História
Dos dois homens que sonharam.

Meu estro então viajou
Para as terras do Oriente,
Visitou duas nações
Seguidoras do Crescente, 
E das Mil e uma noites
Eu narro um drama pungente.

Mohamed era um bom homem,
Possuidor de riqueza,
Mas, mesmo assim, jamais foi
De perversa natureza.
Por só fazer caridade,
Conheceu cedo a pobreza.

Na bela Cairo, no Egito,
Este honesto mercador
Herdou uma casa que era
Um verdadeiro primor,
O único bem que restara,
Segundo o historiador.

No fundo havia um jardim
Com um relógio de sol.
Adiante uma figueira,
Onde, após o arrebol,
Vinha cantar, prazenteiro,
O maestro Rouxinol.

E, mais à frente, uma fonte
De remota antiguidade,
Porque diziam que era
Bem mais velha que a cidade.
E agora fazia parte
De sua propriedade.

Mohamed, apesar de tudo,
Não se queixava da sorte,
Dizia: — A vida é difícil,
Mas é melhor do que a morte!
E logo arranjou trabalho
Por ser inda moço e forte.

Todo serviço braçal
Fazia sem reclamar,
Acreditando que a vida
Poderia melhorar
E que a boa sorte iria
Sua casa visitar.

E uma noite, bem cansado
De seu labor enfadonho,
Deitou-se sob a figueira,
Com o semblante tristonho.
Logo o sono o envolveu
E, com ele, veio um sonho.

(...)

A História dos dois homens que sonharam integra um dos grandes monumentos literários da humanidade: o livro das Mil e uma noites. As fontes mais remotas para esta obra-prima, da qual existe um manuscrito no século IX, podem ser rastreadas no folclore indiano, árabe, egípcio e persa. A coletânea abrange contos, lendas, anedotas, apólogos, romances de viagem, sempre envolvidos por uma atmosfera mágica. Massudi, um historiador do século XI, afirma que o manuscrito era uma tradução de um original persa, Hezar Afsaneh, que significa Mil histórias. As versões mais modernas são baseadas no que se convencionou chamar de ramo sírio, surgido entre os séculos XIII e XIV. Foi com base em um manuscrito em três volumes, proveniente da Síria, que o orientalista Antoine Galland traduziu para o francês o livro das Mil e uma noites, entre 1704 e 1717. 

(...)

Como nem todas as traduções das Mil e uma noites trazem este conto, li-o pela primeira vez numa antologia organizada pelo grande escritor argentino Jorge Luis Borges (1899-1986), o Livro dos sonhos, onde estão compilados textos de diferentes autores, povos e épocas. A história gira em torno de um sonho sobre um tesouro localizado em uma terra distante. O homem que sonhou faz uma peregrinação em busca da tal terra e, lá, encontra outro homem que teve um sonho semelhante. Em 2010, publiquei no livro Contos folclóricos brasileiros, no qual reuni histórias da tradição oral baiana, uma versão recolhida em Canindé, Ceará, pelo cordelista Arievaldo Viana, chamada O tesouro do matuto. Era, ambientado no Nordeste, o mesmo conto que Borges reproduzira e que, segundo o pesquisador português Paulo Correia, remonta ao século XIII, na Pérsia, país que, como vimos, forneceu o modelo para o livro das Mil e uma noites. O conto original, ampliado pelo escritor Paulo Coelho, inspirou o romance O alquimista. É classificado pelos estudiosos do conto de tradição oral como “O tesouro ao pé da porta”.

quarta-feira, 13 de março de 2013

Estreia na Editora LeYa



Peripécias da Raposa no reino da bicharada, livro publicado pela Editora LeYa e ilustrado por Klévisson Viana, pertence à coleção Fábulas do Brasil em cordel que apresenta histórias cujos protagonistas são os animais na nossa fauna. Em situações inusitadas, os pequenos leitores travarão contato com a onça, animal de grande força, mas de limitada inteligência, em disputa com o macaco, o coelho, a raposa ou o bode, que, para vencê-la recorrem à astúcia. Algumas vezes, comparece a estas histórias o leão, apontado pela tradição como o rei dos animais, que, mesmo não pertencendo à fauna brasileira, faz parte do imaginário de muitos povos. Personificando vícios e virtudes, os animais dos contos populares têm muito a nos ensinar, pois sob penas, pelos e carapaças, eles deixam entrever a sua humanidade.

SINOPSE

Esta fábula em cordel reúne duas histórias que têm como protagonista a raposa. No primeiro episódio, a Raposa é companheira de traquinagens do Macaco, mas mostra-se imprudente ao ignorar os conselhos do amigo. No segundo, tenta devorar o Urubu, impossibilitado de voar depois de ter as penas encharcadas por uma pesada chuva. As duas histórias são parte do folclore europeu e chegaram até nós por intermédio dos colonizadores, passando a fazer parte do rico acervo da tradição oral brasileira.

Trecho:

Quando o nosso mundo era
Pelas feras governado,
Os animais conversavam
E o Leão, rei coroado,
Tentava manter a ordem,
Com muito zelo e cuidado.

Raposa era muito esperta,
Era esse o seu valor.
Mas o mais sabido era
O Macaco gozador,
Temido até pela Onça,
O animal predador.

O Macaco sempre ia
A uma chácara pegar
As frutas do fazendeiro
Mais famoso do lugar,
Mas nunca pegava além
Do que podia levar.

A Raposa, quando soube,
Disse assim: — Eu vou contigo.
O Macaco disse: — Não,
Por lá há muito perigo!
Vou e trago pra você.
Pode fiar no que digo.

Mas não houve mesmo jeito,
Pois estava decidida,
Pensando: “Se eu seguir junto,
Terei muito mais comida”...
Sem imaginar que estava
Pondo em risco a sua vida.

Macaco, assim que chegou,
Trepou-se numa pereira.
E encheu o seu samburá,
Mas a Raposa matreira
Foi para o canavial,
Sem achar que fez besteira.

(...)



Para saber mais, vá à página da LeYa.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Mais cordel para as estantes: A Lenda do Batatão



Saiu o meu novo livro infantojuvenil, A Lenda do Batatão (SESI-SP Editora), com ilustrações do mestre Jô Oliveira. O "Batatão", para quem não sabe, é um mito que evoluiu a partir do primitivo Mboitatá indígena. Este trabalho é um mergulho no Brasil profundo, que ainda conheci em minha infância, com os mal-assombros sob as copas dos umbuzeiros e a invasão de espíritos errantes à boca da noite, silenciados pelo primeiro canto do galo.

Abaixo, trecho da apresentação e as estrofes iniciais:

O Boitatá, personagem da mitologia americana, frequenta quase todos os livros sobre folclore. Da antiga serpente de fogo, que sobrevive ao dilúvio, ao Batatão, assombração dos charcos e matas do Nordeste, o mito passou por muitas transformações. Foi o Padre José de Anchieta o primeiro europeu a descrever o Boitatá, em 1560: “Há também outros (fantasmas), máxime nas praias que vivem a maior parte do tempo junto do mar e dos rios, e são chamados baetatá, que quer dizer “cousa de fogo”, o que é o mesmo como se dissesse ‘o que é todo de fogo’.” Baetatá deriva de duas palavras da língua tupi: mbay (coisa) e tata (fogo). No livro O selvagem (1876), o general Couto de Magalhães cita o Mboitatá, “gênero que protege os campos contra aqueles que o incendeiam; como a palavra o diz, Mboitatá é ‘cobra de fogo’.”

(...)

O Batatão é um espírito que habita os charcos, associado, muitas vezes, às almas penadas que não terão descanso enquanto não acertarem contas deixadas no mundo material. A informação de Câmara Cascudo nos ajuda a entender melhor o papel desse fantasma na mentalidade popular: “Em Portugal são as ‘alminhas’, as ‘almas dos meninos pagãos’, a ‘alma que deixou dinheiro enterrado’ e não se salvará enquanto o outro estiver escondido”. É nessa última função que apresento o Batatão, cuja lenda, reconstituída a partir de minha vivência sertaneja, é contada, aqui, nos versos ágeis da literatura de cordel.

Ainda tenho saudades
Das noites do meu sertão,
Onde ouvia contar muitas
Histórias de assombração,
Nas salas iluminadas
Pela luz do lampião.

Quando o sol ia morrendo,
Se escondendo atrás da serra,
Deixava um vermelho vivo,
Como o que jorra na guerra,
E o manto escuro da noite
Envolvia toda a terra.

A lua, mãe dos poetas,
Não provocava ciúmes
Nas estrelas, olhos verdes,
Que iluminavam os cumes
Da serra enquanto, na mata,
Reinavam os vaga-lumes.

O pio da mãe-da-lua,
Apavorante gemido,
Nota de triste canção,
Quando chegava ao ouvido,
Parecia alma penada
Ou ente desconhecido.

Quando o mundo adormecia,
Os espíritos errantes
Saíam de suas tocas,
Com gestos extravagantes.
Alguns eram bem pequenos,
Já outros eram gigantes.

Nas matas mais afastadas,
Os sons da sinistra festa
Denunciavam que ali
Muita “coisa que não presta”
Assustava os caçadores,
Invasores da floresta.

Saci pitando o cachimbo
Fazia muita zoada;
Caipora riscava o mato
Montado numa queixada;
Gritador nos umbuzeiros
Era como alma penada.

Beirando os charcos se via
Uma luz na escuridão:
A alma de um afogado
Fazendo lamentação.
No Nordeste, esse fantasma
É chamado Batatão.

Quem encontra tais duendes
Sofre um terrível abalo.
Perde-se, fica lesado,
Que demoram de encontrá-lo,
Mas todos os entes somem
Depois do cantar do galo.

Uma vez, ouvi contar
A história de um vaqueiro
Do coronel Juca Bastos,
Tipo mau e desordeiro,
Que enquanto esteve no mundo
Só endeusou o dinheiro.

Nunca deu uma esmola,
Tinha raiva da pobreza,
Tratava os seus agregados
Com desmedida rudeza,
Viveu sem nunca mostrar
Um tico de gentileza.

Seu vaqueiro, Chico Lopes,
Por todos era benquisto,
Dizia para o patrão
Para não descrer de Cristo,
Mas o velho ameaçava
A castigá-lo por isto.

(...)

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terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Victor Hugo em dose dupla


Comentei, uma vez, com o amigo e poeta Pedro Monteiro sobre dois poemas do francês Victor Hugo, marcantes na minha vida: Palavras de um conservador a propósito de um perturbador, com tradução parafrástica de Castro Alves, e A um bispo que me chamou de ateu, traduzido por Modesto de Abreu. "E como eu tenho acesso a estes poemas?", perguntou Pedro. "Digite no Google que, certamente, alguém os terá postado", foi a minha ingênua resposta. Ingênua, sim, pois, em casa, fazendo um teste, constatei que nem um e nem outro estavam disponíveis, comprovando a tese de que a internet sem alimentação nada é, Então, de posse do Livro de ouro da poesia da França (organizado por R. Magalhães Jr.), resolvi postar em meu blog Cordel atemporal os dois poemas.

À leitura, pois!

A um bispo que me chamou ateu
                       
Ateu? Ao vosso asserto eu dou explicação.
Espreitar-me, vigiar minh’alma, remexer,
Virar do avesso o fundo ignoto de meu ser,
Buscar o ponto ao qual minhas dúvidas vão,

Interrogar o inferno, inquirir seu registro
De polícia, através de um dédalo sinistro.
Para ver o que eu nego e o que eu admito e aceito,
Não convém. Minha fé, meu credo, satisfeito,
Vou expor. Amo, estimo a caridade franca:

Se se trata de um Deus de longa barba branca,
De uma espécie de rei, de papa ou imperador,
Num trono que se chama em teatro bastidor,
Tendo sobre a cabeça um vulgar passarinho,
À esquerda um profeta e à direita um anjinho
Com seu filho no colo exangue, desmaiado,
Deus uno e triplo, Deus invejoso e malvado;
Se se trata de um Deus que calca sob os pés
As vítimas das leis terríveis de Moisés,
De um deus que santifica os chacais nas cavernas,
E os filhos faz punir pelas faltas paternas,
Que faz o sol parar no ocaso diariamente,
Em risco de o avariar com seu gesto imprudente,
Deus geógrafo medíocre e astrônomo pior,
Que o homem por ignorância adora com terror,
Deus furioso, a fazer careta à espécie humana,
Empunhando na destra imensa durindana
Deus que perdoa pouco e pune de bom grado,
Que condena a virtude e premia o pecado
Deus que em seu céu azul, por não ter que fazer,
Nossos erros imita e entrega-se ao prazer
De flagelos semear, soltando sobre nós
Cambises e Nenrod, e Átila – o cão feroz –
Mandando assassinar os ímpios e os incréus,
Ó padre, sou ateu: não creio nesse Deus!
Se se trata, porém, do ser imaterial
Que resume com toda a evidência o ideal;
Ser cuja alma em minh’alma intimamente sinto,
Ser que me fala em suave e misterioso enleio,
Que opõe o verdadeiro ao falso, entre os instintos
Cuja vaga letal nos submerge até o meio;
Se se trata do Ser transcendente e sem par
Que uma só religião não consegue explicar,
Que adivinhamos bom e sentimos sapiente,
Sem contorno e sem limite, imenso, transcendente,
Que não tem filhos, mas tem mais paternidade,
E amor que o verão calor e claridade,
Se se trata do vasto etéreo e incognoscível
Que ao Gênese explicar não é jamais possível,
Que vemos todos nós com os olhos da razão,
Impossível de ser comido em algum pão,
Que, por dois corações se amarem não se rala,
E vê a natureza onde vês o pecado;
Se se trata do ser eterno sublimado,
Que pela estranha voz dos elementos fala,
Sem bíblias, sem cardeais, sem materialidade,
Por livro o abismo e por igreja a imensidade,
Vida, Espírito, Lei, tão grande que é invisível,
De tal modo sublime, impalpável, etéreo,
Que enchendo com seu vulto o infinito sidéreo,
Nota-se em tudo, e é não obstante indefinível;
Se se trata do ser imenso que elabora
E distribui o bem, a justiça e a razão,
Por limite o infinito, imutável outrora,
Hoje, agora, amanhã, sempre, dando à Criação
Sua estabilidade e aos corações paciência,
Que, luz fora de nós, é, dentro de nós, consciência;
Se é desse Deus grandioso e belo que se trata,
Que, na aurora ou na treva, augusto se retrata;
Se se trata, por fim, do princípio eternal
Que encerra a vida e o pensamento universal
E que, à falta de um nome a altura, eu chamo Deus,
Tudo se muda então,voltam-se nossas almas,
A tua para a noite, o abismo dos proteus,
Dos vermes, dos anões, dos monstros, dos chacais,
E a minha para o dia, a aurora, o sol, o céu,
A Natureza, a luz, as coisas divinais,
E então eu sou o crente e tu, padre, és o ateu!

                       (Tradução de Modesto de Abreu)

Palavras de Um Conservador
A PROPÓSITO DE UM PERTURBADOR
(Paráfrase de V. HUGO)

SERIA SONHO OU não... Depois vós me direis...
Um homem... era um grego, era um persa, um chinês,
Ou judeu?... Eu não sei... tão somente me lembro
Que era um ente verídico e grave, que era membro
Do partido da ordem...

                                          E ele dizia então:

"Esta morte jurídica imposta a um charlatão,
Ferindo este anarquista é soberana e justa...
Faz-se mister que a ordem e a autoridade augusta
Defendam-se... Tais cousas hoje ninguém discute.
Depois, se a lei existe é para que se execute.
Verdades santas há de origem tão divina
Que devem sustentar-se até na guilhotina.

“Este inovador pregava a filosofia
Do amor e do progresso... histórias... utopia!
Ria do nosso culto antigo e namorado.
Era um destes p'ra quem nada existe sagrado
Nem respeitam jamais o que o mundo respeita...

"P'ra lhes inocular doutrina assaz suspeita
Ele ia procurar nos bordéis crapulosos,
Boieiro e pescador, patifes biliosos,
Imundo povilhéu não tendo eira nem beira...
E entre canalha tal pregava de cadeira.
Jamais se dirigia aos homens de dinheiro,
Aos sábios, aos honrados, ao honesto banqueiro.

"Anarquizava as massas... e com dedos p'ra o ar
Enfermos e feridos entendia curar
Contra a letra da lei.

                             Não para aí o horror...
Ressuscitava os mortos... este vil impostor
Tomava nomes falsos e falsas qualidades
E errando ora nos campos, ora pelas cidades,
Ouviam-no dizer: "Podeis me acompanhar!"

"Ora, falai, senhor. Não é mesmo excitar
Uma guerra civil entre os concidadãos?

Via-se ir ter com ele horrorosos pagãos,
Que dormiam nos fossos e acompanhar-lhe o rastro:
Um coxo, outro com o olho escondido no emplastro
Outro surdo, outro envolto em pústulas tenazes.
Vendo este feiticeiro andar com tais sequazes
O homem de bem entrava em casa envergonhado...

"Um dia... eu já nem sei quando isto foi passado,
Numa festa... pegou de um chicote, imprudente!
E se pôs a expelir, mas muito brutalmente,
Gritando e declamando, honestos mercadores,
Que vendiam ali pássaros, aves, flores,
E outras coisas, que mesmo o clero permitia,
E de cujo produto uma parte auferia.

"Uma mulher sem brio seguia-lhe na trilha.
Ele ia perorando, abalando a família,
A santa religião e a sociedade,
Decepando a moral e a propriedade.

"O povo o acompanhava, e o campo estava inculto.
Era ousado demais... Chegava o seu insulto
Até ferir o rico!...

                                  E revoltava o pobre.
Sempre, sempre a dizer que todos que o céu cobre,
São irmãos, são iguais... que não há superiores,
Nem grandes, nem pequenos, ou servos, ou senhores,
E que o fruto é comum...

                                       Té ao clero insultava!...
Bem vê, bem vê, senhor, que este homem blasfemava.
E tudo isto era dito assim em meio à rua,
A uma canalha vil, grosseira, imunda e nua.
Preciso era acabar, as leis eram formais...
Foi, pois, crucificado..."

                               Ouvindo frases tais
Ditas com tão singela e adocicada voz...
Eu surpreso exclamei: "Senhor, mas quem sois vós?
Ele me respondeu: "Preciso era um exemplo;
Eu me chamo Elisab, sou escriba do templo”...
“Porém de quem falais?... Dizei-me de quem é.
"Meu Deus! deste vadio... Jesus de Nazaré".

(Castro Alves)

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

O mundo do cordel de luto: o adeus a João Firmino Cabral

Com Assis Ângelo, Bule-Bule, Mestre Azulão, Klévisson Viana
e o já saudoso João Firmino Cabral em Fortaleza, (2008).
O meu contato com a obra de João Firmino Cabral deu-se muito cedo. Li Amor e martírio de uma escrava (Luzeiro) no mesmo período em que li Juvenal e o dragão, A louca do jardim, Os quatro sábios do reino e outros clássicos da literatura de cordel. Depois veio A coragem de um vaqueiro em defesa do amor, um dos mais engraçados (e exagerados) folhetos de valentia já escritos. Tudo isso em minha meninice, na Ponta da Serra, meu berço na Bahia. Então, posso afirmar que sua obra exerceu sobre este poeta benéfica influência. João Firmino nasceu em Itabaiana, Sergipe, a 1º de janeiro de 1940. O pai, Pedro Firmino, era embolador, e a mãe, Cecília da Conceição, agricultora. Uma viagem de trem a Aracaju mudaria, para sempre, a sua vida. Nesta ocasião, entraria em contato com o já consagrado poeta Manoel D’Almeida Filho, que viria a ser seu tutor, na vida e na arte. O encontro foi narrado assim por Arievaldo Viana, que, em 2008, fez uma longa entrevista com João Firmino:

“Corria o ano de 1954... Aos 14 anos, o garoto João Firmino Cabral saiu de sua pequena Itabaiana e foi para Aracaju, onde encontrou-se com o poeta Manoel D'Almeida Filho, que, na companhia de dois outros folheteiros, cantava e vendia seus romances na feira próxima ao mercado. Munido de um alto-falante e um microfone, Manoel D'Almeida encantava a todos com sua pose de galã e a sua voz cadenciada e vibrante. O menino, que já era fascinado pela poesia popular, ficou embevecido. Esqueceu de fazer as compras que a mãe havia lhe ordenado e passou o dia inteiro na companhia dos poetas. Quando se deu conta, já eram quatro e meia da tarde e o último (e único) trem para Itabaiana já havia partido.

João Firmino começou a chorar desoladamente e foi socorrido por Manoel D'Almeida, que lhe ofereceu dormida e um prato de sopa para o jantar. O menino falou de seu grande amor pela Literatura de Cordel e disse que gostaria de se tornar um revendedor de folhetos. Manoel D'Almeida, vendo o interesse do garoto, confiou-lhe uma maleta com trezentos folhetos (trinta títulos diferentes) e Firmino seguiu para a feira de Itabaiana. Nascia ali um grande folheteiro que viria a se tornar, dois anos depois, um dos maiores poetas populares dessa geração.”

Escreveu seu primeiro cordel aos 17 anos, uma Profecia do Padre Cícero, no qual ainda não mostra a sua faceta mais conhecida: a do narrador de histórias dramáticas, com enredos muito bem urdidos. Com Manoel D’Almeida Filho aperfeiçoou-se como poeta e folheteiro. Da experiência com o “professor”, algumas histórias ficaram gravadas na memória privilegiada de João Firmino, como a que segue:

Na década de 1950, Almeida havia composto um grande romance dramático, A sorte do amor, até hoje reeditado pela Editora Luzeiro. A história mostra a disputa de dois honestos roceiros, José Miguel e Manoel João, pela mão de uma linda camponesa, Rosa Maria. Os dois tentam resolver a disputa em um duelo, mas acabam escapando da morte, ambos muito feridos. Um sorteio, proposto pela moça, deverá solucionar o caso. No dia do casamento com o “sorteado”, um incêndio na roça deste antecipa a tragédia. Manoel D’Almeida lia para uma plateia atenta e curiosa este romance. Ao chegar ao clímax da história, no entanto, seus olhos estavam embotados de lágrimas. Diga-se o mesmo da assistência. O grande poeta, inconformado, foi depois se queixar para João Firmino: “Eu não podia ter chorado. Fui eu que criei Manoel João, José Miguel, Rosa Maria... Eles só existem no meu texto. Por que não me controlei?”

Em 2005, fui trabalhar na editora Luzeiro, a convite de Gregório Nicoló. A missão era renovar com qualidade o catálogo e garimpar, entre as raridades da Prelúdio, títulos para reedição. Assim que cheguei, liguei para João Firmino me apresentando. A sua primeira reação, creio, foi de desconfiança. Afinal, quem cuidava do editorial da casa paulistana era Manoel D’Almeida, morto em 1995. Nas conversas, mostrando meu interesse em revitalizar a Luzeiro e o meu envolvimento afetivo com a literatura de cordel, além de sempre consultá-lo acerca dos títulos clássicos a serem reeditados, consegui não só convencê-lo de que buscava contribuir para a arte da qual ele era um grande expoente, renovando o catálogo, sem perder de vista os títulos tornados clássicos pela predileção popular. João Firmino tornou-se para mim um professor e um grande amigo. Aos poucos, à medida que títulos como Os três conselhos sagrados e O herói da Montanha Negra, escritos por mim, foram lançados, recebia dele calorosos e encorajadores elogios.

Dele colhi, como disse, preciosas informações. Quando a Luzeiro publicou, pela primeira vez, a História de Roberto do Diabo, pairava sobre esse texto clássico a dúvida sobre a autoria. Recorri a João Firmino, e ele cravou: “É de Leandro Gomes de Barros”. E justificou: “Quando criança, ouvia todos os poetas e folheteiros se referirem a este romance como de Leandro Gomes de Barros”, mesmo que as edições mais recentes trouxessem na capa a autoria atribuída a João Martins de Athayde. Essa assertiva de João Firmino foi ratificada pelo veterano poeta, editor e vendedor de folhetos paraibano João Vicente da Silva. A edição saiu com a autoria atribuída a Leandro e uma nota explicativa, dando créditos aos responsáveis pela valiosa informação. Noutra ocasião, instado sobre quem era o verdadeiro autor da História da Princesa da Pedra Fina (não confundir com O Reino da Pedra Fina, de Leandro Gomes de Barros), João Firmino não teve dúvidas: “Este é um dos primeiros folhetos de Silvino Pirauá de Lima, Pelo menos é o que diziam os cantadores de folhetos da minha infância”.

Encontrei João Firmino uma única vez: durante a Bienal do Livro do Estado do Ceará, e com ele dividi uma das Mesas do Congresso de Cordelistas, realizado durante o evento que teve como curador o poeta Klévisson Viana. Sempre que possível, eu ligava para ele. Ouvia suas reclamações a respeito de novos títulos que, segundo ele, nada acrescentavam ao cordel. E ouvia seus elogios a poetas que, ainda segundo ele, assegurariam a continuidade à tradição. Toda vez que conversávamos, ele pedia para retransmitir um abraço ao poeta Cícero Pedro de Assis, a quem considerava um irmão. O fato é que, mesmo com os problemas de saúde, João Firmino jamais deixou de trabalhar e sua produção, nos últimos anos, quase toda publicada na Editora Tupynanquim, é muito significativa. A Luzeiro, a casa que lhe abriu as portas, publicou, ano passado, seu romance A revolta de um escravo, que foi motivo de muita alegria para o velho poeta.

O fato é que a vida é transitória, mas muitos passam por ela e não vivem, como dizia Francisco Otaviano. João Firmino Cabral não apenas passou pela vida. Viveu-a. E viveu da forma que imaginou, escrevendo histórias que divertiram e emocionaram milhares de pessoas. Até a sua partida, no primeiro dia do mês de fevereiro de 2013.

João Firmino agora é saudade. João Firmino agora é história.


Aqui apareço ao lado de João Firmino, em companhia do poeta Arievaldo Viana e do editor Gustavo Luz.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Mostra de Cultura Popular em Serra do Ramalho




O município de Serra do Ramalho, no oeste da Bahia, é conhecido por sua singularidade. Criado em 1989, quando desmembrou-se de Bom Jesus da Lapa, Serra do Ramalho tem origem no Projeto Especial de Colonização que, sob a coordenação do INCRA, surgiu para receber as famílias expulsas de suas terras pela construção da Barragem de Sobradinho, tragédia social, cujos efeitos serão sentidos ainda por muitas gerações. 

Além da população oriunda de Sobradinho, as terras do município eram habitadas há muito tempo por comunidades remanescentes de quilombos, numa faixa que abrange os distritos de Barra da Ipueira até o Barreiro Grande. Os índios nativos foram expulsos ou massacrados por grileiros. Mesmo assim, no local que fica próximo à Agrovila 19, se estabeleceram os Pankaru, de Pernambuco, chefiados pelo Patriarca Apolônio. Some-se a isso a chegada de famílias oriundas de outros estados, especialmente do Nordeste brasileiro, e se terá uma ideia — ainda que pálida — do que é Serra do Ramalho.

Pois bem, no dia 6 de janeiro (dia de Santos Reis), todos estão convidados para a primeira etapa do projeto, com apresentação da Banda de Pífanos Irmãos Maciel, da Agrovila 7. No mesmo dia, ainda se apresentarão grupos de reisado, dançadores de São Gonçalo e cantadeiras de samba de roda. Desde o dia 26 de dezembro, na mesma agrovila, o mestre Domingos ministra oficinas de confecção dos tambores que serão utilizados pela banda de pífanos.

Abrindo as apresentações, a partir das 14h, no Colégio Bom Jesus, proferirei uma palestra — Tradição e Identidade —, mostrando o quanto um povo perde quando volta as costas para a cultura popular.

A produção do projeto é de Silmária Ferreira. A curadoria é de Lucélia Pardim. Colaboram com o projeto Itamar Mendes e Paulo Araújo, o Paulão. Outros tantos colaboradores serão lembrados nas próximas postagens.

A arte do convite é do ilustrador Luciano Tasso.




segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Caravana do Cordel celebra quatro anos em evento no Memorial da América Latina




IV ANIVERSÁRIO DA CARAVANA DO CORDEL
I SALÃO DO CORDEL
DATA: 06, 07 e 08 de Dezembro/2012
Local: Biblioteca do Memorial da América Latina/SP

.Quinta-feira - 06/12/2012.
 Abertura - João Gomes de Sá - às 19h
.Lançamento do livro: Vida e obra de Gonzagão - Cacá Lopes.
.Participações:
.Luiz Wilson - Márcio Dedéu - Zé da Lua – (Bloco do Baião) - Chico Salles.

.Sexta-Feira - 07/12/2012.
.10h - Palestra:
.O Universo do Cordel na Literatura Infanto e Juvenil - Fábio Sombra/Escritor.
.Mediador: Varneci Nascimento
.14h - Palestra: Ilustração no Cordel: da capa cega à policromia.
.Marco Haurélio/Escritor e pesquisador.
.Mediador: Moreira de Acopiara.
.15h - Lançamento do livro “A Cartomante” (Machado de Assis).
.Adaptação para o Cordel de Antônio Barreto.
.19h - Sarau aberto:
.Participações: Costa Senna, Nando Poeta, João Gomes de Sá, Moreira de Acopiara, Cleusa Santo, Chico Sales, Paulo Araujo, Suely Valeriano, Francis Osmar, Bosco Maciel, Geraldo Maia, Rousi Gonçalves, Zé Walter, Antônio Barreto...

.Sábado - 08/12/2012.
.10h – Palestra
.Cordel & Cinema - Aderaldo Luciano/Crítico literário
.Mediador: Nando Poeta
.15h - Lançamento coletivo.
.16h Homenagens (Apresentação Aldy Carvalho e Cleusa Santo).
.17h Grupo de Teatro Estação Café – Guaxupé/MG.
.18h Sarau (Coordenação Moreira de Acopiara).
Cacá Lopes, Aldy Carvalho, Eufra Modesto, Cleusa Santo, Benedita Dellazari, Josué Gonçalves, Luiz Wilson, Pedro Monteiro, Nando Poeta, João Gomes de Sá, Bosco Maciel entre outros.
.20h - Encerramento.
.Moraes Moreira com o Show “Moraes Pé de Serra”.

domingo, 2 de dezembro de 2012

Palmeirim de Inglaterra é lançado na Livraria da Vila


O livro História dos combates, amores e aventuras do valoroso cavaleiro Palmeirim de Inglaterra (FTD) foi lançado na Livraria da Vila da Fradique Coutinho. Além do Palmeirim, foi lançado, da mesma editora, de autoria de José Santos, o livro Quadrinhas para miúdos. O bom público presente ainda foi brindado com uma performance do grande artista Valdeck de Garanhuns, que a pedido dos autores, Marco Haurélio e José Santos, leu trechos do Palmeirim de Inglaterra.

Agradeço a todos os presentes, autores, editores, amigos, artistas da letra e da voz, professores, pesquisadores, gente que faz do Brasil um país de tantos matizes.

As fotos abaixo ajudam a contar um pouco dessa história:

Com José santos e e o editor Jorge Henrique Bastos.
Gregório Nicoló, eminência parda do cordel, Diretor da Luzeiro.

Com Neusa Borges, Lucélia e Ana Rita.

Pedro Monteiro e Luciano Tasso à espera de 
exemplares autografados
Dani, Wanderson Nicoló e a pequena Melissa.


Clarice, Luciano, com sua mãe Lúcia.
José santos ouve atento D. Ramon Nascimento.
A Mala do Folheteiro, organizada por Selma Maria.
Valdeck de Garanhuns dá o ar de sua graça 
declamando trechos da obra.
O editor Danial Abreu, Telma Queiroz e o responsável por este blog.
Com a pesquisadora Francisca Batista Barbosa e sua peque grande Sara.
Davi, que, escrevendo, é um Golias.
João "Capitão" Gomes de Sá, Aldy Carvalho e ele, Pedro Ivo.
Com Lucélia e José Santos.
Luiz galdino, grande nome da literatura infantojuvenil, ao ladode José Santos.
Duda Albuquerque, editor da LeYa, exibe o seu exemplar do Palmeirim.
Moreira de Acopiara e Luciano Tasso põem a conversa em dia.
Selma e José decoram a Mala do Folheteiro.
José, Valéria Cordero e a pequena Luísa, que iluminou o lançamento.
Reencontro com o querido amigo Mustafa Yasbek. 
Em primeiro plano, Luiz Galdino.
"Luciano, Telma Queiroz. Telma, Luciano". Encruzilhadas da cultura.
O aniversariante  do dia Aldy Carvalho. 
Bate-papo com a professora Iara Rúbia.
Neusa, Luclia e Ana Rita.
Mais autógrafos.
Luciano Tasso e Lúcia, a autora de seus dias.
Don Ramon Nascimento.
Lucélia e Iolanda com sua mãe, a artista plástica Regina Drozina.
Gregório Nicoló, Valdeck e Moreira de Acopiara.


terça-feira, 27 de novembro de 2012

Vozes femininas: novos ecos tecidos no sertão



























GARANTA SUA VAGA!
COM ENTREGA DE CERTIFICADO

Data da oficina: 12/12/12
Local: Colégio Municipal Maria Amaral G. Gondim
08:00 – Abertura e apresentação do projeto
09:00 às 11:00 – oficina de cordel
14:00 ás 16:00 – oficina de cordel

O projeto “Vozes femininas: novos ecos tecidos no sertão” foi selecionado e financiado pela Funarte e pelo MinC através do edital "Mais cultura: microprojetos da Bacia do Rio São Francisco". Este trabalho objetiva dar voz às mulheres, inserindo-a no espaço da produção literária de autoria feminina, ressignificando, assim, o olhar sobre o modo de vida do sujeito sertanejo, mais precisamente a mulher sertaneja. As mulheres inscritas e selecionadas irão participar de uma oficina que culminará na escrita de um texto que será publicado em livro.

A oficina será ministrada por MARCO HAURÉLIO, cordelista, poeta, contista, editor e pesquisador da literatura e cultura popular. Com dezenas de livros e folhetos de cordel publicados, é ganhador do Prêmio Mais Cultura de Literatura de Cordel 2010, do Ministério da Cultura, na categoria Produção (livros e CDs), também é colaborador do Centro de Estudos Ataíde Oliveira, da Universidade do Algarve, Faro, Portugal. Com vários livros e folhetos de cordel editados, ele profere palestras e ministra oficinas sobre a Literatura de Cordel e o Folclore Brasileiro. É um dos fundadores do grupo Caravana do Cordel, presença marcante na cena cultural paulistana. Representou o Brasil, ao lado de Antônio Barreto e Edilene Matos, no Encontro Internacional de Poetas, ocorrido em Assunción, Paraguai, em 2010. Vários de seus livros foram selecionados por programas de governo, como o PNBE, do Governo Federal, Apoio ao Saber e Salas de Leitura, do Estado de São Paulo, Minha Biblioteca da prefeitura paulistana, Leitura para a Cidadania (Paulus Editora), Itaú Social e para composição do acervo da Biblioteca Nacional. 

As inscrições acontecerão entre os dias 20 a 29 de novembro pelo e-mail projetovozesfemininasnosertao@gmail.com e nos dias 21 e 23/11 na Biblioteca Municipal de Riacho de Santana.

São apenas 25 vagas. Caso haja mais inscritos do que vagas, será realizada uma seleção. Até dia 05 de dezembro o participante receberá confirmação da inscrição.

Texto: Divulgação.

Nota do blog: Com Curadoria de Paula Ivony Laranjeira, do blog Pesponteando, a atividade é a primeira que faço em Riacho de Santana, região onde nasci, cenário da minha infância e inspiração para os primeiros versos.