domingo, 8 de maio de 2011

POEMA PARA O DIA DAS MÃES, de Apolônio Alves


Vários poetas versaram
Belas canções maternais,
Os temas já se esgotaram
Mas pretendo versar mais
Sobre minha mãe querida
Os meus deveres exigem,
Por ela ter sido origem
Dos dias da minha vida.

Lá da santa eternidade
Mamãe, implore a Jesus
Que ajude por caridade
Eu carregar minha cruz
Por um caminho sensato
E guie mais os passos meus
Pelo santo amor de Deus,
Perdoe este filho ingrato.

Fui um filho ingrato, sim!
Por não ter reconhecido
O que mamãe fez por mim...
Em não ter correspondido
Com a dor do sentimento
Chorar muito eu necessito
Lamento triste e aflito
Com grande arrependimento.

Mamãe, aceite a mensagem
Que lhe envio de presente...
Quero prestar-lhe homenagem
“Remorsionadamente”
E cheio de nostalgia.
Reflito, muito sentido,
Por não ter retribuído
O que você merecia.

Quem tiver sua mãe viva
Levante as mãos para o céu
Que uma mamãe compassiva
Não deixa um filho ao léu...
A minha já fez partida...
Deixou-me banhado em choro
Perdi o maior tesouro
Que já possuí na vida.

São nove meses de dores
O quanto uma mãe padece
E mais muitos dissabores
Que o filho não reconhece
Quanto uma mãe sofredora
Do filho tudo defende,
Mas o filho não entende
O valor da genitora.

Este lindo poema foi escrito pelo grande poeta popular Apolônio Alves dos Santos (1926 – 1998), autor de O Herói João Canguçu, entre outros clássicos do cordel. O presente poema foi publicado como apêndice ao folheto A MOÇA QUE SE CASOU 14 VEZES E CONTINUOU DONZELA, do mesmo autor, editado pela Luzeiro,de São Paulo.

sábado, 7 de maio de 2011

Lançamento do livro Romeu e Julieta em cordel

Sebastião divide o palco com Andorinha e Luzivan.
A professora Laurinda colhendo o autógrafo do poeta Bastião.



Zé de Zilda, aboiador, emociona os presentes com seu
porte  diminuto e sua voz possante.


Aída com o companheiro Roniwalter Jatobá e a editora Rosa Zuccherato
ouvem, atentos, o trio de repentistas.

Um público repleto de poetas: o conceito que tenho
de "Caravana do Cordel"

João Gomes, Lucélia e Neusa Borges.
Jeanne, Frei Varneci e Cícero Pedro de Assis.

Pedro Monteiro, João Gomes de Sá e Josué.
Conversando com Remo e Moreira enquanto Pedro adoça o café.

João Gomes de Sá e o ilustrador Murilo (com o herdeiro).
O autor, todo prosa (e verso).
Murilo Silva (com o herdeiro Pedro), Sebastião e Nireuda.
Bastião do Cordel

Foi uma tarde agradabilíssima na Livraria NoveSete , no coração da Vila Mariana.

Sebastião Marinho, autor da adaptação de Romeu e Julieta para a coleção Clássicos em Cordel (Nova Alexandria). cantou e encantou, ao lado dos parceiros mais frequentes de viola: Andorinha e Luzivan.

Visivelmente emocionado, Bastião relembrou de seu início na poesia popular, cantando ao lado do grande Antônio Eugênio da Silva.

Fez questão de citar seu conterrâneo de Solânea, no Brejo Paraibano, Joaquim Batista de Sena.

E, de quebra, fez uma confissão: sonhava em ser cordelista, mas abraçou a viola por questões financeiras.

Realizou, portanto, um sonho.

Ao lançamento ainda compareceram o poeta Heleno Ferreira, tesoureiro da UCRAN, e o grande aboiador Zé de Zilda.

Outros autores da Nova Alexandria também prestigiaram Bastião: João Gomes de Sá, Moreira de Acopiara, Varneci Nascimento e Roniwalter Jatobá.

Ainda do meio cordelístico, Josué de Nazaré, Cícero Pedro de Assis, Pedro Monteiro, André Pêssego, Nireuda Longobardi e o bissexto José Santos.

Murilo Silva, ilustrador da obra, conheceu, enfim, João Gomes de Sá, parceiro em O Corcunda de Notre-Dame em Cordel.

Conheci pessoas interessantíssimas, revi outras, como a onipresente Conceição, Neusa Borges e seu Dito do Congo, e constatei ser verdade aquilo que João Gomes de Sá já apregoa há muito tempo:

É o mundo do cordel para todo o mundo!

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Mestre Severino


Severino Borges Silva era um prodígio.

Foi cantador de prestígio e poeta de bancada dos maiores.

Nasceu em 1919, em Aliança, Pernambuco.

Morreu em 1991, em Timbaúba, no mesmo estado.

Os que o conheceram contam que, nos últimos anos, enfrentou problemas financeiros e de saúde gravíssimos.

Chegou a pedir que Arlindo Pinto de Souza, diretor da editora Luzeiro, que publicava parte significativa de sua obra, lhe enviasse algum dinheiro.

Não obteve, segundo o seu conterrâneo Jota Barros, qualquer resposta.

São de sua lavra O Verdadeiro Romance do Herói João de Calais, Amor de Mãe, A Princesa Anabela e o Filho do Lenhador, O Romance da princesa do Reino do Mar Sem Fim etc.

Particularmente, gosto demais de um romance dele, O Cavaleiro das Flores.

Pequena obra-prima, traz em sua abertura versos primorosos.

Um hino de exaltação à Natureza.

Severino Borges escrevia seus romances como quem escreve um roteiro cinematográfico.

Com rubricas certeiras e diálogos primorosos.

Todos os títulos citados foram publicados, originalmente, em Recife, pela tipografia de João José da Silva, a Luzeiro do Norte.

Há 20 anos, Mestre Severino nos deixou.

Seu legado poético, no entanto, permanece.

domingo, 1 de maio de 2011

Luzeiro relança cordel baseado em conto do Decameron


Em Breve História da Literatura de Cordel, escrevi:

...testemunhamos, no alvorecer da poesia popular escrita, a existência de uma versão em cordel da História de D. Genevra, uma das novelas do Decameron, de Boccaccio, elaborada pelo citado Zé Duda. Esta versão poética, de tão conhecida pelos leitores e cantadores de feira, chamou a atenção de Câmara Cascudo, que a estudou e a publicou na íntegra na coletânea Vaqueiros e Cantadores.

Na cidade de Genova
Havia um negociante
De dinheiro e muitos prédios
Ele contava bastante
E na forma de viver
Era mais interessante.

Casado como uma mulher
De grande abilidez
Lia, escrevia e contava
Falava bem português
Italiano, latim,
Grego, alemão e francês.

Chamado Dona Genevra
Amava muito ao marido
Ele chamado Bernardo
De todos bem conhecido
Neste lugar não havia
Outro casal tão unido.

Câmara Cascudo, desconhecendo, em sua época, versão portuguesa do Decameron, acreditava que 'em idioma acessível o cantador nada podia ter lido'. É possível que a estória tenha se descolado do compêndio de Boccaccio e circulado como obra independente.
 

É essa versão, escrita por Zé Duda, que a Luzeiro ora reedita. Eu já o havia selecionado quando trabalhava na editora, reaproveitando as imagens que Salvador Magalon (Smaga) havia feito para a versão de Manoel Pereira Sobrinho editada pela Prelúdio.

Um grande lançamento, sem dúvida.

sexta-feira, 29 de abril de 2011

Shakespeare em Cordel


O mais novo lançamento da coleção Clássicos em Cordel é uma versão poética de uma das obras mais conhecidas da literatura universal, o drama teatral Romeu e Julieta, de William Shakespeare. Escrito por Sebastião Marinho, grande nome do repente nordestino, e ilustrada por Murilo Silva, a adaptação poética da famosa peça é voltada, principalmente, para o público infantojuvenil.
Sebastião Marinho soube extrair da peça shakespeariana toda a grandeza trágica. Ao mesmo tempo, sua recriação traz elementos novos que mostram que o poeta não quis simplesmente apresentar uma cópia, em versos rimados, da obra explorada pelo cinema e pela própria literatura. O autor do cordel, ao descrever a jovem Julieta, produziu estrofes primorosas, como esta: 

A personificação 
De Vênus, Ísis, Latona. 
Se Leonardo da Vinci 
Exagerou na Madona, 
Deus acertou na beleza 
Da jovem flor de Verona!
A versão poética de Romeu e Julieta será lançada dia 7 de maio, na Livraria Novesete da Vila Mariana. O evento terá a presença de grandes nomes da poesia popular, incluindo autores de outras adaptações da coleção Clássicos em Cordel.
Sebastião Marinho da Silva nasceu em 10 de março de 1948, no Sítio Bonsucesso, Solânea, Paraíba. Ainda criança costumava assistir às apresentações dos mestres do repente no pé de serra em que nasceu. Desde a adolescência fez do repente profissão e, hoje, vivendo em São Paulo, dirige a União dos Cordelistas, Repentistas e apologistas do Nordeste – UCRAN.
Local: Rua França Pinto, 97, Vila Mariana, São Paulo-SP.
Data: 7 de maio (sábado), às 16h.
Tel/fax 5573 7889 / 3567 4344. Email: info@livrarianovesete.com.br

terça-feira, 26 de abril de 2011

Cordelistas leem cordel?


Imagem: Homem lendo (Vincent Van Gogh, 1881)

Cordelistas leem cordel?


O mundo da literatura, no qual o cordel se insere, é diferente, por exemplo, do mundo da química.

Não há combustão espontânea.

Mas, perguntará alguém: a Bíblia e o Alcorão não foram inspirados pela Divindade?

O (s) autor (es) não era um mero suporte para irradiação da palavra divina?

Homero, na invocação que abre a sua Ilíada, não pede à Musa que cante “a ira de Aquiles, filho de Peleu”?

Bem, a religião não sobrevive sem a epifania, a revelação divina.

No antigo Egito, foi Thoth, uma divindade, que trouxe aos homens o dom da escrita.

Vale dizer que a origem da escrita se confunde com a origem da história.
Daí o seu caráter divino.

De revelação.

Daí o intermédio da Musa, a ponte com o divino, nos grandes épicos da humanidade.

Nossos autores de cordel, filhos de Homero e devotos de Thoth, exercitam o que Ezra Pound chamava de melopeia.

Esta se divide em três espécies: “poesia feita para ser cantada; para ser salmodiada ou entoada; para ser falada”.

As palavras, ainda segundo Pound, “estão carregadas, além de seu significado simples, de alguma qualidade musical, que dirige a maneira ou a finalidade daquele significado... É quase impossível transferi-la ou traduzi-la de uma língua para a outra”.

Um autor de contos policiais deve, obrigatoriamente, ler os grandes criadores do gênero.

E são muitos.

Acima de todos, Edgar Allan Poe.

Um cordelista, que aspire a ser um poeta, deve conhecer o cânone do gênero.

Uso cânone por falta de um termo melhor.

Deve conhecer a obra de Leandro Gomes de Barros, que, no cordel, equivale a Poe no gênero policial.

E assim, volto a pergunta do início:


“Cordelistas leem cordel?”

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Entrevista ao programa Mulheres (TV Gazeta)


Entrevista concedida ao programa Mulheres (TV Gazeta), apresentado por Cátia Fonseca, em 7 de abril de 2011.

A conversa descontraída girou em torno da Literatura de Cordel. Estive ao lado do parceiro Costa Senna, que falou de sua carreira e apresentou duas composições musicais: Lembrando o Brasil Caboclo e Caravana do Cordel.

A competente edição do vídeo é de Júbilo Jacobino, membro do grupo UnirVersos, capitaneado por Senna.

sexta-feira, 22 de abril de 2011

Cordel é atemporal



Há alguns dias, recebi um e-mail, dirigido também a outros poetas, com o pedido para que falasse sobre o tema "cordel velho X cordel novo".

Enviei a estrofe abaixo. Publico-a, agora, nesse espaço, que se tem constituído em um palco democrático da poesia e, de forma mais abrangente, da cultura brasileira:

Cordel não é rapadura
Transportada num bornal,
É um gênero literário
De um rico manancial
Que agrada a todo o povo;
Não é velho, nem é novo:
Cordel é atemporal.

Nota: ilustro esta postagem com a imagem de um "novo cordel" escrito por José Camelo de Melo Resende.

A Literatura infantil: um encontro com a oralidade




Por: PAULA IVONY LARANJEIRA

Sempre que falamos em literatura infantil, pensamos logo em um monte de livros cheios de “Era uma vez”, “Num pais distante”, e “Viveram felizes para sempre”, com ilustrações coloridas, muitas vezes tão detalhistas que “até” impedem a criança de ela mesma criar seu mundo encantado. Por tal, este texto mais do que pressupostos teóricos apresenta o universo literário oral, muitas vezes, ignorado, mas não desconhecido de muitos não-intelectuais. 

Quando sentados com alguns grupos, nas recordações dos tempos de meninice, é comum que façamos um tur pela infância em busca de livros infantis que tenhamos lido. Conheço gente que leu muitos livros e outros que leram poucos, conheço gente que podia comprar e outros nem ousavam pensar nesta possibilidade – na qual me encaixo –, conheço gente que fazia de tudo para ler um livro e outros que faziam de tudo para não ler, mas também conheço gente que mesmo sem ler nas páginas coloridas ou sem cores, páginas com cheiro de novo ou cheiro de mofo de um livro, não foram privadas da literatura infantil. Como? 

Vou falar de uma gente do sertão, que na infância ouvida muitos causos. Aqui, e imagino que o mesmo se dê em outros lugares, é preciso bons escutadores para que os causos comecem a se desenrolar, igual a novelo infinito, pois um causo puxa outro. Sim, porque se o sertão amadurece precocemente muitas crianças pelo sofrimento, ele também serve como pano de fundo e matéria prima para muitos contos infantis que embalam por vezes o sono, os sonhos e a construção identitária das muitas crianças que ali nutrem suas alegrias e um infinito de possibilidades imaginárias.

Quando criança, não tive muito acesso aos livros. Mas nunca faltaram histórias a povoar meu imaginário, pois se livros eram coisa para quem tinha dinheiro, mãe ou avó contadora de histórias era para todo mundo. Assim acontece com muitos que não tendo livros tem avós, pais, irmãos e amigos narradores. E isso nos permite o contato com os contos populares, adaptados, muitas vezes, às necessidades do adulto para com a criança. As mães e avós quase sempre nos reservam contos de encantamento, moralizantes e/ou religiosos; os pais e avôs se encarregam dos contos moralizantes e terror; os irmão ou amigos ficam com os de terror e os humorísticos. Sem contar as sagas de família que também integram a colcha de retalhos da literatura infantil via expressão oral. Nesse sentido, Capek corrobora,

"Um verdadeiro conto de fadas popular não se origina no momento em que o estudioso de folclore o colige, mas ao ser contado por uma avó para seus netos (...) Um verdadeiro conto de fadas, um conto de fadas dentro de sua verdadeira função, existe dentro de um círculo de ouvintes "( apud RADINO, 2001, P.75).

E é justamente este sertão e sua literatura, cheio de cantos, contos e encantos, que permitiu ao poeta e folclorista Marco Haurélio, exemplo frutífero de ouvinte e contador de causo, que seguisse os passos dos Irmãos Grimm, bem como os do Câmara Cascudo, recolhendo um infinito de riquezas guardados e repassados pela gente da terra aos pequenos, e  agora eternizados em Contos Folclóricos Brasileiros. Neste livro encontramos uma variedade de contos que se espalham pelo sertão através das correntes orais, em sua maioria, representada por mães, que sem ter outra forma mais didática de educar os filhos, lhes contam histórias para que inspirados nelas e através das ações das personagens e do desfecho, escolham suas ações  no decorrer da vida.


Como Haurélio enfatiza, aqueles textos não saíram de sua imaginação criadora, muitos daqueles contos ouviu ainda na infância de sua avó, de seu pai e de sua tia, outros ouviu de sábios narradores, a quem creditou todos os contos mesmo sabendo que não são autores, isto porque a autoria já se perdeu no tempo, fator necessário, como afiançar Câmara Cascudo, para o popular:

"É preciso que o conto seja velho na memória do povo, anônimo em sua autoria, divulgado em seu conhecimento e persistente nos repertórios orais. Que seja omisso nos nomes próprios, localizações geográficas e datas fixadoras do caso no tempo. "(2004, p.13 apud LOYOLA, 2008, P. 23).

É interessante observar que neste livro, Haurélio possibilita ao leitor compreender que estas histórias, perpassadas pelos narradores do sertão da Bahia via oralidade às crianças/adultos, quase sempre tem a mesma raiz de contos de fadas de Perroult, Andersen, Irmãos Grimm, entre outros. Contos estes que foram se modificando, sofrendo alterações. Isto porque não havia nas camadas populares o registro escrito, pois a transmissão se dava via oralidade, fazendo com que as histórias sofressem adaptações que muitas vezes, as deixavam menores, maiores, com a junção de dois enredos num mesmo causo ou se dividindo, gerando dois causos.

Além disso, é possível perceber nos contos maravilhosos de autores tradicionais que as histórias se passavam num ambiente diferente dos nossos, já nos contos populares, a semelhança com o meio é o grande atrativo, pois há sempre a inserção de elementos comuns ao grupo transmissor na história narrada. Eis o grande diferencial.

Na tentativa de entender mais a relação e/ou disparidade entre a literatura infantil e o conto popular, foi necessário percorrer o caminho trilhado pela literatura infantil, no qual  encontramos duas formas corpóreas: a literatura “culta”, baseada na escrita; e a literatura popular, com base na oralidade. Porém, estes corpos distintos, aparentemente, se valem um do outro para manter certo equilíbrio, pois um bebe na fonte do outro.   Nesse sentido, há uma interdependência entre eles. O que não se entende é por que há um sentimento de menosprezo para como a literatura popular, especificamente a oral.

Consta que antes do século XVII, existiam poucos livros, e as histórias eram todas guardadas na memória e contadas para grupos de pessoas das mais variadas etnias e culturas. Mas motivados pelo interesse das crianças e por necessidades didáticas, alguns pesquisadores, como é o caso do Irmãos Grimm no século XIX, recolheram os contos da oralidade e registraram através da escrita em livros. Portanto, torna-se necessário salientar que os contos maravilhosos que conhecemos hoje têm início no século XVII com a “invenção” da infância. Antes disso, os contos pertenciam à cultura popular e eram compartilhados entre adultos via narrativa oral. Porém, com a criação da imprensa e a crescente valorização da escrita, houve um crescente apego às histórias escritas, tida como sinônimo de erudição. O que não era registrado através da escrita, mas transmitido via narrativas orais passava a se referir a algo popular, e, por tal, sem prestígio. 

Assim sendo, percebe-se que mesmo não tendo acesso aos livros, esses não-leitores não eram privados do contato com o mundo encantado do faz de conta contido na Literatura Infantil, pois sempre havia/há um narrador experiente para este oficio. Pode ser um narrador sedentário ou viajante, como caracteriza Walter Benjamim no texto em que fala de Lescov. Sempre há sempre uma situação ou momento propício para que uma história-conto-causo nasça, basta um narrador, uma criança e/ou um grupo de crianças ou até mesmo adultos, para que se descortine para o leitor-ouvinte um mundo maravilhoso, pois quem não gosta de ouvir alguém contar uma história jurando que é/aconteceu de verdade? 


Este texto também está publicado em Palavra Fiandeira, edição 59

Agradeço ao Marciano Vasques que ao me convidar para escrever para a revista , sempre me permite novos desafios, novos temas e muitas reflexões. Amigos passem na Palavra Fiandeira e confiram outros textos e outras temáticas.

quinta-feira, 21 de abril de 2011

O Sonho de Nossa Senhora (reza)


Quem quiser ouvir o sonho da Santíssima Mãe de Deus sobre o Monte das Oliveiras, onde Jesus Cristo deu tão alto e grande suspiro.

Deus chamando pelo anjo São Gabriel:

— Oh anjo São Gabriel, vamos ver se a Virgem Santa Maria dorme ou vigia o filho.

— Filho meu, bento filho, eu não durmo nem vigio. Só assim sonhei um sonho que gente humana não sonharia. Eu vi cordas grossas lhe amarrando, mil açoites que lhe davam, fel e vinagre que bebia. Eu vi o Sol gemer e a Lua suspirar.

Quem essa oração souber e não ensinar e quem ouvir e não aprender no Dia de Juízo terá um grande arrependimento do que perdeu.

Amém!

***

Na porta da Alma Santa 
nasceu nosso Bom Jesus. 
Alma Santa respondeu:

— Bom Jesus, que quer agora?

— Quero que entre comigo dentro da Glória.

Não quero nem cama de ouro nem cama de cortina.

Quero em uma manjedoura
onde o boi bento lá comia com seu bafo.

Nossa Senhora com dor,
São José foi buscar luz,
São José não é chegado,
Nasceu nosso Bom Jesus.

Padre Filho perguntou:

— Como lá ficou?

— Ficou em uma manjedoura onde o boi bento lá comia com seu bafo.

Quem essa oração rezar
Sexta-feira da paixão
Seu pai e sua mãe
Têm cem anos de perdão
Nesse mundo será rei
E no outro rei coroado.
Amém.

***
Nota: esta é a versão da famosa oração herdada de Portugal. Sobre o “Sonho de Nossa Senhora” há numerosas superstições: a pessoa que a reza constantemente será avisada de sua morte três dias antes da partida pela própria Mãe de Deus. Na Ponta da Serra, onde nasci, quando a procissão da Via-Sacra deixava a igreja com destino ao cemitério, Sexta-feira da Paixão, conduzindo a imagem de Senhor dos Passos, era rezada, na necrópole, a poderosa oração. A presente versão, contaminada com motivos do ciclo natalino, foi passada por meu pai, Valdi Fernandes Farias.

A foto mostra a igreja construída pelo Major Ramiro Faria, meu bisavô, na Ponta da Serra (BA).