sexta-feira, 19 de julho de 2013

A História de Amor de Pitá e Moroti

A História de Amor de Pitá e Moroti
Acaba de ser lançado pelo selo Volta e Meia, do grupo editorial Nova Alexandria, o livro A História de Amor de Pitá e Moroti. Belamente ilustrado por Veruschka Guerra, a obra revisita uma lenda indígena, de feitio etiológico, que explica a origem da vitória-régia (uapé em guarani). 

Uma amostra:


O vento vindo do Sul
É como a voz do ancião,
Sabedoria surgida
Em tempos que longe vão,
Flores que hoje são  colhidas
No jardim da tradição.

Muitas lendas são contadas
Pelo povo guarani.
De uma delas pelo  menos
Eu nunca mais esqueci:
A linda história de amor
De Pitá e Moroti.

Pitá, um bravo guerreiro,
Moroti, linda donzela.
Se ela o amava demais,
Ele fazia por ela
Tudo o que fosse possível
Para a alegria dela.

Entre o bonito casal
Reinava a felicidade,
Porém, debaixo do sol,
A inveja e a maldade
Jamais aceitam que alguém
Seja feliz de verdade.

Tanto que Pitá dizia:
— Moroti, ouça um segredo:
Apesar de tão feliz,
Confesso que tenho medo
De um dia a nossa ventura
Ir embora no degredo.

A moça, porém, falava:
— Deixe de inquietação;
Nada vai nos separar,
É seu o meu coração.
Acalme-se, pois não há
Motivo para aflição.

Pitá apenas sorriu,
Beijando o rosto da amada.
Despediu-se quando a Lua
Enfeitava a madrugada
E o sabiá já cantava,
Anunciando a alvorada.

(...)


quinta-feira, 30 de maio de 2013

90 anos do Romance do Pavão Misterioso

Capa do Pavão Misterioso, em edição da Luzeiro.
2013 marca os 90 anos do maior êxito da literatura de cordel brasileira: o Romance do Pavão Misterioso, de autoria de José de Camelo de Melo Resende. A data passaria em branco não fosse o empenho do pesquisador e apologista José Paulo Ribeiro, de Guarabira (PB), e do professor e historiador Vicente Barbosa, idealizador da 1ª Exposição de Cordel de Guarabira, chamando a atenção para a importância deste gênero literário para o município, berço de grandes cordelistas e cantadores. 

O texto abaixo, de Vicente Barbosa, conta um pouco dessa história começada pelos idos de 1923:

"Preservar e divulgar as riquezas das Tradições Populares configura-se em um sentimento que deve ser exaltado por cada povo, como forma de garantir a sobrevivência e a plenitude de sua própria identidade. O Nordeste brasileiro é destaque quando se trata do tema Cultura Popular e suas diversas formas de manifestações, dentre elas destacamos a Literatura de Cordel.

Essa forma de narrativa oriunda da Península Ibérica, que aqui chegou pelas mãos dos colonizadores portugueses, ganhou alma e corporificou-se através dos Folhetos de Cordel, que, viajando de mão em mão,  espalhou-se por toda Região Nordeste levando em seu conteúdo os mais variados e múltiplos temas como: o amor, o ódio, a vingança, a tragédia, a religiosidade, o cangaço, as crenças e seus mistérios.

Dentre todos os Cordéis até hoje impressos, um deles teve destaque e, e tornou-se um grande best-seller do gênero. Trata-se do Romance do Pavão Misterioso, obra do cordelista guarabirense José Camelo de Melo Rezende (1885-1964) que ganhou fama no Brasil e no Mundo. O Romance do Pavão Misterioso já foi adaptado para o Teatro, Cinema, Literatura, Música e Televisão, com seu texto simples, aliado à fluência dos versos e às referências aos contos das Mil e Uma Noites alcançou a espantosa tiragem de mais de dez milhões de cópias, vendidas em todo o País.

Neste ano de 2013 a obra completa exatos 90 anos desde a sua primeira edição, datada de 1923. Aproveitando o ensejo e reconhecendo a importância histórica da data, o Serviço Social do Comércio - SESC, na Paraíba, presta uma justa homenagem através da realização da 1ª Exposição de Cordel de Guarabira, uma vez que esta cidade detém o orgulho de ser berço de nascimento do Autor e da Obra.
 Parabéns ao Pavão Misterioso, glória e honra de nossa Literatura popular."

Versão em quadrinhos desenhados por Sérgio Lima.


















Para celebrar a data, o poeta Paulo Gracino, natural de Guarabira, escreveu o poema 90 anos de encantos de um Pavão Misterioso, do qual reproduzo as primeiras estrofes:

Quem é que nunca ouviu
Um dia alguém contar
A história de um pavão,
Que começou a voar
Há mais de noventa anos
E que nem pensa em parar.

Ele é misterioso,
Mas nunca foi encantado.
Passeou no mundo todo
E sempre foi bem lembrado,
Por tudo que fez e faz
E por onde tem passado.

Ele é o grande astro
De um romance acontecido.
Um romance de verdade,
Daqueles bem aguerrido,
Que já tem quase cem anos,
E jamais foi esquecido.

Capa do folheto comemorativo, de autoria
do poeta Paulo Gracino

segunda-feira, 20 de maio de 2013

Do sertão à sala de aula


Autografando o exemplar de Neusa Borges. Ao lado, Margarete Barbosa.
Na fria manhã paulista de 18 de maio, a Paulus da Vila Mariana foi palco da culminância de um projeto de grande importância em minha militância cultural: o lançamento do livro Literatura de Cordel – do sertão à sala de aula. Por lá passaram muitos amigos: poetas cordelistas, editores, professores, produtores culturais, escritores, leitores dos livros e da vida. Amigos de longa data e novos amigos.

Acostumado a eventos como este, há muito tempo não padeço de ansiedade na véspera. Mas, desta vez, estranhamente, sonhei, por duas vezes, um sonho. No sonho, eu estava em outro local que não o do lançamento e, para chegar lá, precisava passar por estradas de chão, carrascosas, com mandacarus enfeitando-lhes as bordas e sombriosos juazeiros a cada cem metros. A estrada era longa e o tempo curto. Somente hoje, pude compreender esse (s) sonho (s): o próprio título do livro ajudou-me na tarefa. Era a minha própria trajetória, real e simbólica, que estava no sonho. A travessia de alguém que nasceu na roça, pegou água na cacimba, bebeu “escuma” de leite no curral, apanhou estrume seco para ser queimado à noite (a hora dos borrachudos) e, dessa experiência, deu parto a uma obra que é, ao mesmo tempo,
letra e voz.

Por isso, meus amigos, vocês, que hoje compartilharam esse momento, fazem parte também desta história, da mesma forma, que eu, acredito, faço parte da história de vocês. Um livro nada representa se não envolve memória e afetividade. Daí a minha gratidão. E que possamos, mais à frente, escrever juntos outras histórias.


Com o amigo jornalista João Marques.
Joyce Néia, grande amiga da poesia (e dos poetas).
Com Marcélio Soares.
Encontro de poetas: Marco Haurélio, Geraldo Amancio,
Costa Senna e Pedro Monteiro
Autografando o exemplar de Salvador Soares. Ao fundo,
João Gomes de Sá, Gregório Nicoló, João Pedro e Jeosafá.
Com João Paulo e frei Varneci.
Pedro Monteiro, Joana Neiva e seu filho Augusto.
O amigo Artur Nogueira, 
A vquerida amiga Valéria Cordero, bibliotecária do
M arista Nossa  Senhora da Glória.
Indianara Brum, gerente da Paulus Vila Mariana.
Conversa com o professor Salvador Soares.
João Paulo Resplandes e Gregório Nicoló, proprietário da lendária Luzeiro.
Movimento na entrada da livraria.
Com Joyce Néia, Pedro, Marciano Vasques, Rosa Zuccerato e João Marques.
Com o teatrólogo Alexandre Cascão e sua esposa Fernanda.
A escritora Goimar Dantas e Ana Rita Tavares.
O meu parceiro de muitos livros Luciano Tasso
e o poeta Moreira de Acopiara.
Lucélia, Moreira, Marciano, Nireuda Longobardi, Dani e Luciano.
Maria Auxiliadora e Marciano Vasques.
Palestra boa com o cantador Aldy Carvalho.
Cacá quer autógrafo.
Conversa boa com Ditinho da Congada, Antonio Iraildo, coordenador
do editorial de Educação da Paulus, Pedro Monteiro e Aldy Carvalho.





quinta-feira, 16 de maio de 2013

Lançamento em Salvador


Por Antônio Barreto, via e-mail.

Fundação Pedro Calmon/SecultBA, juntamente com a Quarteto Editora, tem o prazer de convidar a todos para o evento de lançamento do novo livro do cordelista baiano Antonio Barreto.   

Big Brother Brasil, um programa imbecil e outros cordéis não é apenas mais uma reunião de folhetos, por diversas razões: primeiramente por se tratar de uma belíssima edição. AQuarteto Editora procurou dar aos textos do autor um tratamento editorial luxuoso, o que reitera a importância do gênero como referência cultural.

Esse não é mais um lançamento de folhetos de cordel também porque Barreto não é apenas mais um cordelista. O poeta de Santa Bárbara consegue, mais que denunciar e satirizar as dores do dia-a-dia,  fazê-lo com muita reverência às metrificações que regem e caracterizam o gênero, recuperando, assim, uma tradição trovadoresca rigorosa, ao tempo que cumpre tudo isso com muito frescor e vitalidade.

O início da noite do dia 16 de maio promete ser muito descontraído  não apenas pelo livro que é lançado, mas porque será  animado pela música do Grupo Tapuia, que traz a fina flor do cancioneiro nordestino para alegrar o evento.

Big Brother Brasil, um programa imbecil e outros cordéis (FPC/ Quarteto Editora, 2013) é o volume 5 da Coleção Estante de Bolso e chega para ratificar a importância do texto alegre e irreverente na formação do leitor.

Compareça e leve a família!


terça-feira, 14 de maio de 2013

Obra da PAULUS apresenta a literatura de cordel brasileira



Literatura de Cordel - Capa
Serviço
Título: Literatura de Cordel – do sertão à sala de aula
Autor: Marco Haurélio
Coleção: Ler Mais
Acabamento: Costurado
Formato: 13,5 cm x 20,5 cm
Páginas: 168
Área de Interesse:Educação
LISTA DE RELEASES
O lançamento oficial e sessão de autógrafos da obra acontecerão sábado, dia 18 de maio,às 10h30, na Livraria PAULUS Vila Mariana, que fica na Rua Dr. Pinto Ferraz, 207, Vila Mariana, São Paulo/SP.
Escrito por Marco Haurélio, poeta popular, editor e folclorista,Literatura de Cordel – do sertão à sala de aula, da PAULUS, introduz o leitor no amplo campo desse gênero literário que, durante muito tempo, foi o principal, quando não, o único divertimento do homem do campo.
A proposta da obra é levar o cordel a todos os públicos, sem desprezar a tradição, a coluna em que essa arte se sustenta, mas também sem fugir às lutas impostas pelos novos tempos. “É preciso, também, buscar uma nova definição para esse gênero, para além dos estereótipos e das significações restritivas dos que, sob o pretexto de defendê-lo, quase o mataram”, explica o autor.
A literatura de cordel brasileira teve o Nordeste como berço e o poeta paraibano Leandro Gomes de Barros como grande divulgador. O gênero literário, por muito tempo, serviu também como jornal e cartilha do sertanejo. Declamados ou cantados, os cordéis levaram o público ávido por novidades as façanhas dos cangaceiros Lampião e Antônio Silvino, os milagres do Padre Cícero, entre outros.
De acordo com Marco Haurélio, muitos autores “se atreveram” a contar a história da literatura de cordel. Baseando-se em evidências, hipóteses ou mera suposição, pesquisaram as origens, os grandes títulos, os mais notórios autores. No cordel abaixo, reproduzido em parte, de um poeta popular, Carlos Alberto Fernandes, o texto é composto em sextilhas de sete sílabas:
“Por sua simplicidade,
Existe quem o despreze;
Mas, por sua aceitação,
Tem sido alvo de tese;
Por seu vasto conteúdo,
Cartilha de catequese.”
Da coleção Ler Mais, a obra Literatura de Cordel – do sertão à sala de aula é dividida em 15 capítulos e conta com ilustrações e excelente bibliografia para consulta, que é um verdadeiro guia para o leitor compreender o assunto proposto e sentir-se incentivado a continuar seus estudos.
Marco Haurélio cursou Letras Vernáculas na Universidade do Estado da Bahia, Campus VI, de Caetité. Em 2005, em São Paulo, dedicou-se a difusão da literatura de cordel e à luta por sua inclusão nas salas de aula. Tem vários livros publicados, a exemplo dos infantis A lenda do Saci-Pererê e Traquinagens de João Grilo, lançados pela PAULUS.
Publicado no site da Paulus Editora.

domingo, 12 de maio de 2013

Um cordel para ler no Dia das Mães















Amor de Mãe, do mestre Severino  Borges Silva, é a dica do blog Cordel Atemporal não só para o Dia das Mães, mas para o ano todo. Afinal, trata-se de um clássico do gênero dramático.

Já que o Deus da Ciência
Gravou na minha memória
As setas da poesia,
Irei contar uma história
De amor e sofrimento,
Sacrifício, honra e vitória.

Desenrolou-se este drama
Perto do Rio de Janeiro,
Na fazenda Santa Inês,
Do coronel João Monteiro —
Homem rico e conhecido
Como o maior fazendeiro.

Para adquiri-lo vá ao site da Editora Luzeiro.  

segunda-feira, 6 de maio de 2013

Dia 18 de maio, o cordel pede passagem


Dia 18 de maio, lançarei  mais um livro, Literatura de Cordel: do sertão à sala de aula (Paulus Editora). Além de artigos, ensaios e de um roteiro para oficinas, a obra traz, na íntegra, cordéis de Leandro Gomes de Barros, Silvino Pirauá e apresenta a visão particular do universo da poesia dita popular por um de seus criadores, o poeta paraibano Carlos Alberto Fernandes da Silva. As ilustração são do consagrado gravador pernambucano Marcelo Soares.

Desta vez, o cenário será a Livraria Paulus da Vila Mariana, localizada à rua Pinto Ferraz, 207 (ao lado Metrô Vila Mariana). 

Para celebrar, posto abaixo trecho de um dos capítulos do livro, O cordel pede passagem, cujo título fala por si mesmo:


Entre abril e maio de 2001, uma mostra no SESC Pompeia, em São Paulo, com curadoria do escritor e jornalista Audálio Dantas, celebrou os cem anos da literatura de cordel brasileira. Poetas, ilustradores, editores e repentistas se revezaram em apresentações, exposições, palestras e oficinas. Tudo certo, não fosse um detalhe: a literatura de cordel brasileira, em 2001, já havia ultrapassado um século de existência. O que, evidentemente, não ofuscou o brilho do evento, nem diminuiu a importância da iniciativa. A dificuldade em se apontar o marco inicial se deve em parte à escassez de referência bibliográfica do período. Sílvio Romero, pioneiro dos estudos etnográficos e historiador literário, já fazia uso do termo “literatura de cordel" em Estudos sobre a poesia popular, de 1885. Por outro lado, Romero não destaca nenhum poeta em particular, à exceção de João Sant’Anna de Maria, o que leva a crer que estas publicações incipientes ainda não haviam atingido o padrão que imortalizaria o gênero na memória popular e na cultura brasileira.

A travessia fatalmente seria feita. E, num Nordeste com forte presença do imaginário da Idade Média, dominado pelo misticismo e por crenças impregnadas do ideário cavaleiresco, em especial da gesta de Carlos Magno, foi Leandro Gomes de Barros, poeta paraibano radicado no velho Recife, o herói desbravador da seara do cordel e o modelo a ser seguido por todos os poetas do gênero. São dele alguns dos maiores clássicos do cordel: Juvenal e o dragão, O cachorro dos mortos, História da Donzela Teodora, Os sofrimentos de Alzira, Peleja de Manoel Riachão com o Diabo, O cavalo que defecava dinheiro etc. A partir da gesta de Carlos Magno, Leandro escreveu A batalha de Oliveiros com Ferrabrás e A prisão de Oliveiros. Obras que já ultrapassaram com folga a casa dos milhões de exemplares vendidos, e são reeditadas há mais de cem anos, ininterruptamente, fazendo de seu autor o mais importante criador da poesia popular brasileira.

Leandro teve — e tem — muitos seguidores. João Martins de Athayde, seu sucessor, é o mais conhecido e controverso deles. Admirador de Leandro, criou uma peleja fictícia com o ídolo, mesmo antes de conhecê-lo. Depois da morte do grande poeta, comprou junto à viúva deste, Dona Venustiniana Eulália de Barros, os direitos de publicação de sua obra. Com o tempo, passou a suprimir a informação sobre a autoria de Leandro das capas dos folhetos e, não satisfeito, passou a assinar os títulos como se fossem de sua lavra. Athayde, paraibano de Ingá do Bacamarte, se estabeleceu no Recife, onde criou um importante parque gráfico. Publicou os principais autores de seu tempo, entre eles, José Camelo de Melo Resende, João Melchíades Ferreira da Silva, Silvino Pirauá de Lima, José Pacheco da Rocha, Pacífico Pacato Cordeiro Manso e até mesmo o desafeto Francisco das Chagas Batista, que fora o grande amigo de Leandro. Estes e mais alguns outros, hoje pouco lembrados, são a geração primeira do cordel, os patriarcas, todos nascidos em meados ou nas últimas décadas do século XIX.

O trabalho dos patriarcas irrigou o terreno da poesia popular e ensejou o surgimento de uma importante geração de autores nas primeiras décadas do século XX: o pernambucano João Ferreira de Lima, autor de Proezas de João Grilo e da História de Mariquinha e José de Souza Leão, é um exemplo. Foi a Paraíba, no entanto, o berço dos autores de maior brilho: Manoel D’Almeida Filho, Joaquim Batista de Sena, Manoel Camilo dos Santos, Cícero Vieira da Silva, Natanael de Lima, Apolônio Alves dos Santos, entre outros. Todos nascidos no interior e estabelecidos, por força da necessidade, em grandes centros, onde conciliavam a atividade de criadores de versos populares com a luta pela sobrevivência. Uma exceção é Delarme Monteiro da Silva. Nascido em Recife, foi ajudante na tipografia de João Martins de Athayde. Frequentador dos cinemas da capital pernambucana, buscou nos filmes e nos livros inspiração para seus romances de enredo impactante e fluência notável.

Vinculados às tipografias tradicionais, os autores de cordel, quase sempre, abriam mão de suas obras por preços irrisórios ou em troca de exemplares editados dos livrinhos cedidos definitivamente aos editores-proprietários. Na maioria dos folhetos sequer constava o nome do autor na capa. Quando muito, aparecia uma referência em acróstico, ficando para o leitor a tarefa de identificá-lo. Até hoje, em trabalhos acadêmicos, muitos títulos clássicos do cordel brasileiro são atribuídos ao editor-proprietário.
Paraíba e Pernambuco eram, até a primeira metade do século XX, os centros da produção cordelística no Nordeste. Os outros estados nordestinos eram a periferia. Isso começa a mudar com a chegada do alagoano Rodolfo Coelho Cavalcante à Bahia. Instalado em Salvador, esse poeta, que também foi uma grande liderança, fez do Mercado Modelo um centro difusor da lira popular. No interior do estado, percorrendo várias cidades, o poeta, xilógrafo e impressor Minelvino Francisco Silva semeava poesia desde Itabuna, no sudoeste baiano, até o norte de Minas Gerais.

Essa geração, responsável pela consolidação do cordel, e a seguinte, que tem entre seus expoentes poetas do calibre de Cícero Vieira da Silva, José João dos Santos (Azulão), Eneias Tavares e João Firmino Cabral, sofreram com as sucessivas crises econômicas, cujas consequências não cabe aqui discutir, e com a falta de renovação, o que levou alguns estudiosos com tendências paternalistas a apregoarem, no fim dos anos 1980, a morte da literatura de cordel.


Mas o cordel, felizmente, não morreu. E ressurgiu forte, na última década do século XX, graças a uma nova geração que soube preservar a temática tradicional, ao mesmo tempo que, aceitando novos desafios, incorporou a poesia popular à literatura infantil e juvenil, levando-a para a sala de aula.

(...)

 
Personagens do universo do cordel por Marcelo Soares.

quinta-feira, 25 de abril de 2013

Cordel no Memorial


O Memorial da América Latina conta, desde o dia 13 de abril, com uma banca de folhetos sob a responsabilidade dos cordelistas João Gomes de Sá e Varneci Nascimento. A iniciativa visa facilitar o acesso de alunos, professores e leitores ao cordel e faz parte da nova política do Memorial, que premia, assim, a diversidade cultural. Todos os sábados e domingos, a dupla estará expondo cordéis de autores clássicos e contemporâneos, além de livros e xilogravuras (assinadas por João Gomes de Sá).

Um canto que lava a alma


Postei, há algum tempo no Facebook, o texto abaixo com um trecho de um bendito cantado por D. Jesuína Pereira Magalhães, de Igaporã, Bahia, nascida em 1915.


Estava Senhora
Na beira do rio
Lavando os paninhos
Do seu bento filho.

Maria lavava,
José estendia,
O menino chorava
Do fri que sentia.

As duas quadras fazem parte de um conto que a informante chamou 'O Menino Governador do Mundo' e se insere no conjunto de narrativas apócrifas enfocando a fuga da sagrada família para o Egito. Obviamente, o interlúdio poético é uma contaminação do texto em prosa, que lhe serve de moldura.



Meu amigo José Joaquim Dias Marques, do Centro de Estudos Ataíde Oliveira (CEAO), da Universidade do Algarve, Faro, Portugal, generosamente, enviou-me a versão abaixo, que compartilho com os leitores deste espaço:


"Marco Haurélio, aqui fica uma versão portuguesa inédita dessa oração, bastante mais comprida do que as nossas versões habituais (que costumam ser curtas como a versão da Bahia que tu gravaste e ter, no máximo, três quadras).

Segundo explicou a informante, este texto era cantado durante a recitação do terço, provavelmente numa das pausas que marcam a separação entre os vários mistérios. Esta versão tem de especialmente interessante as séries de quadras paralelísticas. Foi recolhida por uma aluna minha.

Está Nossa Senhora
À beira do rio
Lavando os paninhos
Do seu bendito filho.

A Virgem lavava,
S. José estendia
E o menino chorava
Do frio que fazia.

Calai, meu menino,
Calai, meu amor,
Que essas tuas chagas
Me partem com dor.

Os filhos dos homens
Em bons travesseiros;
Meu Deus, meu menino
Em cama de madeiros!

Os filhos dos homens
Em berço dourado;
Meu Deus, meu menino,
Em palhas deitado!

Olhais para o céu,
Verás estar Maria,
Cercada de anjos,
Com tanta alegria.

Olhais para o céu,
Verás estar José,
Cercado de anjos,
E Maria ao pé.

Olhais para o céu,
Verás uma cruz,
Cercada de rosas,
E o Menino Jesus.

Informante: Cesaltina Peleja, 71 anos, natural de Clarines, concelho de Alcoutim, distrito de Faro.
Recolha de Cristina Martins, aluna da Universidade do Algarve, em 18/12/2004."




Acima, a cantora e compositora paraibana Socorro Lira, uma das mais belas vozes da música brasileira, interpreta o bendito, que é  também acalanto, Senhora Santana, gravado no álbum Intersecção: a Linha e o Ponto, que repete alguns versos das versões acima reproduzidas.

Senhora Santana 
Ao redor do mundo, 
Aonde ela passava, 
deixava uma fonte 

Quando os anjos passam, 
Bebem água dela. 
Oh que água tão doce, 
Oh Senhora tão bela! 

Encontrei Maria 
Na beira do rio 
Lavando os paninhos 
Do seu bento filho. 

Maria lavava, 
José estendia. 
O menino chorava 
Do fri que sentia 

Os filhos dos homens 
Em berço dourado, 
E tu, meu menino, 
em palhas deitado. 

Calai, meu menino, 
Calai, meu amor, 
Que a faca que corta 
Não dá tai sem dor.