Dia 18 de maio, lançarei mais um livro, Literatura de Cordel: do sertão à sala de aula (Paulus Editora). Além de artigos, ensaios e de um roteiro para oficinas, a obra traz, na íntegra, cordéis de Leandro Gomes de Barros, Silvino Pirauá e apresenta a visão particular do universo da poesia dita popular por um de seus criadores, o poeta paraibano Carlos Alberto Fernandes da Silva. As ilustração são do consagrado gravador pernambucano Marcelo Soares.
Desta vez, o cenário será a Livraria Paulus da Vila Mariana, localizada à rua Pinto Ferraz, 207 (ao lado Metrô Vila Mariana).
Para celebrar, posto abaixo trecho de um dos capítulos do livro, O cordel pede passagem, cujo título fala por si mesmo:
Entre abril e maio de 2001, uma mostra no SESC Pompeia, em São Paulo,
com curadoria do escritor e jornalista Audálio Dantas, celebrou os cem anos da literatura
de cordel brasileira. Poetas, ilustradores, editores e repentistas se revezaram
em apresentações, exposições, palestras e oficinas. Tudo certo, não fosse um
detalhe: a literatura de cordel brasileira, em 2001, já havia ultrapassado um
século de existência. O que, evidentemente, não ofuscou o brilho do evento, nem
diminuiu a importância da iniciativa. A dificuldade em se apontar o marco
inicial se deve em parte à escassez de referência bibliográfica do período.
Sílvio Romero, pioneiro dos estudos etnográficos e historiador literário, já
fazia uso do termo “literatura de cordel" em Estudos sobre a poesia popular, de 1885. Por outro lado, Romero
não destaca nenhum poeta em particular, à exceção de João Sant’Anna de Maria, o
que leva a crer que estas publicações incipientes ainda não haviam atingido o
padrão que imortalizaria o gênero na memória popular e na cultura brasileira.
A travessia fatalmente seria feita. E, num Nordeste com forte presença
do imaginário da Idade Média, dominado pelo misticismo e por crenças
impregnadas do ideário cavaleiresco, em especial da gesta de Carlos Magno, foi
Leandro Gomes de Barros, poeta paraibano radicado no velho Recife, o herói
desbravador da seara do cordel e o modelo a ser seguido por todos os poetas do
gênero. São dele alguns dos maiores clássicos do cordel: Juvenal e o dragão, O cachorro
dos mortos, História da Donzela
Teodora, Os sofrimentos de Alzira,
Peleja de Manoel Riachão com o Diabo, O cavalo que defecava dinheiro etc. A
partir da gesta de Carlos Magno, Leandro escreveu A batalha de Oliveiros com Ferrabrás e A prisão de Oliveiros. Obras que já ultrapassaram com folga a casa
dos milhões de exemplares vendidos, e são reeditadas há mais de cem anos,
ininterruptamente, fazendo de seu autor o mais importante criador da poesia
popular brasileira.
Leandro teve — e tem — muitos seguidores. João Martins de Athayde, seu
sucessor, é o mais conhecido e controverso deles. Admirador de Leandro, criou
uma peleja fictícia com o ídolo, mesmo antes de conhecê-lo. Depois da morte do
grande poeta, comprou junto à viúva deste, Dona Venustiniana Eulália de Barros,
os direitos de publicação de sua obra. Com o tempo, passou a suprimir a
informação sobre a autoria de Leandro das capas dos folhetos e, não satisfeito,
passou a assinar os títulos como se fossem de sua lavra. Athayde, paraibano de
Ingá do Bacamarte, se estabeleceu no Recife, onde criou um importante parque
gráfico. Publicou os principais autores de seu tempo, entre eles, José Camelo
de Melo Resende, João Melchíades Ferreira da Silva, Silvino Pirauá de Lima,
José Pacheco da Rocha, Pacífico Pacato Cordeiro Manso e até mesmo o desafeto
Francisco das Chagas Batista, que fora o grande amigo de Leandro. Estes e mais
alguns outros, hoje pouco lembrados, são a geração primeira do cordel, os
patriarcas, todos nascidos em meados ou nas últimas décadas do século XIX.
O trabalho dos patriarcas irrigou o terreno da poesia popular e ensejou
o surgimento de uma importante geração de autores nas primeiras décadas do
século XX: o pernambucano João Ferreira de Lima, autor de Proezas de João Grilo e da História
de Mariquinha e José de Souza Leão, é um exemplo. Foi a Paraíba, no
entanto, o berço dos autores de maior brilho: Manoel D’Almeida Filho, Joaquim
Batista de Sena, Manoel Camilo dos Santos, Cícero Vieira da Silva, Natanael de
Lima, Apolônio Alves dos Santos, entre outros. Todos nascidos no interior e
estabelecidos, por força da necessidade, em grandes centros, onde conciliavam a
atividade de criadores de versos populares com a luta pela sobrevivência. Uma
exceção é Delarme Monteiro da Silva. Nascido em Recife, foi ajudante na
tipografia de João Martins de Athayde. Frequentador dos cinemas da capital
pernambucana, buscou nos filmes e nos livros inspiração para seus romances de
enredo impactante e fluência notável.
Vinculados às tipografias tradicionais, os autores de cordel, quase
sempre, abriam mão de suas obras por preços irrisórios ou em troca de
exemplares editados dos livrinhos cedidos definitivamente aos
editores-proprietários. Na maioria dos folhetos sequer constava o nome do autor
na capa. Quando muito, aparecia uma referência em acróstico, ficando para o
leitor a tarefa de identificá-lo. Até hoje, em trabalhos acadêmicos, muitos
títulos clássicos do cordel brasileiro são atribuídos ao editor-proprietário.
Paraíba e Pernambuco eram, até a primeira metade do século XX, os
centros da produção cordelística no Nordeste. Os outros estados nordestinos
eram a periferia. Isso começa a mudar com a chegada do alagoano Rodolfo Coelho
Cavalcante à Bahia. Instalado em Salvador, esse poeta, que também foi uma
grande liderança, fez do Mercado Modelo um centro difusor da lira popular. No
interior do estado, percorrendo várias cidades, o poeta, xilógrafo e impressor
Minelvino Francisco Silva semeava poesia desde Itabuna, no sudoeste baiano, até
o norte de Minas Gerais.
Essa geração, responsável pela consolidação do cordel, e a seguinte, que
tem entre seus expoentes poetas do calibre de Cícero Vieira da Silva, José João
dos Santos (Azulão), Eneias Tavares e João Firmino Cabral, sofreram com as
sucessivas crises econômicas, cujas consequências não cabe aqui discutir, e com
a falta de renovação, o que levou alguns estudiosos com tendências
paternalistas a apregoarem, no fim dos anos 1980, a morte da literatura de
cordel.
Mas o cordel, felizmente, não morreu. E ressurgiu
forte, na última década do século XX, graças a uma nova geração que soube
preservar a temática tradicional, ao mesmo tempo que, aceitando novos desafios,
incorporou a poesia popular à literatura infantil e juvenil, levando-a para a
sala de aula.
Personagens do universo do cordel por Marcelo Soares. |
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