quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Presença de Lampião na Literatura de Cordel

Lampião e Maria Bonita (no centro) em fotografia de Benjamin Abrahão

28 de julho de 1938. Nesta data, ocorreu a chacina de Angicos, em Sergipe, onde, sem nenhuma chance de defesa, morreram Lampião, sua companheira Maria Bonita e mais nove cangaceiros. Virgulino Ferreira da Silva, o temível Lampião, é de longe o personagem mais biografado no Cordel. Nenhuma outra personalidade histórica chama mais a atenção dos vates populares. O mais famoso folheto sobre o Rei do Cangaço, A chegada de Lampião no inferno, de José Pacheco, já ultrapassou em muito a marca de um milhão de exemplares vendidos. Nele, a notícia trazida pela alma penada de um cangaceiro, certo Pilão Deitado, dá conta da confusão dos diabos (sem trocadilhos) provocada pelo Capitão recém-chegado às profundas. Composto em setilhas, desde o início este folheto exerce um fascínio irresistível no leitor, graças ao humor ao mesmo tempo ingênuo e malicioso:

Um cabra de Lampião,
Por nome Pilão-Deitado,
Que morreu numa trincheira
Um certo tempo passado,
Agora pelo sertão
Anda correndo visão,
Fazendo mal assombrado.

E foi quem trouxe a notícia
Que viu Lampião chegar.
 Inferno, nesse dia,
Faltou pouco pra virar –
Incendiou-se o mercado,
Morreu tanto cão queimado,
Que faz pena até contar!

Eis o necrológio da capetada:

Morreu a mãe de Canguinha,
O pai de Forrobodó,
Cem netos de Parafuso,
Um cão chamado Cotó.
Escapuliu Boca-Insossa
E uma moleca moça
Quase queimava o totó.

A chegada de Lampião no inferno. Ilustração de Eugenio Colonnese
para a Editora Luzeiro
O poeta Laurindo Gomes Maciel, no folheto Lampião arrependido da vida de cangaceiro, escrito, provavelmente na década de 1930, quando o facínora estava vivo, apela ao Governo que acabe logo com sua raça. Nem todo mundo via Lampião como um Robin Hood que fez da caatinga sua Sherwood: 

Lampião é uma fera
Como todo mundo sabe.
Seu nome no Universo
Não terá mais quem o gabe.
Eu temo ele não me jure
Mas não há bem que ature
Nem mal que nunca se acabe.
[...]
Virgulino Lampião,
Se achar meu verso ruim
Deus queira que o Governo
Brevemente dê-lhe fim
Falei somente a verdade
Lampião, por caridade,
Não tenha queixa de mim.

O fim de Lampião é questionado por Manoel Pereira   Sobrinho, em A verdadeira história de Lampião e Maria Bonita:

Não sei se foi vivo ou morto
Porque há contradição
Tem gente que afirma sim
Porém tem quem diga não
O que eu sei é que o mesmo
Nunca mais veio ao sertão.

O próprio Lampião, admirador da poesia popular, deixou registrados em setilha sua sina errante e os motivos que o impeliram ao crime:

Nunca pensei que na vida
Fosse preciso brigar
Apesar de ter intrigas
Gostava de trabalhar
Mas hoje sou cangaceiro
Enfrentarei o balseiro
O meu destino é matar.

A Zabelê, cantador do bando, são atribuídos os versos que se seguem, feitos logo após a chacina de Angicos: 

A viola tá chorando
Tá chorando com rezão
Tão de luto os cangacero
Tá de luto o meu sertão
A viola tá chorando
Tá chorando com rezão.

O poeta Antônio Américo de Medeiros colheu esta sextilha de um suposto encontro havido entre o Cego Aderaldo e Lampião, na qual o menestrel louva o Rei do Cangaço:

É esta a primeira vez
Que canto pra Lampião,
A maior autoridade
Que cruza todo o sertão,
Fazendo medo a alferes,
Tenente e capitão.

Os cabras de Lampião: epopeia sertaneja

Nenhuma biografia em Cordel do bandoleiro, porém, supera Os cabras de Lampião, de Manoel D’Almeida Filho, verdadeira epopeia sertaneja em 632 impressionantes sextilhas:

Entre os fatos mais falados
Pelas plagas do sertão,
Temos as grandes façanhas
Dos cabras de Lampião
Mostrando quadras da vida,
Do famoso capitão.

Em diversas reportagens
De revistas e jornais
Com testemunhas idôneas
Contando fatos reais,
Coligimos neste livro
Lances sensacionais.

(...)
São casos que ainda hoje
Não temos quem os conteste,
Porque ficaram gravados
Nas entranhas do Nordeste
Com sangue, com ferro e fogo,
Como a maldição da peste.

Antônio Teodoro dos Santos, em Lampião, o Rei do Cangaço, de 1957, mistura o real e o lendário, o homem e o mito. Publicações mais recentes, como Lampião e seu escudo invisível, de Costa Senna, e Lampião: herói ou bandido?, de João Firmino Cabral, comprovam que o tema ainda acrescentará muitas páginas à literatura popular em verso, sempre receptiva aos romances trágicos.

Nota: este artigo foi adaptado do capítulo O menestrel e o cangaceiro, do livro Breve história da Literatura de Cordel, Marco Haurélio (Claridade, 2010).

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