O povo tem uma maneira muito peculiar de
culto, seja na tradição católica trazida pelos portugueses, desde a primeira
missa rezada por frei Henrique Soares de Coimbra, em 1500, seja na relação com
os orixás, herdada da África. Os oragos mais celebrados — Santo Antônio, São
João, São Benedito, São Sebastião, São Francisco, Santa Luzia —, na visão do
povo, se diferenciam muito dos modelos originais da tradição católica
romana. Assim, São João Batista, longe
do asceta descrito pelos evangelistas, pregador inflexível e comedor de
gafanhotos, é retratado como uma espécie de deus da vegetação ou da colheita,
jovem e belo, em cujo dia, 24 de junho, os jovens fazem simpatias em busca do
amor. Santo Antônio, de Pádua e de Lisboa, celebrado a 13 de junho, tornou-se o
santo casamenteiro, vocação estranha para quem se dedicou de corpo e alma ao
celibato e à causa dos mais pobres, fugindo a todas as tentações da vida
mundana.
Além dos santos reconhecidos pelo hagiológio
romano, há outros concebidos pela imaginação popular, sem altar nem devoção,
mas vivos nas locuções tradicionais espalhadas por todo o Brasil. Foi a partir
de uma pesquisa feita pelo artista plástico Tarcísio Garcia, que resultou em
dez desenhos feito a bico de pena e expostos no famoso Pirata Bar, de
Fortaleza, em 1989, que nasceu o presente livro. Os desenhos foram reunidos em
um álbum, apresentado pelo contista cearense Moreira Campos. O álbum chegou às
mãos do poeta e editor de cordel Klévisson Viana. A soma de talentos rendeu
este livro em que o tratamento clássico das imagens casa perfeitamente com o
humor sofisticado, mas de sabor eminentemente popular, das sextilhas compostas
por Klévisson.
Quem nunca ouviu falar do santo do pau oco, referência à pessoa hipócrita, dissimulada, da
expressão cuja origem está no contrabando de ouro em pó para Portugal, durante
os séculos XVIII e XIX? Já a expressão santo
de casa não faz milagre parece ter origem no Evangelho de São Marcos (6:4),
na passagem que narra como, no retorno a Nazaré, Jesus foi alvo da desconfiança
de seus conterrâneos: “Um profeta só é desprezado na sua pátria, entre os seus
parentes e na sua própria casa”.
No dia de São
Nunca
equivale a “30 de fevereiro”, dia nenhum, data preferida pelos caloteiros e eleitores
dissimulados. Para baixo todo santo ajuda
indica o esforço mínimo, a falta de compromisso. Santo remédio, por outro lado, não tem conotação jocosa: refere-se
ao medicamento ou à terapia que dá resultado. Santa paciência! e Santa
ignorância! são locações interjetivas que destacam uma virtude e um vício,
mas que, no presente caso, têm sempre efeito negativo. O proverbial “Devagar
com o andor, que o santo é de barro” adverte quanto à impaciência, convidando à
prudência, cautela. Já Santa Briguilina
da Perna Fina parece ser criação nordestina, talvez cearense. É, para os
autores, a padroeira da estética, lembrando a busca desesperada de algumas
modelos por manter a forma, chegando, às vezes, à anorexia.
Pelas razões acima expostas, este Santuário brasileiro é um livro mais que
abençoado.
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