segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Klévisson Viana e Tarcísio Garcia lançam cordel inventivo sobre santos populares

O povo tem uma maneira muito peculiar de culto, seja na tradição católica trazida pelos portugueses, desde a primeira missa rezada por frei Henrique Soares de Coimbra, em 1500, seja na relação com os orixás, herdada da África. Os oragos mais celebrados — Santo Antônio, São João, São Benedito, São Sebastião, São Francisco, Santa Luzia —, na visão do povo, se diferenciam muito dos modelos originais da tradição católica romana.  Assim, São João Batista, longe do asceta descrito pelos evangelistas, pregador inflexível e comedor de gafanhotos, é retratado como uma espécie de deus da vegetação ou da colheita, jovem e belo, em cujo dia, 24 de junho, os jovens fazem simpatias em busca do amor. Santo Antônio, de Pádua e de Lisboa, celebrado a 13 de junho, tornou-se o santo casamenteiro, vocação estranha para quem se dedicou de corpo e alma ao celibato e à causa dos mais pobres, fugindo a todas as tentações da vida mundana.

Além dos santos reconhecidos pelo hagiológio romano, há outros concebidos pela imaginação popular, sem altar nem devoção, mas vivos nas locuções tradicionais espalhadas por todo o Brasil. Foi a partir de uma pesquisa feita pelo artista plástico Tarcísio Garcia, que resultou em dez desenhos feito a bico de pena e expostos no famoso Pirata Bar, de Fortaleza, em 1989, que nasceu o presente livro. Os desenhos foram reunidos em um álbum, apresentado pelo contista cearense Moreira Campos. O álbum chegou às mãos do poeta e editor de cordel Klévisson Viana. A soma de talentos rendeu este livro em que o tratamento clássico das imagens casa perfeitamente com o humor sofisticado, mas de sabor eminentemente popular, das sextilhas compostas por Klévisson.

Quem nunca ouviu falar do santo do pau oco, referência à pessoa hipócrita, dissimulada, da expressão cuja origem está no contrabando de ouro em pó para Portugal, durante os séculos XVIII e XIX? Já a expressão santo de casa não faz milagre parece ter origem no Evangelho de São Marcos (6:4), na passagem que narra como, no retorno a Nazaré, Jesus foi alvo da desconfiança de seus conterrâneos: “Um profeta só é desprezado na sua pátria, entre os seus parentes e na sua própria casa”.

No dia de São Nunca equivale a “30 de fevereiro”, dia nenhum, data preferida pelos caloteiros e eleitores dissimulados. Para baixo todo santo ajuda indica o esforço mínimo, a falta de compromisso. Santo remédio, por outro lado, não tem conotação jocosa: refere-se ao medicamento ou à terapia que dá resultado. Santa paciência! e Santa ignorância! são locações interjetivas que destacam uma virtude e um vício, mas que, no presente caso, têm sempre efeito negativo. O proverbial “Devagar com o andor, que o santo é de barro” adverte quanto à impaciência, convidando à prudência, cautela. Já Santa Briguilina da Perna Fina parece ser criação nordestina, talvez cearense. É, para os autores, a padroeira da estética, lembrando a busca desesperada de algumas modelos por manter a forma, chegando, às vezes, à anorexia.
          
Pelas razões acima expostas, este Santuário brasileiro é um livro mais que abençoado.

Marco Haurélio

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