Vassilissa, de Ivan Bilibin. |
Marco Haurélio volta à Casa Tombada para o segundo módulo do curso Conto Popular: Viagem de Retorno ao País da Infância. Abaixo, um resumo das temáticas que serão abordadas a cada encontro.
1.
Sobrevivências
mitológicas e ritualísticas nos contos populares
O
russo Vladímir Propp vislumbrou nos contos maravilhosos informações acerca de
ritos e mitos há muito desaparecidos, numa perspectiva histórica que não fecha
os olhos às mudanças e aos estágios pelos quais passam as narrativas populares,
mesmo as nascidas em tempos arcaicos. Com base no clássico estudo Raízes históricas do conto maravilhoso,
revisitaremos alguns ritos de passagem e voaremos ao Reino dos Confins, o reino
do Vai-Não-Torna das histórias brasileiras. Passaremos, ainda, alguns dias – e
noites! – na cabana da ogra, ou na casa do Bicho de Sete Cabeças, do Rei do
Frio, e mergulharemos no poço de Dona Holle, símbolo do rito de passagem da
infância para a idade adulta.
2.
Cordel:
a poesia bárdica do Brasil
A
literatura de cordel do Nordeste, com suas obras mais importantes e sua
filiação à poesia épica e às canções de gesta, é o tema deste encontro. Por que
o Brasil se tornou o maior celeiro da poesia popular em todo o mundo? A
simbologia do Pavão Misterioso,
emblema maior do cordel nordestino e o mais universal dos romances rimados.
Quais são os livros do povo e por que são assim chamados? Marco Haurélio, poeta e pesquisador da
Literatura de Cordel, apresenta as obras fundamentais, os cordéis fundadores,
os autores e autoras que fazem do cordel brasileiro a mais importante expressão
da poesia popular em todo o mundo.
3.
Luzia
Teresa: muita história pra contar
Definida
pelo folclorista Altimar Pimentel como a maior contadora de “estórias” de que
se tem notícia, a paraibana de Guarabira, Luzia Teresa dos Santos (1909-1983)
era um fenômeno. Dos 242 contos coletados pelo Núcleo de Pesquisa e
Documentação da Cultura Popular da Universidade Federal da Paraíba, apenas
sendo 146 foram registrados em três volumes, intitulados Estórias de Luzia Teresa, e publicados pela Editora Thesaurus, de
Brasília.
4.
De
Ródope a Maria Borralheira: as metamorfoses da Cinderela
Cinderela
(ATU 510A) é, sem dúvidas, o conto popular mais difundido no mundo. Charles
Perrault, com sua Cendrillon, e os
Grimm, com Auschenputtell, difundiram
as versões mais conhecidas da história. É a Gata Borralheira na tradição oral
de Portugal, Maria Borralheira nas coletâneas brasileiras, a história se filia
a uma antiga lenda registrada pelo grego Heródoto, o Pai da História, cinco
séculos antes de Cristo. Maria Borralheira nos contos brasileiros, aparece
desde a coletânea de Silvio Romero, no fim do século XIX, e, mais recentemente,
em um livro que reúne 20 versões baianas, Cinderela
nos entrelaces da tradição, base da dissertação de mestrado da professora
Edil Costa.
5.
É
o Cão! O motivo do demônio logrado nos contos populares e no cordel
No
Índice de motivos dos contos populares, o Sistema ATU, os contos do Ogro
(Diabo) estúpido vão do nº 1000 ao 1199, incluindo contratos de trabalho,
pactos, apostas improváveis e burlas maldosas. No Brasil, uma estranha
convergência transforma o gigante, adversário do herói picaresco, em fazendeiro
nas facécias protagonizadas por Pedro Malasartes. Há, entre vários povos, a
premissa de que os espíritos podem servir aos seres humanos, por obrigação ou
gratidão. Esta é a premissa dos contos em que há um pacto, consciente ou não,
com o espírito do submundo. Câmara Cascudo, na introdução ao seu
livro Contos Tradicionais do Brasil,
assim se refere ao Ciclo do demônio logrado: “Nos
contos em que aparece o Diabo este perde infalivelmente. A Morte, ao contrário,
vence. Debalde o homem procura enganar, utilizando todos os recursos da
inteligência, o pagamento fatal da dívida”.
6.
O
medo e o mal nos contos de fadas
Todos
nós sentimos medo. Medo da morte, da vida, do diabo, de Deus e dos deuses, de
fantasmas, de bruxas. Medo das encruzilhadas, das árvores amaldiçoadas, dos
animais predadores. Medo da noite e do que ela oculta. Medo dos outros e de nós
mesmos. Em muitos contos e lendas, o medo dá o mote. O medo está ligado ao mal,
mas este é mais um problema metafísico, interpretado e reinterpretado ao longo
dos tempos. Nos contos de fadas, heróis e heroínas precisam superar o seu medo
para iniciar sua jornada, que culmina na derrota do mal (ou de um de seus
agentes).
O PROFESSOR
Marco Haurélio teve contato com as tradições
orais ainda na infância, passada no sertão baiano, entre os mestres e mestras
da narração oral. Sua principal referência é a avó paterna Luzia Josefina de
Farias (1910-1983), de quem escutou mais de cem histórias, várias delas hoje
publicadas em livros que são referências no assunto, a exemplo de Contos e fábulas do Brasil e Contos folclóricos brasileiros.
Escritor, pesquisador da cultura espontânea, cordelista e estudioso da poesia
popular, é, ainda, autor de livros para crianças e jovens, vários deles
premiados. No campo dos estudos etnográficos, recolheu, divulgou e classificou
centenas de contos, dezenas de lendas, além de cantigas e romances, estes
últimos ainda inéditos. Autor de Vozes da
tradição (IMEPH, 2018), Lá detrás daquela
serra (Peirópolis, 2013), O noivo
defunto e outros contos de mal-assombro (Nova Alexandria, 2ª edição, 2019), Tristão e Isolda em cordel (SESI-SP
Editora, 2018), dentre outros, ministra cursos e oficinas sobre o cordel e a
cultura popular brasileira.
SUGESTÕES DE
LEITURA
ALCOFORADO,
Doralice. Belas e feras baianas:
um estudo do conto popular. Salvador: Fundação Pedro Calmon, 2008
AMARAL, Amadeu. Tradições
populares. São Paulo: Hucitec, 1976. ARAUJO, Alceu Maynard. Cultura
popular brasileira. 3ª ed. São Paulo: Martins
Fontes, 2007.
BRANDÃO, Théo. Seis
contos populares do Brasil. Maceió: MEC-SEC-Funarte, Instituto Nacional do
Folclore, ufal, 1982.
CALVINO, Ítalo. Fábulas
italianas. Tradução de Nilson Moulin. São Paulo: Companhia das Letras,
1992.
CARDIGOS, Isabel;
CORREIA, Paulo. Catálogo dos Contos Tradicionais Portugueses (Com as
versões análogas dos países lusófonos). CEAO da Universidade do Algarve /
Edições Afrontamento: Portugal, 2015.
CASCUDO, Luís da
Câmara. Contos tradicionais do Brasil. 13. ed. São Paulo:
Global, 2004.
COELHO, Adolfo. Contos
populares portugueses. Portugal: Compendium, 1996.
COSTA, Edil.
Cinderela nos entrelaces da tradição. Salvador: Fundação Cultural, EGBA, 1998.
GOMES, Lindolfo. Contos
populares brasileiros. 3. ed. São Paulo: Melhoramentos, 1965.
GUIMARÃES, Ruth. Calidoscópio:
a saga de Pedro Malasartes. São
José dos Campos: JAC Editora, 2006.
_____________. Os filhos do medo. Porto Alegre: Editora
Globo, 1950.
HAURÉLIO, Marco. Contos
e fábulas do Brasil. Classificação e notas: Paulo Correia. São Paulo: Nova
Alexandria, 2011.
_____________. Contos
folclóricos brasileiros. Classificação e notas: Paulo Correia. São Paulo:
Paulus, 2010.
_____________. O
príncipe Teiú e outros contos brasileiros. São Paulo: Aquariana, 2012.
_____________. Vozes da tradição. Fortaleza: IMEPH,
2018.
HAURÉLIO, Marco,
Wilson Marques. Contos e Lendas da Terra
do Sol. São Paulo: Paulus, 2019.
NASCIMENTO,
Bráulio do. Estudos sobre o conto popular. São Paulo: Terceira Margem,
2009.
2006.
PIMENTEL, Altimar.
Estórias de Luzia Teresa (Três
volumes). Brasília: Thesaurus, 1995.
_____________. Estórias do Diabo. Brasília: Thesaurus,
1995.
PROPP, Vladimir. As
raízes históricas do conto maravilhoso. 2. ed. Tradução de Rosemary Costhek
Abílio. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
ROMERO, Sílvio. Contos
populares do Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia, São Paulo: Edusp, 1985.
XIDIEH, Oswaldo
Elias. Narrativas pias populares. São Paulo: Instituto de Estudos
Brasileiros – USP, 1967.
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