domingo, 31 de maio de 2020

Arievaldo Viana, 1967-2020

Mesa com Stelio Torquato, Crispiniano Neto e Arievaldo Viana. Espaço do Cordel e do Repente.
Bienal do Livro de São Paulo, 2018. 

A notícia do encantamento do poeta cearense Arievaldo Viana me pegou de surpresa, pois, mesmo sabendo que ele se encontrava hospitalizado, com um quadro agravado por uma infecção, a sua vontade de viver era tanta, e seu amor pelas histórias e pelo sertão-velho era tão grande, que eu passei a crer num milagre que, infelizmente, não veio. E Ari, como carinhosamente o chamávamos, se despediu precocemente da vida aos 52 anos, a mesma idade que tinha Leandro Gomes de Barros (1865-1918), quando deixou a esfera terrena. Desde que Dulcimar Viana, a Dulce, esposa de Klévisson Viana e cunhada de Ari, me deu a notícia, por volta das 12h30min do dia 30 de maio, uma grande tristeza se apossou de minha alma. Um dia depois, quando finalmente reuni forças para postar este texto no blogue, a tristeza não arrefeceu em nada.

Perdi um amigo, um irmão, um professor. A pessoa com quem mais eu conversava sobre os cordéis clássicos, as histórias dos tempos idos e os sonhos dos tempos vindouros. E muitas memórias afloraram, boa parte delas de momentos alegres, já que Ari era, no cordel e na vida, uma pessoa muito bem-humorada. Ouso dizer que sua verve para o gracejo o aproximava de grandes mestres, como o já citado Leandro e José Pacheco da Rocha.

Quando garimpava em documentos e livros informações para montar o quebra-cabeças que redundou na biografia de Leandro Gomes de Barros, Ari sempre compartilhava comigo os seus apontamentos, pedindo sugestões e, por vezes, corrigindo e refazendo rotas. Queria que o livro fosse um marco, pois considerava injustiça das maiores Leandro, poeta-ponte do cordel, não contar com uma biografia de fôlego, à altura de seu talento. Num dado momento, sugeriu que eu dividisse com ele a autoria do projeto, o que, de pronto, recusei. E recusei por ser aquele o trabalho de sua vida e eu, quando muito, cumpria apenas a missão de leitor de primeira hora, já que dividíamos a mesma paixão pela literatura de cordel e a mesma admiração por Leandro. Ari, inclusive, assinava suas postagens no blogue Acorda Cordel sob o pseudônimo Cancão de Fogo, em homenagem à maior criação do paraibano genial que tanto nos inspirou. Acabei assinando um dos textos de abertura do livro Leandro Gomes de Barros, o Mestre da Literatura de Cordel (Queima-Bucha), e isso, para mim, já foi motivo de muito orgulho.

Assinei, ainda a convite dele, os prefácios dos livros que lançou pela Globo Livros, adaptações de clássicos infantis ilustrados por Jô Oliveira. E sua versão do conto O Crime das Três Maçãs, das Mil e Uma Noites, do Armazém da Cultura, além de termos trabalhado junto na caixa temática 12 Contos de Cascudo em Cordel e na confecção do folheto Cem Anos da Xilogravura na Literatura de Cordel (Queima-Bucha), de 2007, hoje uma raridade bibliográfica. Ele depois assinou o prefácio de minha versão do romance O Conde de Monte Cristo(Nova Alexandria), da coleção Clássicos em Cordel, e integrou o elenco da Antologia do Cordel Brasileiro (Global Editora).

Ari forneceu ainda informações preciosas e sugeriu leituras que descortinaram horizontes por ocasião da minha pesquisa para o livro Breve História da Literatura de Cordel (Claridade). Generoso, enviou-me também contos populares que ouvira na infância, como o belíssimo O Tesouro do Matuto, que fecha o livro Contos Folclóricos Brasileiros, e os engraçadíssimos O Azar de São Pedro e Jesus e São Pedro na Casa da Usura, ambos publicados entre os Contos e Lendas da Terra do Sol (Paulus). Lamentavelmente, ele não publicou em vida a antologia de contos e anedotas Histórias que os Antigos me Contaram, reunidos em muitos anos de pesquisa séria e de generosa partilha.


À sua esposa Juliana Araújo, aos seus quatro filhos, Daniel, Mariana, Yuri e o caçulinha João Miguel e também aos seus irmãos, pais e demais familiares e amigos, deixo o meu abraço de conforto neste momento de grande tristeza.

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