sábado, 12 de junho de 2010

Saudação aos santos juninos

Republico, num mesmo espaço, os artigos sobre os santos juninos, Santo Antônio, São João e São Pedro.


O santo casamenteiro

Santo Antônio é o santo de maior popularidade no Brasil. Nascido em Portugal, morreu a caminho de Pádua, na Itália, para onde se dirigia com o intuito de curar uma hidropisia (acúmulo de serosidade numa cavidade ou no tecido celular), a 13 de junho de 1231. Foi canonizado pelo papa Gregório IX, no dia 13 de maio do ano seguinte à sua morte. A ele estão relacionadas lendas, simpatias e até expressões populares, como “tirar o pai da forca”. Segundo o relato tradicional, Santo Antônio se encontrava em Pádua, e teve de se deslocar até Lisboa para livrar seu pai, acusado injustamente de homicídio, da forca. A lenda descreve dois milagres: a bilocação (capacidade de estar em dois lugares ao mesmo tempo e a ressurreição do jovem assassinado, que inocentou o pai de Santo Antônio.

A lenda ainda alimenta outra modalidade folclórica, a quadra popular:


Santo Antônio é tão santo
Que livrou seu pai da morte
Bem podia Santo Antônio
dar-me uma bonita sorte

(Fernando de Castro Pires de Lima. Um milagre de Santo Antônio. Em LIRA, Marisa. Estudos de folclore luso-brasileiro).

A cidade de Paratinga, na Bahia, às margens do rio São Francisco, já se chamou Santo Antônio do Urubu de Cima. Isto em 1718, quando deixou de ser arraial passando a freguesia. A razão do nome incomum: uma imagem do santo teria sido encontrada por um caçador num tronco de árvore. No galho de cima, a ave, de asas abertas, protegia o santo do calor do sol. No local, foi construída a capela onde o santo era venerado. A imagem teria sido deslocada para o santuário de Bom Jesus da Lapa - uma gruta transformada em igreja –, mas sempre retornava para o seu centro de devoção. Suas pegadas ficavam impressas na areia.

Aprendi, desde os cinco anos, uma singela oração, ensinada por D. Luzia Josefina (minha avó). É possível que existam variantes:


Santo Antônio pequenino 

Quando Deus era menino 
Sete sinos se tocavam 
Sete livros se rezavam 
Senhor Bom Jesus da Lapa 
Seja meu padrinho 
Fez uma cruz na minha testa. 
Livra-me do Demônio 
De noite e de dia 
No pino do meio-dia 
Amém.


Tem valor de esconjuro e, por isso, traz o número cabalístico 7.
E viva Santo Antônio, o Santo Casamenteiro!


São João do Carneirinho

A cultura popular brasileira floresceu ao lado da tradição católica, presente desde que Frei Henrique Soares celebrou, na Bahia, em 1500, a primeira missa. As simpatias de São João, que remetem às consultas aos velhos oráculos, demonstram isso. O antiqüíssimo hábito de acender fogueiras, associado aos ritos da fertilidade, alimenta, no sertão principalmente, o desejo de se conhecer o futuro no tocante a um bom casamento ou a sua manutenção – para os já casados.

Abaixo alguns exemplos de simpatias de São João.

Para ver o rosto do futuro cônjuge:

23 de junho, noite de São João: quem quiser ver o rosto da pessoa com quem vai se casar, é preciso comprar um espelho “virgem”, escondê-lo e à meia-noite desejar ver a pessoa. Depois é só olhar fixamente para o espelho, sem desviar os olhos por nada desse mundo. Virá um vento forte e depois aparecerá no espelho o rosto da pessoa.

Simpatia da faca na bananeira:

Quem quer saber a primeira letra do nome do futuro cônjuge, deve, na noite de São João, pegar uma faca “virgem” e saltar com ela três vezes a fogueira. Depois cravar a faca num pé de bananeira, deixando-a lá. No dia 24, bem cedo, verificar a faca: a primeira letra do nome do (a) futuro (a) esposo (a) aparece na faca.

Para saber se vai estar vivo no próximo São João:

A pessoa deve acordar bem cedo no dia 24 e ir a uma fonte, cacimba, enfim, qualquer lugar com um bom volume de água. Uma bacia também serve. Sem falar com ninguém, o interessado deve se mirar na água. Se não conseguir vir a duas orelhas morrerá antes do próximo ano.

Para saber quem vai morrer primeiro:

No dia 24 de junho, pegar duas brasas da fogueira, e marcar cada uma identificando-a com a pessoa. Depois, pôr as brasas numa bacia com água e esperar; a brasa que representa a pessoa que vai morrer afundará primeiro.

Na música popular, uma bela referência a este costume se encontra na cantiga garimpada do folclore Leva eu (Sodade), de Tito Guimarães e Alberto Cavalcanti:


Na noite de São João, 

No terreiro, uma bacia, 
Que é pra ver se para o ano 
Meu amor inda me via.


E viva o Precursor de Nosso Senhor Jesus Cristo, o São João do Carneirinho!

São Pedro, divino chaveiro


São Pedro, companheiro de primeira hora de Jesus Cristo, completa a tríade de santos juninos. A Bíblia o apresenta como um pescador que abandona a casa e a família para seguir o Messias. Nos Evangelhos, sua presença é destacada, seja pela aparente rudeza, seja pela honestidade. Preso o Mestre, decepou, com uma espada, a orelha do servo do sumo-sacerdote. Depois, por três vezes seguidas, negou que conhecia o Salvador. Depois da ascensão de Cristo, com a adesão de Paulo, rivalizou com este apóstolo, mantendo uma postura mais conservadora nas questões doutrinárias. Teria morrido em Roma, no tempo de Nero, martirizado durante uma das muitas perseguições aos cristãos movidas pelo sádico imperador. Ao saber que martírio o esperava, pediu que o crucificassem de cabeça para baixo para não imitar o suplício do Salvador. A tradição o aponta como o primeiro Papa.

Na cultura popular, é o terceiro santo junino. É festejado a 29 de junho, provável data de sua morte. Aparece nos contos populares como peregrino, sempre a seguir Jesus e sempre a contestar o seu Senhor. É caracterizado, via de regra, como teimoso, birrento, glutão e azarado. Na Europa, São Pedro é bem mais ladino. Tanto que Câmara Cascudo argutamente vê no pícaro Pedro Malasartes um avatar do santo:

"O nome de Pedro se associa ao apostolo São Pedro, com anedotário de habilidade imperturbável, nem sempre própria do seu estado e título. Na Itália, França, Espanha, Portugal, São Pedro aparece como simplório, bonachão, mas cheio de manhas e cálculos, vencendo infalivelmente". (Dicionário do Folclore Brasileiro, p. 445-6).

A tradição popular atribui-lhe, ainda, a função de porteiro do céu. Nesta condição aparece em algumas obras clássicas da literatura de cordel, como A Chegada de Lampião no Céu, de Rodolfo Coelho Cavalcante, O Grande Debate de Lampião com São Pedro, de José Pacheco, e João Soldado, de Antônio Teodoro dos Santos.

Aparece, com destaque, ainda, em Briga de São Pedro com Jesus por Causa do Inverno, de Manoel D’Almeida Filho. O conto em que se baseou o poeta, de caráter etiológico, aponta como o santo conquistou a responsabilidade de enviar as chuvas, tão necessárias para as atividades agrícolas e pastoris. Conheço uma estória em que São Pedro reivindica junto a Jesus a função de guardião do tempo. Foi narrada por Isaulite Fernandes Farias (Tia Lili), em Igaporã, na Bahia. Embora não classificada segundo o Sistema ATU, pertence ao ciclo das narrativas pias populares (cf. O. E. Xidieh):

“Jesus e São Pedro iam caminhando, caminhando e, vez por outra, ouviam os lavradores reclamando da vida. Um lamentava não ter colhido nada porque choveu muito. Outro, mais adiante, reclamava da falta de chuva. São Pedro, como de costume, começou a questionar Jesus:

— Senhor, está tudo errado! Por que num lugar chove muito e noutro não chove quase nada? Se eu tomasse conta do tempo, ninguém nunca mais ia reclamar de nada.

Jesus o advertiu:

— Fica quieto, Pedro. Pra tudo há uma razão.

— Que nada, senhor! Deixa eu tomar conta do inverno, que ponho tudo em ordem.

— Vou deixar, Pedro, só pra você aprender a não brincar com as coisas da natureza.

E São Pedro saiu pelas roças consultando o povo. Uns pediam chuva; ele mandava. Outros pediam sol; ele mandava. Depois os que pediram sol, queriam chuva e os que pediram chuva, queriam sol. São Pedro atendia a todo mundo.

Passou o tempo e as roças começaram a produzir. Produziam tudo. Mas quando os roceiros foram colher, ficaram tristes: o milho, uma beleza na boneca, quando descascado, só tinha sabugo. O feijão só tinha vagem. O povo então se lembrou do velho que passou por lá indagando dos problemas da lavoura. E todo mundo se revoltou com São Pedro, que ficou apavorado e correu até onde estava Jesus, perguntando:

— Senhor, o que foi que aconteceu, se fiz tudo certo? Onde o sol era forte, fiz chover mais; onde a chuva era forte, fiz solar.

Jesus, com toda calma, perguntou:

— E o vento, Pedro? Você fez ventar nas plantações?

— Isso eu não fiz, pois não vi utilidade nenhuma.

— Está vendo, Pedro, como você não sabe de nada?! Mandou chuva e sol, mas esqueceu do vento. E é o vento que faz granar.”

E viva São Pedro, padroeiro dos pescadores!

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