quinta-feira, 30 de junho de 2011

O pássaro de fogo: uma lenda dos índios temiminós

Ilustração: Eduardo Azevedo

Mais uma vez vou à fonte
Das antigas tradições
Que formam a base das
Velhas civilizações,
E que, no tempo e no espaço,
Sem mostrar qualquer cansaço,
Lega-nos belas lições.

Esta lenda se refere
Aos índios temiminós.
Impelida pelo vento,
Ela chegou até nós.
Relatos encantadores
Nas vozes dos narradores,
Avós dos nossos avós.

O cenário desta lenda
Que envolve povos em guerra
Hoje abrange os municípios
De Cariacica e Serra:
No rico chão capixaba
Vivia um morubixaba
Que era o mais bravo na terra.

Era o pai duma princesa
Chamada de Jaciara,
Um primor da natureza,
Uma esmeralda tão rara,
Que um bravo temiminó,
Ao vê-la no mato só,
Seu coração quase para.

Mas havia um empecilho
Pra que o amor consumasse:
Os pais dos jovens jamais
Consentiriam no enlace.
Guaraci e Jaciara
Não se viam cara a cara,
Não se olhavam face a face.

O jovem ainda tentou,
Com presentes cordiais,
Agradar o pai da moça,
Porém, com planos fatais,
O destino não deixava,
Pois o cacique bradava:
— Somos de tribos rivais!

Não consentirei jamais
Nessa união malfadada.
Prefiro ver minha filha
Antes morta que casada
Com um vil temiminó,
Porque persigo sem dó
Essa gente desgraçada!

E recrutou os guerreiros
Que julgava de valor
Pra criar uma barreira
Com propósito traidor
De impedir que Guaraci
Chegasse perto dali,
Falasse com seu amor.

Todavia apareceu
Um pássaro misterioso,
Que do par apaixonado
Foi correio valioso:
Para a princesa levava
As cantigas que entoava
O guerreiro valoroso.

Do mesmo modo levava
As mensagens da princesa,
As juras de amor eterno
Adornadas de beleza.
O mesmo pássaro trazia
A bonita melodia
Da deusa da Natureza.

O mensageiro celeste
Vez ou outra os conduzia
A duas elevações,
Onde levava e trazia
As cantigas dos amados,
Segredos de apaixonados
Que só o pássaro sabia.

E nesse ir e vir constante,
Acharam de combinar
Uma fuga que pudesse
A vigilância burlar.
Porém o pai da princesa,
Desprovido de nobreza,
Um crime vai perpetrar.

Consultou os adivinhos
Mais importantes da aldeia,
Soube dos planos da filha,
Da fuga pra terra alheia...
Disse, espumando de ira:
— Eu não perdoo a mentira,
Pois tenho sangue na veia!

O chefe, então, conclamou
Um temível feiticeiro,
Que descreveu em detalhes
De Jaciara o roteiro,
Dizendo: — Bravo cacique,
Impedirei que ela fique
Feliz com o seu guerreiro.

(...)

Nota: A trágica história de amor entre um guerreiro temiminó e uma princesa de uma tribo rival deu origem a uma lenda com fortes cores europeias, apesar de retratar personagens indígenas. Assim como na lenda do frade e da freira, o castigo que vitima os jovens enamorados é a transformação em dois rochedos. O guerreiro é o Mestre Álvaro, morro imponente da cidade da Serra. A princesa é o Moxuara, localizado em Cariacica. O misterioso pássaro de fogo, que servia de correio aos dois, ainda pode ser visto, nas noites de São João, auxiliando os desventurados amantes, no único dia do ano em que recuperam a forma humana. 
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O pássaro de fogo é um dos poemas do livro Lendas do folclore capixaba (Nova Alexandria).

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