sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Saudação ao Compadre d'Água

Nos dez de galope na beira do rio
Rio São Francisco no povoado de Palma (Serra do Ramalho - BA).
















Quem for corajoso, que venha comigo
Para o Velho Chico na boca da noite,
Na hora em que o vento, com seu doido açoite,
Na copa das árvores aplica um castigo.
Porém, dou agora um conselho de amigo:
Do povo do rio jamais arrenegue,
Pois assim evita que o cujo lhe pegue,
Que a sorte caipora lhe traga a morrinha,
Que o trem descarrile bem longe da linha,
E o Compadre d’Água venha e lhe carregue.

José Bertolino, que era corajoso,
Sem pensar na vida, tomou um pifão,
Desceu o barranco, foi na direção
Do encontro do Chico co’o rio Formoso.
“Eu não tenho medo”, gritou afrontoso.
Foi quando formou-se grande corrupio,
E o medo, acendendo fifó e pavio,
No cabra, lembrava que já era tarde.
E, mesmo escapando, virou Zé Covarde
Por ter desdenhado do povo do rio.

Maria Barbosa pegou o tabaco,
Deixou um pedaço em cima do toco
E foi “panhar” água pra regar o coco,
Mas se distraindo, topou um buraco,
Emborcou no rio, já dando cavaco,
Achando que era sua “última viagem”.
O Compadre d’Água, por camaradagem,
Não deixou que a moça morresse afogada,
E por força estranha findou transportada
Com vida e saúde pra perto da margem.

Nem bom, nem ruim, nem brabo, nem manso,
Não há quem defina o Compadre d’Água,
De quem o respeita jamais sente mágoa
E a sua tapera será um remanso.
Mas quem pisa em falso não tem mais descanso,
Pois ele detesta esse povo vadio
Que suja-lhe a casa, causando arrepio,
Pondo o patrimônio de todos em risco
E solta um lamento pelo São Francisco
Nos dez de galope na beira do rio.

 Nota: O Compadre d'Água é uma assombração do rio São Francisco. A maior ocorrência de relatos de aparição se dá no norte de Minas e no oeste baiano, no Médio São Francisco. É  o mesmo Negro d'Água, Caboclo d'Água, entidade que habita o fundo do rio e pune pescadores gananciosos e irreverentes. Acalma-se com um pedaço de fumo de rolo. Os ribeirinhos o descrevem como um homem atarracado, negro ou acinzentado, de cabeça pelada e com algumas características anfíbias (guelras e escamas). Espécie de Caipora das águas, é temido e respeitado pelo beradeiros.

Nenhum comentário: