quarta-feira, 20 de março de 2013

Projeto No Sopro da Cultura dignifica o município de Serra do Ramalho


Mesmo sem apoio do poder público municipal, que parece cego e surdo às manifestações da cultura popular, o projeto "No Sopro da Cultura", realizado entre os meses de dezembro a março na comunidade de Agrovila 07, município de Serra do Ramalho, Bahia, foi um grande sucesso. E isso se deveu ao apoio da comunidade e à persistência da professora Silmária Ferreira, coordenadora do projeto e diretora do colégio Bom Jesus, onde foram realizadas as oficinas de confecção de tambores, ministradas por mestre Domingos, da Fazenda Batalha, e de sopro, ministradas por Benigo, de Bom Jesus da Lapa. A iniciativa, entre outros objetivos, visava à revitalização da Banda de Pífanos Irmãos Maciel, originária do povoado de Boa Vista, que margeia o Rio São Francisco, e foi levada para a Agrovila 07 na década de 1970, por Aurelino Maciel e Manoel Maciel (Manelinho), já falecidos, filhos do patriarca Gregório, criador do grupo folclórico.

Um evento apresentou a iniciativa ao público no dia 6 de janeiro, escolhido não por acaso. Afinal, no calendário das tradições populares, nesta data são festejados os Santos Reis. Apresentações musicais, como as de Paulo Araújo, o Paulão, contagiaram a plateia, que ainda ouviu os cantos de são Gonçalo, entoados por Dona Maria da Boa Esperança, mãe do vereador Adalberto da Colônia, o único líder político com mandato a prestigiar o evento. O projeto "No Sopro da Cultura" foi uma das iniciativas selecionadas pela FUNARTE (Fundação Nacional de Artes) entre as propostas encaminhadas por grupos e comunidades do Território Velho Chico. Teve como curadora Lucélia Borges e, além de Paulo Araújo, foi apoiado por Itamar Mendes, responsável pela clipagem e pelos registros fotográficos nos meses de sua realização.

Mestre Domingos escava e burila o tronco de tamboril.
Palestra "Tradição e identidade" com Marco Haurélio.
Paulão e Itamar Mendes, cheios de graça.
Pedro Ivo, o menino do tambor.
Professora Silmária Ferreira, coordenadora do projeto.
Apresentação de Paulão Araújo (Mourão de Privintina).
Oficina do professor Benigo
Lucélia Borges.
Dona Maria da Vila Boa Esperança entoa versos de São Gonçalo.
O amigo Everaldo Totói, que marcou presença 
no evento do dia 6 de janeiro.
Samba de roda ao som da Banda de Pífanos Irmãos Maciel.

Assista abaixo à clipagem feita por Itamar  Mendes com os vários momentos do projeto.




Zé Fortuna e Silvino Pirauá: a cultura caipira abraça o cordel


Zé Fortuna, um dos maiores poetas da música sertaneja. 


No meu livro Breve História da Literatura de Cordel (Claridade) apresento alguns temas aproveitados pela poesia bárdica do Nordeste e pelo cancioneiro caipira de São Paulo e Minas. Eu, que não gosto de confinamento e acredito que toda manifestação artística está em perene construção, não me surpreendo com descobertas semelhantes. As histórias trágicas são mais comuns, principalmente as do ciclo do boi e as que remetem à tragédia grega. Exemplo disso é a História de Zezinho e Mariquinha, de Silvino Pirauá de Lima, que foi resumida em quadras de dez sílabas pelo grande Zé Fortuna:

Mariquinha, moça rica e muito linda,
no palácio da nobreza era a flor
em seu jovem coração da mocidade,
dedicava por Zezinho o seu amor

E os pais de Mariquinha não queriam,
por Zezinho ser um pobre sem vintém
mas no mundo a maldade não consegue,
separar dois corações que se quer bem.

Foi assim que o Zezinho foi-se embora,
pelo mundo com a sorte foi lutar
na esperança de um dia enriquecer
e poder com Mariquinha se casar.

Nesse tempo que o Zezinho esteve ausente,
oito anos sem jamais comunicar
com seu primo, homem idoso que ela odiava,
obrigaram Mariquinha a se casar.

E depois de oito anos sem notícia,
milionário o Zezinho regressou
pois foi mesmo justamente neste dia,
com seu primo Mariquinha se casou.

Estava ainda com seu véu de casamento,
Mariquinha com Zezinho encontrou
num abraço de paixão os dois morreram,
e assim este romance terminou.

Nota: Há, além da de Pirauá, mais duas versões de Zezinho e Mariquinha. Uma de Artur da Silva Torres, publicada no Rio de Janeiro, na década de 1940. Outra mais recente, de Antônio Teodoro dos Santos, publicada pela Editora Prelúdio de São Paulo, uma década depois, na este assina sob um de seus pseudônimos, Trovador Jaguarari.

segunda-feira, 18 de março de 2013

Novo livro de Arievaldo e Jô Oliveira




Via Acorda Cordel, de Arievaldo Viana:

Irmãos Grimm com sotaque nordestino

 Em João Bocó e o ganso de ouro, novo livro da série "Era uma vez... em cordel", o poeta cearense Arievaldo Viana e Jô de Oliveira apresentam sua versão sertaneja para a famosa fábula alemã

Com um jeito genuinamente brasileiro de apresentar grandes contos e fábulas infantis, a coleção "Era uma vez... em cordel", que foi inaugurada com A peleja de Chapeuzinho Vermelho com o Lobo Mau e O coelho e o jabuti, ganha um novo título. Agora, o poeta Arievaldo Viana e o ilustrador Jô Oliveira se reúnem e transportam mais uma história clássica para o universo estético do cordel. Bebendo na fonte dos Irmãos Grimm, a dupla traz para os pequenos leitores João Bocó e o ganso de ouro, história que reconta em ritmo de sextilhas (estrofes de seis versos) a fábula do rapaz simplório e de bom coração que tem sua vida transformada quando ganha uma ave mágica com penas de ouro.

Nesta versão sertaneja do conto alemão, o cordelista faz as figuras tradicionais do rei e da princesa dividirem a cena com personagens que remetem ao Nordeste rural – o padre, o sacristão, os camponeses –, enquanto o traço e o colorido das ilustrações de Jô Oliveira sublinham o estilo do Sertão nordestino: chapéu de couro e alpercatas são o uniforme de João Bocó, o herói cordial deste livro que é uma aula de cultura popular brasileira para as crianças.

O autor

Arievaldo Viana nasceu em Quixeramobim em 1967. É poeta, radialista, ilustrador e publicitário. Já publicou mais de 100 histórias em cordel, e junto com Jô Oliveira lançou O coelho e o jabuti (Globinho, 2011) e A peleja de Chapeuzinho Vermelho com o Lobo Mau (Globinho, 2011).

O ilustrador

Jô Oliveira nasceu na Ilha de Itamaracá em 1944. É quadrinista e ilustrador, com livros publicados no Brasil, na Argentina, na Grécia e na Itália. Em 2004 foi premiado com o Troféu HQ Mix na categoria “Grande Mestre”.

Outros títulos da série “Era uma vez...em cordel” publicados pela Globinho

O coelho e o jabuti

A peleja de Chapeuzinho Vermelho com o Lobo Mau


Ficha técnica

Título: João Bocó e o ganso de ouro
Autor: Arievaldo Viana
Ilustrador: Jô Oliveira
Gênero: infantil
Páginas: 40
Formato: 17,5 x 23 cm
Indicação: a partir de 7 anos
Preço: R$ 34,00
ISBN: 978-85-250-5268-1
Editora: Globinho


Assessoria de imprensa Tatiana Bandeira | Drielle Sá
Tel.: (11) 3767-7819 | 3767-7450

Novo livro de Marcos Mairton



Recebi, do poeta, contista, cronista Marcos Mairton o e-mail abaixo em que divulga o seu mais recente lançamento o livro Contos, Crônicas e Cordéis (Conhecimento Editora). 

Quem estiver  (ou morar) em Fortaleza ou região deve prestigiar o trabalho de Mairton, um dos grandes divulgadores de nossa poesia de bancada.

Prezado(a) Amigo(a),

É com imensa alegria que lhe encaminho convite para o lançamento do meu novo livro, "Contos, Crônicas e Cordéis", na Livraria Cultura, em Fortaleza.

Gostaria de contar com a sua presença e, se possível, sua colaboração para a divulgação da obra e do lançamento. Aí vale e-mail, Facebook, Google+, Twiter, cartaz no elevador do prédio, tudo...


sexta-feira, 15 de março de 2013

Das Mil e Uma Noites para o Cordel



Saiu, com o selo da Editora Giramundo, mais uma contribuição deste aprendiz de bardo: A História dos Dois Homens que Sonharam, com ilustrações de Bira Dantas.

Trecho inicial:

Peguei caneta e papel
E as Musas me visitaram.
Mesmo sem eu lhes pedir,
No meu ouvido sopraram
A maravilhosa História
Dos dois homens que sonharam.

Meu estro então viajou
Para as terras do Oriente,
Visitou duas nações
Seguidoras do Crescente, 
E das Mil e uma noites
Eu narro um drama pungente.

Mohamed era um bom homem,
Possuidor de riqueza,
Mas, mesmo assim, jamais foi
De perversa natureza.
Por só fazer caridade,
Conheceu cedo a pobreza.

Na bela Cairo, no Egito,
Este honesto mercador
Herdou uma casa que era
Um verdadeiro primor,
O único bem que restara,
Segundo o historiador.

No fundo havia um jardim
Com um relógio de sol.
Adiante uma figueira,
Onde, após o arrebol,
Vinha cantar, prazenteiro,
O maestro Rouxinol.

E, mais à frente, uma fonte
De remota antiguidade,
Porque diziam que era
Bem mais velha que a cidade.
E agora fazia parte
De sua propriedade.

Mohamed, apesar de tudo,
Não se queixava da sorte,
Dizia: — A vida é difícil,
Mas é melhor do que a morte!
E logo arranjou trabalho
Por ser inda moço e forte.

Todo serviço braçal
Fazia sem reclamar,
Acreditando que a vida
Poderia melhorar
E que a boa sorte iria
Sua casa visitar.

E uma noite, bem cansado
De seu labor enfadonho,
Deitou-se sob a figueira,
Com o semblante tristonho.
Logo o sono o envolveu
E, com ele, veio um sonho.

(...)

A História dos dois homens que sonharam integra um dos grandes monumentos literários da humanidade: o livro das Mil e uma noites. As fontes mais remotas para esta obra-prima, da qual existe um manuscrito no século IX, podem ser rastreadas no folclore indiano, árabe, egípcio e persa. A coletânea abrange contos, lendas, anedotas, apólogos, romances de viagem, sempre envolvidos por uma atmosfera mágica. Massudi, um historiador do século XI, afirma que o manuscrito era uma tradução de um original persa, Hezar Afsaneh, que significa Mil histórias. As versões mais modernas são baseadas no que se convencionou chamar de ramo sírio, surgido entre os séculos XIII e XIV. Foi com base em um manuscrito em três volumes, proveniente da Síria, que o orientalista Antoine Galland traduziu para o francês o livro das Mil e uma noites, entre 1704 e 1717. 

(...)

Como nem todas as traduções das Mil e uma noites trazem este conto, li-o pela primeira vez numa antologia organizada pelo grande escritor argentino Jorge Luis Borges (1899-1986), o Livro dos sonhos, onde estão compilados textos de diferentes autores, povos e épocas. A história gira em torno de um sonho sobre um tesouro localizado em uma terra distante. O homem que sonhou faz uma peregrinação em busca da tal terra e, lá, encontra outro homem que teve um sonho semelhante. Em 2010, publiquei no livro Contos folclóricos brasileiros, no qual reuni histórias da tradição oral baiana, uma versão recolhida em Canindé, Ceará, pelo cordelista Arievaldo Viana, chamada O tesouro do matuto. Era, ambientado no Nordeste, o mesmo conto que Borges reproduzira e que, segundo o pesquisador português Paulo Correia, remonta ao século XIII, na Pérsia, país que, como vimos, forneceu o modelo para o livro das Mil e uma noites. O conto original, ampliado pelo escritor Paulo Coelho, inspirou o romance O alquimista. É classificado pelos estudiosos do conto de tradição oral como “O tesouro ao pé da porta”.

quarta-feira, 13 de março de 2013

Estreia na Editora LeYa



Peripécias da Raposa no reino da bicharada, livro publicado pela Editora LeYa e ilustrado por Klévisson Viana, pertence à coleção Fábulas do Brasil em cordel que apresenta histórias cujos protagonistas são os animais na nossa fauna. Em situações inusitadas, os pequenos leitores travarão contato com a onça, animal de grande força, mas de limitada inteligência, em disputa com o macaco, o coelho, a raposa ou o bode, que, para vencê-la recorrem à astúcia. Algumas vezes, comparece a estas histórias o leão, apontado pela tradição como o rei dos animais, que, mesmo não pertencendo à fauna brasileira, faz parte do imaginário de muitos povos. Personificando vícios e virtudes, os animais dos contos populares têm muito a nos ensinar, pois sob penas, pelos e carapaças, eles deixam entrever a sua humanidade.

SINOPSE

Esta fábula em cordel reúne duas histórias que têm como protagonista a raposa. No primeiro episódio, a Raposa é companheira de traquinagens do Macaco, mas mostra-se imprudente ao ignorar os conselhos do amigo. No segundo, tenta devorar o Urubu, impossibilitado de voar depois de ter as penas encharcadas por uma pesada chuva. As duas histórias são parte do folclore europeu e chegaram até nós por intermédio dos colonizadores, passando a fazer parte do rico acervo da tradição oral brasileira.

Trecho:

Quando o nosso mundo era
Pelas feras governado,
Os animais conversavam
E o Leão, rei coroado,
Tentava manter a ordem,
Com muito zelo e cuidado.

Raposa era muito esperta,
Era esse o seu valor.
Mas o mais sabido era
O Macaco gozador,
Temido até pela Onça,
O animal predador.

O Macaco sempre ia
A uma chácara pegar
As frutas do fazendeiro
Mais famoso do lugar,
Mas nunca pegava além
Do que podia levar.

A Raposa, quando soube,
Disse assim: — Eu vou contigo.
O Macaco disse: — Não,
Por lá há muito perigo!
Vou e trago pra você.
Pode fiar no que digo.

Mas não houve mesmo jeito,
Pois estava decidida,
Pensando: “Se eu seguir junto,
Terei muito mais comida”...
Sem imaginar que estava
Pondo em risco a sua vida.

Macaco, assim que chegou,
Trepou-se numa pereira.
E encheu o seu samburá,
Mas a Raposa matreira
Foi para o canavial,
Sem achar que fez besteira.

(...)



Para saber mais, vá à página da LeYa.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Mais cordel para as estantes: A Lenda do Batatão



Saiu o meu novo livro infantojuvenil, A Lenda do Batatão (SESI-SP Editora), com ilustrações do mestre Jô Oliveira. O "Batatão", para quem não sabe, é um mito que evoluiu a partir do primitivo Mboitatá indígena. Este trabalho é um mergulho no Brasil profundo, que ainda conheci em minha infância, com os mal-assombros sob as copas dos umbuzeiros e a invasão de espíritos errantes à boca da noite, silenciados pelo primeiro canto do galo.

Abaixo, trecho da apresentação e as estrofes iniciais:

O Boitatá, personagem da mitologia americana, frequenta quase todos os livros sobre folclore. Da antiga serpente de fogo, que sobrevive ao dilúvio, ao Batatão, assombração dos charcos e matas do Nordeste, o mito passou por muitas transformações. Foi o Padre José de Anchieta o primeiro europeu a descrever o Boitatá, em 1560: “Há também outros (fantasmas), máxime nas praias que vivem a maior parte do tempo junto do mar e dos rios, e são chamados baetatá, que quer dizer “cousa de fogo”, o que é o mesmo como se dissesse ‘o que é todo de fogo’.” Baetatá deriva de duas palavras da língua tupi: mbay (coisa) e tata (fogo). No livro O selvagem (1876), o general Couto de Magalhães cita o Mboitatá, “gênero que protege os campos contra aqueles que o incendeiam; como a palavra o diz, Mboitatá é ‘cobra de fogo’.”

(...)

O Batatão é um espírito que habita os charcos, associado, muitas vezes, às almas penadas que não terão descanso enquanto não acertarem contas deixadas no mundo material. A informação de Câmara Cascudo nos ajuda a entender melhor o papel desse fantasma na mentalidade popular: “Em Portugal são as ‘alminhas’, as ‘almas dos meninos pagãos’, a ‘alma que deixou dinheiro enterrado’ e não se salvará enquanto o outro estiver escondido”. É nessa última função que apresento o Batatão, cuja lenda, reconstituída a partir de minha vivência sertaneja, é contada, aqui, nos versos ágeis da literatura de cordel.

Ainda tenho saudades
Das noites do meu sertão,
Onde ouvia contar muitas
Histórias de assombração,
Nas salas iluminadas
Pela luz do lampião.

Quando o sol ia morrendo,
Se escondendo atrás da serra,
Deixava um vermelho vivo,
Como o que jorra na guerra,
E o manto escuro da noite
Envolvia toda a terra.

A lua, mãe dos poetas,
Não provocava ciúmes
Nas estrelas, olhos verdes,
Que iluminavam os cumes
Da serra enquanto, na mata,
Reinavam os vaga-lumes.

O pio da mãe-da-lua,
Apavorante gemido,
Nota de triste canção,
Quando chegava ao ouvido,
Parecia alma penada
Ou ente desconhecido.

Quando o mundo adormecia,
Os espíritos errantes
Saíam de suas tocas,
Com gestos extravagantes.
Alguns eram bem pequenos,
Já outros eram gigantes.

Nas matas mais afastadas,
Os sons da sinistra festa
Denunciavam que ali
Muita “coisa que não presta”
Assustava os caçadores,
Invasores da floresta.

Saci pitando o cachimbo
Fazia muita zoada;
Caipora riscava o mato
Montado numa queixada;
Gritador nos umbuzeiros
Era como alma penada.

Beirando os charcos se via
Uma luz na escuridão:
A alma de um afogado
Fazendo lamentação.
No Nordeste, esse fantasma
É chamado Batatão.

Quem encontra tais duendes
Sofre um terrível abalo.
Perde-se, fica lesado,
Que demoram de encontrá-lo,
Mas todos os entes somem
Depois do cantar do galo.

Uma vez, ouvi contar
A história de um vaqueiro
Do coronel Juca Bastos,
Tipo mau e desordeiro,
Que enquanto esteve no mundo
Só endeusou o dinheiro.

Nunca deu uma esmola,
Tinha raiva da pobreza,
Tratava os seus agregados
Com desmedida rudeza,
Viveu sem nunca mostrar
Um tico de gentileza.

Seu vaqueiro, Chico Lopes,
Por todos era benquisto,
Dizia para o patrão
Para não descrer de Cristo,
Mas o velho ameaçava
A castigá-lo por isto.

(...)

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terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Victor Hugo em dose dupla


Comentei, uma vez, com o amigo e poeta Pedro Monteiro sobre dois poemas do francês Victor Hugo, marcantes na minha vida: Palavras de um conservador a propósito de um perturbador, com tradução parafrástica de Castro Alves, e A um bispo que me chamou de ateu, traduzido por Modesto de Abreu. "E como eu tenho acesso a estes poemas?", perguntou Pedro. "Digite no Google que, certamente, alguém os terá postado", foi a minha ingênua resposta. Ingênua, sim, pois, em casa, fazendo um teste, constatei que nem um e nem outro estavam disponíveis, comprovando a tese de que a internet sem alimentação nada é, Então, de posse do Livro de ouro da poesia da França (organizado por R. Magalhães Jr.), resolvi postar em meu blog Cordel atemporal os dois poemas.

À leitura, pois!

A um bispo que me chamou ateu
                       
Ateu? Ao vosso asserto eu dou explicação.
Espreitar-me, vigiar minh’alma, remexer,
Virar do avesso o fundo ignoto de meu ser,
Buscar o ponto ao qual minhas dúvidas vão,

Interrogar o inferno, inquirir seu registro
De polícia, através de um dédalo sinistro.
Para ver o que eu nego e o que eu admito e aceito,
Não convém. Minha fé, meu credo, satisfeito,
Vou expor. Amo, estimo a caridade franca:

Se se trata de um Deus de longa barba branca,
De uma espécie de rei, de papa ou imperador,
Num trono que se chama em teatro bastidor,
Tendo sobre a cabeça um vulgar passarinho,
À esquerda um profeta e à direita um anjinho
Com seu filho no colo exangue, desmaiado,
Deus uno e triplo, Deus invejoso e malvado;
Se se trata de um Deus que calca sob os pés
As vítimas das leis terríveis de Moisés,
De um deus que santifica os chacais nas cavernas,
E os filhos faz punir pelas faltas paternas,
Que faz o sol parar no ocaso diariamente,
Em risco de o avariar com seu gesto imprudente,
Deus geógrafo medíocre e astrônomo pior,
Que o homem por ignorância adora com terror,
Deus furioso, a fazer careta à espécie humana,
Empunhando na destra imensa durindana
Deus que perdoa pouco e pune de bom grado,
Que condena a virtude e premia o pecado
Deus que em seu céu azul, por não ter que fazer,
Nossos erros imita e entrega-se ao prazer
De flagelos semear, soltando sobre nós
Cambises e Nenrod, e Átila – o cão feroz –
Mandando assassinar os ímpios e os incréus,
Ó padre, sou ateu: não creio nesse Deus!
Se se trata, porém, do ser imaterial
Que resume com toda a evidência o ideal;
Ser cuja alma em minh’alma intimamente sinto,
Ser que me fala em suave e misterioso enleio,
Que opõe o verdadeiro ao falso, entre os instintos
Cuja vaga letal nos submerge até o meio;
Se se trata do Ser transcendente e sem par
Que uma só religião não consegue explicar,
Que adivinhamos bom e sentimos sapiente,
Sem contorno e sem limite, imenso, transcendente,
Que não tem filhos, mas tem mais paternidade,
E amor que o verão calor e claridade,
Se se trata do vasto etéreo e incognoscível
Que ao Gênese explicar não é jamais possível,
Que vemos todos nós com os olhos da razão,
Impossível de ser comido em algum pão,
Que, por dois corações se amarem não se rala,
E vê a natureza onde vês o pecado;
Se se trata do ser eterno sublimado,
Que pela estranha voz dos elementos fala,
Sem bíblias, sem cardeais, sem materialidade,
Por livro o abismo e por igreja a imensidade,
Vida, Espírito, Lei, tão grande que é invisível,
De tal modo sublime, impalpável, etéreo,
Que enchendo com seu vulto o infinito sidéreo,
Nota-se em tudo, e é não obstante indefinível;
Se se trata do ser imenso que elabora
E distribui o bem, a justiça e a razão,
Por limite o infinito, imutável outrora,
Hoje, agora, amanhã, sempre, dando à Criação
Sua estabilidade e aos corações paciência,
Que, luz fora de nós, é, dentro de nós, consciência;
Se é desse Deus grandioso e belo que se trata,
Que, na aurora ou na treva, augusto se retrata;
Se se trata, por fim, do princípio eternal
Que encerra a vida e o pensamento universal
E que, à falta de um nome a altura, eu chamo Deus,
Tudo se muda então,voltam-se nossas almas,
A tua para a noite, o abismo dos proteus,
Dos vermes, dos anões, dos monstros, dos chacais,
E a minha para o dia, a aurora, o sol, o céu,
A Natureza, a luz, as coisas divinais,
E então eu sou o crente e tu, padre, és o ateu!

                       (Tradução de Modesto de Abreu)

Palavras de Um Conservador
A PROPÓSITO DE UM PERTURBADOR
(Paráfrase de V. HUGO)

SERIA SONHO OU não... Depois vós me direis...
Um homem... era um grego, era um persa, um chinês,
Ou judeu?... Eu não sei... tão somente me lembro
Que era um ente verídico e grave, que era membro
Do partido da ordem...

                                          E ele dizia então:

"Esta morte jurídica imposta a um charlatão,
Ferindo este anarquista é soberana e justa...
Faz-se mister que a ordem e a autoridade augusta
Defendam-se... Tais cousas hoje ninguém discute.
Depois, se a lei existe é para que se execute.
Verdades santas há de origem tão divina
Que devem sustentar-se até na guilhotina.

“Este inovador pregava a filosofia
Do amor e do progresso... histórias... utopia!
Ria do nosso culto antigo e namorado.
Era um destes p'ra quem nada existe sagrado
Nem respeitam jamais o que o mundo respeita...

"P'ra lhes inocular doutrina assaz suspeita
Ele ia procurar nos bordéis crapulosos,
Boieiro e pescador, patifes biliosos,
Imundo povilhéu não tendo eira nem beira...
E entre canalha tal pregava de cadeira.
Jamais se dirigia aos homens de dinheiro,
Aos sábios, aos honrados, ao honesto banqueiro.

"Anarquizava as massas... e com dedos p'ra o ar
Enfermos e feridos entendia curar
Contra a letra da lei.

                             Não para aí o horror...
Ressuscitava os mortos... este vil impostor
Tomava nomes falsos e falsas qualidades
E errando ora nos campos, ora pelas cidades,
Ouviam-no dizer: "Podeis me acompanhar!"

"Ora, falai, senhor. Não é mesmo excitar
Uma guerra civil entre os concidadãos?

Via-se ir ter com ele horrorosos pagãos,
Que dormiam nos fossos e acompanhar-lhe o rastro:
Um coxo, outro com o olho escondido no emplastro
Outro surdo, outro envolto em pústulas tenazes.
Vendo este feiticeiro andar com tais sequazes
O homem de bem entrava em casa envergonhado...

"Um dia... eu já nem sei quando isto foi passado,
Numa festa... pegou de um chicote, imprudente!
E se pôs a expelir, mas muito brutalmente,
Gritando e declamando, honestos mercadores,
Que vendiam ali pássaros, aves, flores,
E outras coisas, que mesmo o clero permitia,
E de cujo produto uma parte auferia.

"Uma mulher sem brio seguia-lhe na trilha.
Ele ia perorando, abalando a família,
A santa religião e a sociedade,
Decepando a moral e a propriedade.

"O povo o acompanhava, e o campo estava inculto.
Era ousado demais... Chegava o seu insulto
Até ferir o rico!...

                                  E revoltava o pobre.
Sempre, sempre a dizer que todos que o céu cobre,
São irmãos, são iguais... que não há superiores,
Nem grandes, nem pequenos, ou servos, ou senhores,
E que o fruto é comum...

                                       Té ao clero insultava!...
Bem vê, bem vê, senhor, que este homem blasfemava.
E tudo isto era dito assim em meio à rua,
A uma canalha vil, grosseira, imunda e nua.
Preciso era acabar, as leis eram formais...
Foi, pois, crucificado..."

                               Ouvindo frases tais
Ditas com tão singela e adocicada voz...
Eu surpreso exclamei: "Senhor, mas quem sois vós?
Ele me respondeu: "Preciso era um exemplo;
Eu me chamo Elisab, sou escriba do templo”...
“Porém de quem falais?... Dizei-me de quem é.
"Meu Deus! deste vadio... Jesus de Nazaré".

(Castro Alves)

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

O mundo do cordel de luto: o adeus a João Firmino Cabral

Com Assis Ângelo, Bule-Bule, Mestre Azulão, Klévisson Viana
e o já saudoso João Firmino Cabral em Fortaleza, (2008).
O meu contato com a obra de João Firmino Cabral deu-se muito cedo. Li Amor e martírio de uma escrava (Luzeiro) no mesmo período em que li Juvenal e o dragão, A louca do jardim, Os quatro sábios do reino e outros clássicos da literatura de cordel. Depois veio A coragem de um vaqueiro em defesa do amor, um dos mais engraçados (e exagerados) folhetos de valentia já escritos. Tudo isso em minha meninice, na Ponta da Serra, meu berço na Bahia. Então, posso afirmar que sua obra exerceu sobre este poeta benéfica influência. João Firmino nasceu em Itabaiana, Sergipe, a 1º de janeiro de 1940. O pai, Pedro Firmino, era embolador, e a mãe, Cecília da Conceição, agricultora. Uma viagem de trem a Aracaju mudaria, para sempre, a sua vida. Nesta ocasião, entraria em contato com o já consagrado poeta Manoel D’Almeida Filho, que viria a ser seu tutor, na vida e na arte. O encontro foi narrado assim por Arievaldo Viana, que, em 2008, fez uma longa entrevista com João Firmino:

“Corria o ano de 1954... Aos 14 anos, o garoto João Firmino Cabral saiu de sua pequena Itabaiana e foi para Aracaju, onde encontrou-se com o poeta Manoel D'Almeida Filho, que, na companhia de dois outros folheteiros, cantava e vendia seus romances na feira próxima ao mercado. Munido de um alto-falante e um microfone, Manoel D'Almeida encantava a todos com sua pose de galã e a sua voz cadenciada e vibrante. O menino, que já era fascinado pela poesia popular, ficou embevecido. Esqueceu de fazer as compras que a mãe havia lhe ordenado e passou o dia inteiro na companhia dos poetas. Quando se deu conta, já eram quatro e meia da tarde e o último (e único) trem para Itabaiana já havia partido.

João Firmino começou a chorar desoladamente e foi socorrido por Manoel D'Almeida, que lhe ofereceu dormida e um prato de sopa para o jantar. O menino falou de seu grande amor pela Literatura de Cordel e disse que gostaria de se tornar um revendedor de folhetos. Manoel D'Almeida, vendo o interesse do garoto, confiou-lhe uma maleta com trezentos folhetos (trinta títulos diferentes) e Firmino seguiu para a feira de Itabaiana. Nascia ali um grande folheteiro que viria a se tornar, dois anos depois, um dos maiores poetas populares dessa geração.”

Escreveu seu primeiro cordel aos 17 anos, uma Profecia do Padre Cícero, no qual ainda não mostra a sua faceta mais conhecida: a do narrador de histórias dramáticas, com enredos muito bem urdidos. Com Manoel D’Almeida Filho aperfeiçoou-se como poeta e folheteiro. Da experiência com o “professor”, algumas histórias ficaram gravadas na memória privilegiada de João Firmino, como a que segue:

Na década de 1950, Almeida havia composto um grande romance dramático, A sorte do amor, até hoje reeditado pela Editora Luzeiro. A história mostra a disputa de dois honestos roceiros, José Miguel e Manoel João, pela mão de uma linda camponesa, Rosa Maria. Os dois tentam resolver a disputa em um duelo, mas acabam escapando da morte, ambos muito feridos. Um sorteio, proposto pela moça, deverá solucionar o caso. No dia do casamento com o “sorteado”, um incêndio na roça deste antecipa a tragédia. Manoel D’Almeida lia para uma plateia atenta e curiosa este romance. Ao chegar ao clímax da história, no entanto, seus olhos estavam embotados de lágrimas. Diga-se o mesmo da assistência. O grande poeta, inconformado, foi depois se queixar para João Firmino: “Eu não podia ter chorado. Fui eu que criei Manoel João, José Miguel, Rosa Maria... Eles só existem no meu texto. Por que não me controlei?”

Em 2005, fui trabalhar na editora Luzeiro, a convite de Gregório Nicoló. A missão era renovar com qualidade o catálogo e garimpar, entre as raridades da Prelúdio, títulos para reedição. Assim que cheguei, liguei para João Firmino me apresentando. A sua primeira reação, creio, foi de desconfiança. Afinal, quem cuidava do editorial da casa paulistana era Manoel D’Almeida, morto em 1995. Nas conversas, mostrando meu interesse em revitalizar a Luzeiro e o meu envolvimento afetivo com a literatura de cordel, além de sempre consultá-lo acerca dos títulos clássicos a serem reeditados, consegui não só convencê-lo de que buscava contribuir para a arte da qual ele era um grande expoente, renovando o catálogo, sem perder de vista os títulos tornados clássicos pela predileção popular. João Firmino tornou-se para mim um professor e um grande amigo. Aos poucos, à medida que títulos como Os três conselhos sagrados e O herói da Montanha Negra, escritos por mim, foram lançados, recebia dele calorosos e encorajadores elogios.

Dele colhi, como disse, preciosas informações. Quando a Luzeiro publicou, pela primeira vez, a História de Roberto do Diabo, pairava sobre esse texto clássico a dúvida sobre a autoria. Recorri a João Firmino, e ele cravou: “É de Leandro Gomes de Barros”. E justificou: “Quando criança, ouvia todos os poetas e folheteiros se referirem a este romance como de Leandro Gomes de Barros”, mesmo que as edições mais recentes trouxessem na capa a autoria atribuída a João Martins de Athayde. Essa assertiva de João Firmino foi ratificada pelo veterano poeta, editor e vendedor de folhetos paraibano João Vicente da Silva. A edição saiu com a autoria atribuída a Leandro e uma nota explicativa, dando créditos aos responsáveis pela valiosa informação. Noutra ocasião, instado sobre quem era o verdadeiro autor da História da Princesa da Pedra Fina (não confundir com O Reino da Pedra Fina, de Leandro Gomes de Barros), João Firmino não teve dúvidas: “Este é um dos primeiros folhetos de Silvino Pirauá de Lima, Pelo menos é o que diziam os cantadores de folhetos da minha infância”.

Encontrei João Firmino uma única vez: durante a Bienal do Livro do Estado do Ceará, e com ele dividi uma das Mesas do Congresso de Cordelistas, realizado durante o evento que teve como curador o poeta Klévisson Viana. Sempre que possível, eu ligava para ele. Ouvia suas reclamações a respeito de novos títulos que, segundo ele, nada acrescentavam ao cordel. E ouvia seus elogios a poetas que, ainda segundo ele, assegurariam a continuidade à tradição. Toda vez que conversávamos, ele pedia para retransmitir um abraço ao poeta Cícero Pedro de Assis, a quem considerava um irmão. O fato é que, mesmo com os problemas de saúde, João Firmino jamais deixou de trabalhar e sua produção, nos últimos anos, quase toda publicada na Editora Tupynanquim, é muito significativa. A Luzeiro, a casa que lhe abriu as portas, publicou, ano passado, seu romance A revolta de um escravo, que foi motivo de muita alegria para o velho poeta.

O fato é que a vida é transitória, mas muitos passam por ela e não vivem, como dizia Francisco Otaviano. João Firmino Cabral não apenas passou pela vida. Viveu-a. E viveu da forma que imaginou, escrevendo histórias que divertiram e emocionaram milhares de pessoas. Até a sua partida, no primeiro dia do mês de fevereiro de 2013.

João Firmino agora é saudade. João Firmino agora é história.


Aqui apareço ao lado de João Firmino, em companhia do poeta Arievaldo Viana e do editor Gustavo Luz.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Mostra de Cultura Popular em Serra do Ramalho




O município de Serra do Ramalho, no oeste da Bahia, é conhecido por sua singularidade. Criado em 1989, quando desmembrou-se de Bom Jesus da Lapa, Serra do Ramalho tem origem no Projeto Especial de Colonização que, sob a coordenação do INCRA, surgiu para receber as famílias expulsas de suas terras pela construção da Barragem de Sobradinho, tragédia social, cujos efeitos serão sentidos ainda por muitas gerações. 

Além da população oriunda de Sobradinho, as terras do município eram habitadas há muito tempo por comunidades remanescentes de quilombos, numa faixa que abrange os distritos de Barra da Ipueira até o Barreiro Grande. Os índios nativos foram expulsos ou massacrados por grileiros. Mesmo assim, no local que fica próximo à Agrovila 19, se estabeleceram os Pankaru, de Pernambuco, chefiados pelo Patriarca Apolônio. Some-se a isso a chegada de famílias oriundas de outros estados, especialmente do Nordeste brasileiro, e se terá uma ideia — ainda que pálida — do que é Serra do Ramalho.

Pois bem, no dia 6 de janeiro (dia de Santos Reis), todos estão convidados para a primeira etapa do projeto, com apresentação da Banda de Pífanos Irmãos Maciel, da Agrovila 7. No mesmo dia, ainda se apresentarão grupos de reisado, dançadores de São Gonçalo e cantadeiras de samba de roda. Desde o dia 26 de dezembro, na mesma agrovila, o mestre Domingos ministra oficinas de confecção dos tambores que serão utilizados pela banda de pífanos.

Abrindo as apresentações, a partir das 14h, no Colégio Bom Jesus, proferirei uma palestra — Tradição e Identidade —, mostrando o quanto um povo perde quando volta as costas para a cultura popular.

A produção do projeto é de Silmária Ferreira. A curadoria é de Lucélia Pardim. Colaboram com o projeto Itamar Mendes e Paulo Araújo, o Paulão. Outros tantos colaboradores serão lembrados nas próximas postagens.

A arte do convite é do ilustrador Luciano Tasso.